O mundo dos jogos independentes é uma selva digital, saturada de propostas que muitas vezes se perdem na enxurrada de lançamentos diários. Quando Primal Planet surgiu no meu radar, a primeira coisa que me chamou a atenção foi a sua identidade visual e a sua ousadia em misturar géneros. Um pixel-art metroidvania com elementos de sobrevivência, ambientado num mundo pré-histórico de dinossauros e… alienígenas. A premisa de um jogo que se autodenomina “dinovânia” imediatamente gerou uma curiosidade genuína. A minha impressão inicial foi de que estava perante algo verdadeiramente único.
Ao mergulhar no jogo, percebi que esta originalidade não era apenas uma fachada. Primal Planet é um projeto de paixão, desenvolvido ao longo de cinco anos por um único criador. A dedicação de um programador e artista solo em entregar uma aventura imersiva e com uma estética pixel-perfect transparece em cada quadro. O meu fascínio inicial foi aprofundado pela promessa de uma experiência que, para além da ação e da exploração, prometia uma narrativa tocante sem uma única palavra falada. O meu objetivo com esta análise é desvendar o que torna este título uma joia rara e por que razão, apesar de algumas arestas por polir, ele se destaca no vasto ecossistema dos jogos de aventura 2D.
Uma Tragédia em Silêncio, Contada em Pixels
A minha jornada por Primal Planet não começou com grandes introduções narrativas ou longos textos explicativos. Começou com o pânico. De repente, a tranquilidade de uma vida simples, com a minha esposa, filha e o nosso pequeno dinossauro de estimação, Sino, foi desfeita pelo rugido aterrorizante de um T-Rex. Num piscar de olhos, fui separado da minha família, e a minha casa, o meu lar, foi devastada. A partir desse momento, a minha motivação tornou-se uma urgência visceral: salvá-los e descobrir o que estava a acontecer.
O que mais me impressionou na história foi a sua capacidade de evocar emoção sem recorrer a diálogos ou textos. A narrativa é inteiramente contada através de pequenas animações e da linguagem corporal dos personagens. Um abraço de reconciliação, um gesto de carinho para com o Sino, ou o simples ato de carregar a minha filha às costas, tudo isso comunicou mais do que mil palavras. Essa abordagem, que parece ser uma escolha deliberada do desenvolvedor solo, foca-se nas emoções humanas mais básicas e universais, o amor familiar e a proteção dos entes queridos. O jogo consegue, com os seus gráficos simples mas expressivos, construir uma ligação profunda comigo, o protagonista, e a minha missão.
A história começa com uma luta pela sobrevivência primitiva, mas rapidamente evolui para algo muito mais complexo e inesperado. À medida que me aventurava mais fundo na selva, comecei a deparar-me com equipamentos de alta tecnologia e com a presença de entidades extraterrestres. A introdução de UFOs e de uma base alienígena na lua, adicionada numa atualização pós-lançamento, eleva a narrativa a um patamar de mistério, misturando o pré-histórico com a ficção científica de uma forma que me intrigou até ao fim. Este contraste entre a natureza selvagem e a tecnologia de ponta impede que a experiência se torne monótona, tornando a “dinovânia” um território inexplorado e cheio de surpresas. Para mim, essa mudança temática foi o que manteve a história sempre fresca e a minha curiosidade em alta, mesmo quando a narrativa linear do início se dissipava e dava lugar à exploração pura.
Dançando no Abismo Primitivo
O cerne de Primal Planet reside na sua exploração, e eu diria que o jogo se move numa linha tênue entre a tradição dos metroidvanias e a liberdade dos jogos de plataforma de aventura retro. No início, a jornada é relativamente linear, guiando-me através dos primeiros passos de sobrevivência. No entanto, o mundo rapidamente se expande, revelando uma vasta rede de biomas, desde florestas luxuriantes a profundezas oceânicas bioluminescentes. Essa transição da linearidade para a liberdade de exploração foi um dos pontos altos para mim, incentivando-me a mergulhar em cada canto do mapa em busca de segredos e recursos.
A exploração é enriquecida por um ecossistema que parece vivo e dinâmico. O ciclo de dia e noite altera a presença e o comportamento de certas criaturas. Ver um T-Rex caçar a sua presa ou manadas de dinossauros pacíficos a pastar ao longe adiciona uma camada de imersão que me fez sentir parte de um mundo que existia independentemente das minhas ações.
Um dos pontos que não gostei, é o seu mapa. Não vou mentir: o sistema é, no mínimo, peculiar. Não é possível ver um mapa detalhado de uma zona a menos que se esteja nela, e o mapa-múndi é vago e sem nome de áreas. No entanto, eu encarei-o como uma parte da experiência. O design intencionalmente esquisso do mapa forçou-me a fazer anotações mentais, a memorizar caminhos e a realmente “sentir” o mundo ao meu redor, em vez de simplesmente seguir um marcador. A ausência de um fast travel universal reforçou essa necessidade, fazendo com que cada retorno a uma área já visitada fosse uma oportunidade para descobrir algo novo, e não um fardo.
O jogo também se destaca por uma abordagem não convencional ao progresso. Em vez de obter uma habilidade de salto duplo num ponto específico, o meu personagem aprende-a com pontos de experiência (XP). Essa progressão mais orgânica, combinada com o sistema de crafting leve, faz com que a exploração não seja uma corrida por upgrades obrigatórios. Por exemplo, em vez de encontrar uma habilidade mágica para queimar vinhas, eu simplesmente criei uma tocha com a minha lança e um pouco de fogo. Essa filosofia, onde a resolução de problemas depende mais da minha criatividade com as ferramentas disponíveis do que de uma habilidade fixa, é um desvio bem-vindo do formato tradicional e faz com que o jogo se sinta mais como uma plataforma de ação com um toque de RPG.
O Coração Bate ao Lado da Família
As mecânicas de Primal Planet pra mim são “básicas”, e até certo ponto, isso é verdade. O combate é simples e, por vezes, um pouco caótico. No entanto, a sua simplicidade esconde uma versatilidade surpreendente que me cativou desde o início. A minha arma principal é um porrete de pedra, mas o verdadeiro destaque é a lança. Ela não é apenas uma arma de combate corpo a corpo ou de arremesso, mas uma ferramenta para a exploração e resolução de puzzles. Atirar uma lança na parede para usá-la como plataforma improvisada é um toque de génio, assim como usá-la como tocha para queimar a vegetação espinhosa que bloqueia o caminho.
A abordagem à progressão é igualmente interessante. Não é um jogo de “caçar bosses” para obter habilidades, pois não existem combates de bosses convencionais, apenas inimigos mais fortes que testam o meu arsenal e as minhas táticas. A progressão do meu personagem e do meu companheiro dinossauro, Sino, é feita através de pontos de habilidade ganhos com XP. Cada ponto que investi em habilidades como o duplo salto, o dash ou o aumento de vida pareceu uma conquista valiosa, já que o jogo não permite que as reajuste uma vez atribuídas. Essa decisão dá peso a cada escolha, o que me fez pensar cuidadosamente sobre o que priorizar.
A mecânica de companheiros é outra adição que considero fundamental para a experiência. O Sino é o meu fiel companheiro e pode até ser controlado por um segundo jogador em cooperação local. A sua capacidade de atacar inimigos sozinho é incrivelmente útil, servindo tanto para causar dano como para distrair inimigos maiores. Ao longo da jornada, pude recrutar outros aldeões, cada um com as suas próprias habilidades. Esta sensação de comunidade e a presença constante de aliados ao meu lado reforçou a narrativa de união familiar e de tribo, tornando a minha aventura menos solitária. E como um fã da animação Primal, da Genndy Tartakovsky, a minha reação ao encontrar um combate com uma “mãe dinossauro” a defender a sua cria foi de pura admiração. Foi um easter egg que me fez sentir uma conexão ainda maior com o jogo.
A Sinestesia de um Mundo Esquecido
A primeira coisa que me atraiu para Primal Planet foi, sem dúvida, a sua estética, e posso afirmar sem medo que a pixel art do jogo é um triunfo. O mundo é uma tela pintada com detalhes luxuriantes, desde florestas densas a profundezas oceânicas cintilantes, com cada bioma a apresentar uma paleta de cores e uma atmosfera únicas que mudam com o ciclo de dia e noite. A arte é tão boa que me fez parar várias vezes para apenas observar as paisagens panorâmicas e a sensação de escala que elas transmitiam. A qualidade da animação é igualmente notável, comunicando emoções de forma delicada e eficaz. As cenas onde o meu personagem abraça a sua esposa ou faz festas com Sino, por exemplo, são simples, mas a sua beleza e ternura foram impactantes.
O aspeto sonoro, no entanto, é uma faca de dois gumes. A trilha sonora tem uma “vibe SNES” sonhadora e etérea, perfeita para a exploração e para criar uma sensação de maravilha. Contudo, a mixagem de som pode ser um pouco caótica. Durante os combates mais intensos, o ruído dos ataques e os efeitos ambientais por vezes chocam em vez de se complementarem, quebrando momentaneamente a imersão. Paradoxalmente, os momentos mais memoráveis para mim foram nos silêncios, ou quando o meu personagem se sentava numa fogueira. Nesses momentos de calma, o som da música, o crepitar do fogo e os ruídos da selva fundiam-se numa experiência sensorial que me trazia uma paz genuína após o caos.
A Dança Fluida em 60 FPS
Como jogador de PC, a minha experiência com Primal Planet foi, no geral, satisfatória, embora com alguns aspetos que me levaram a uma análise mais aprofundada. O jogo foi testado na minha configuração de topo de gama, com um Ryzen 7 5700x, 32 GB de RAM e uma RTX 4060. Durante todo o tempo de jogo, tive uma experiência perfeitamente fluida, com a taxa de frames a manter-se estável e “cravada” nos 60 fps. Não consegui aumentar o limite, mas foi algo fluido e satisfatório.
Uma Estrela no Céu Primitivo
Primal Planet não é um jogo perfeito, mas é um jogo com uma alma incrivelmente grande. As suas falhas, como o mapa peculiar e uma ligeira perda de ritmo no meio da aventura, não conseguiram obscurecer o seu brilho. O jogo brilha com a beleza incomparável da sua arte, a autenticidade da sua narrativa sem palavras e a paixão que se sente em cada pixel, que só um desenvolvedor solo pode injetar num projeto.
É um título que desafia as convenções do género metroidvania, trocando o gating tradicional por uma progressão mais orgânica, baseada em crafting e na utilização inteligente das ferramentas primitivas. O sistema de combate e sobrevivência, embora simples, foi concebido para ser gratificante, não punitivo, permitindo que a minha exploração fosse uma aventura de descoberta e não um grind tedioso por recursos. No final, o jogo fez-me sentir a urgência de um pai, a beleza de um mundo perdido e a admiração pela criatividade que pode florescer de um único criador.
Primal Planet não é apenas mais um jogo de aventura em pixel art com dinossauros. É um jogo com um coração pulsante que me lembrou que as melhores experiências de jogo não vêm da complexidade ou do polimento perfeito, mas da capacidade de nos fazer sentir algo. É um diamante bruto, sim, mas a sua alma é inesquecível. Em um mundo de jogos que se esforçam para serem colossais, Primal Planet prova que ser sincero é o suficiente para ser memorável. O seu encerramento, embora um pouco abrupto para alguns, deixou-me com uma sensação de satisfação e com a memória de um abraço pixelizado que, para sempre, me fará sorrir.
NOTA
CONSIDERAÇÕES
Primal Planet é um metroidvania indie que combina pixel art impecável, narrativa sem palavras e exploração criativa, oferecendo uma experiência emocionante e memorável, mesmo com pequenas falhas