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Review | Frostpunk 2 (PS5)

Eu me lembro, com uma clareza que gela os ossos, da sensação que o primeiro Frostpunk deixou em mim. Não era o desespero, nem a angústia de mandar crianças para as minas de carvão. Era a fagulha traiçoeira de esperança no final. A sensação de que, sim, a humanidade poderia encarar o apocalipse de frente, cerrar os dentes contra a tempestade e, de alguma forma, sobreviver. Foi uma lição brutal, mas otimista em sua essência. Nós aguentamos. Nós sobrevivemos.

Frostpunk 2 chega, 30 anos depois daquela Grande Tempestade, para me dizer que eu não poderia estar mais enganada. A sobrevivência não foi o fim da história; foi apenas o prólogo. A sequência, desenvolvida pela 11 bit studios, não é uma iteração segura ou uma expansão de ideias. É uma refutação ousada e cínica da premissa de seu antecessor. O jogo pega aquela pequena e trêmula chama de esperança que protegemos com tanto custo e a usa para acender o pavio de um barril de pólvora social. O frio, antes nosso inimigo mortal, agora é apenas o cenário. O verdadeiro, o insuperável, o eterno inverno está dentro de nós. A ameaça, desta vez, não é a natureza. É a natureza humana.

Review Frostpunk 2

Aquela pequena colônia, um círculo de calor e medo ao redor de um gerador, metastatizou-se. Agora somos Nova Londres, uma metrópole faminta por recursos, expandindo-se sobre a tundra congelada, com milhares de almas sob nossa responsabilidade. E com o tamanho, veio a complexidade. Com a segurança, veio a discórdia. O jogo nos entrega as chaves dessa cidade não no auge de uma crise existencial, mas no início de uma podridão interna, e nos pergunta: agora que vocês não precisam mais lutar juntos para sobreviver, pelo que vocês lutarão uns contra os outros? A resposta é a jornada mais sombria e fascinante que um jogo de estratégia me proporcionou em anos.

O Peso do Manto do Capitão

Esqueça as narrativas lineares, os heróis e vilões pré-definidos. A história de Frostpunk 2 é uma tragédia escrita pelo jogador, uma crônica de compromissos impossíveis e princípios erodidos. Nós não assumimos o papel de um Capitão todo-poderoso, como no primeiro jogo. Somos o “Steward”, o administrador, uma figura que soa mais como um mediador burocrático do que um líder visionário. E essa mudança de nomenclatura é fundamental. O poder não emana mais de decretos absolutos; ele é mendigado em corredores escuros, negociado em troca de promessas que talvez não possamos cumprir.

A trama se desenrola ao longo de cinco capítulos, uma saga contínua onde as sementes plantadas em um podem florescer como árvores venenosas no outro. A narrativa não vem de longas cenas, mas de vinhetas curtas e impactantes, de pequenas histórias de cidadãos cujas vidas são esmagadas ou salvas pelas engrenagens das nossas decisões. E no centro de tudo, o motor que impulsiona cada dilema, estão as facções.

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Minha cidade, por exemplo, viu o surgimento de duas forças titânicas. De um lado, os “Stalwarts”, herdeiros ideológicos do Capitão original, que acreditam que a salvação reside no progresso a qualquer custo, na meritocracia implacável e na razão fria da engenharia. Do outro, os “Pilgrims”, uma comunidade que valoriza a adaptação ao gelo, a igualdade e a tradição, desconfiando da tecnologia que os aprisiona ao gerador. Não há “mocinhos” aqui. Os Stalwarts, em sua busca por eficiência, podem facilmente se tornar tiranos autoritários. Os Pilgrims, em sua busca por uma vida comunitária, podem regredir a um fanatismo perigoso.

O jogo me forçou a escolher um caminho logo no início: “derrotar o gelo”, alinhando-me com a visão tecnológica dos Stalwarts e focando na transição para uma economia baseada em petróleo; ou “abraçar o gelo”, seguindo a filosofia dos Pilgrims de expandir para a tundra, criando assentamentos autossuficientes. Essa não é uma mera escolha de diálogo. É uma decisão que redefine a alma da sua cidade e o foco do seu gameplay por horas a fio.

O brilhantismo de Frostpunk 2 está em como ele demonstra que a pureza ideológica é o caminho mais curto para a ruína. Tentei, em minha ingenuidade inicial, ignorar completamente os Pilgrims, acreditando que o progresso dos Stalwarts era o único futuro lógico. O resultado? O “Fervor” deles aumentou, a “Tensão” na cidade – um novo indicador que mede a agitação social – borbulhou perigosamente, e logo eu estava lidando com greves que paralisavam distritos inteiros. Aprendi da maneira mais difícil que a governança não é sobre escolher o lado certo; é sobre manter os lados errados em um equilíbrio precário para que não destruam tudo. A história aqui é a sua história de fracasso político, uma lição de realismo que nenhum livro didático poderia ensinar com tanta eficácia.

A Orquestra do Caos

Se jogar o primeiro Frostpunk era como ser um cirurgião realizando uma operação delicada em um paciente à beira da morte, jogar Frostpunk 2 é como ser o maestro de uma vasta e dissonante orquestra, onde cada músico odeia o outro e o palco está prestes a desabar. A mudança de escala é a transformação mais radical e, inicialmente, a mais desconcertante.

Adeus ao microgerenciamento íntimo de construir cada tenda, cada posto médico. Agora, nós construímos em traços largos, “despejando” distritos inteiros no mapa hexagonal com um único comando: um distrito residencial para milhares, uma zona industrial para extrair recursos, uma área de produção de alimentos. O tempo não passa mais em dias, mas em semanas que voam, forçando um pensamento estratégico de longo prazo que torna cada decisão muito mais pesada.

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Essa perspectiva ampliada, quase divina, tem um custo. Perdemos a intimidade. No original, eu sentia a dor de cada cidadão doente porque eu havia construído a enfermaria que não conseguiu salvá-lo. Aqui, os habitantes são, na maior parte do tempo, formigas anônimas, uma estatística em um menu chamada “Força de Trabalho”. A morte de 200 pessoas por falta de aquecimento não é uma tragédia visual, mas um número vermelho em um relatório.

E isso, eu percebi, não é uma falha de design. É o argumento central do jogo sobre o poder. A escala desumaniza. Ao nos forçar a pensar em sistemas, em cadeias de suprimentos que se estendem por colônias distantes na tundra, em fluxos de recursos em vez de pratos de sopa, o jogo nos coloca na pele de um administrador para quem as pessoas são apenas mais um recurso a ser gerenciado. É a “tirania silenciosa da administração”, onde as decisões mais cruéis são tomadas não por maldade, mas por uma lógica fria e distanciada.

É por isso que as pequenas vinhetas narrativas que surgem de tempos em tempos são tão geniais. No meio de um cálculo sobre a produção de petróleo, uma janela surge: uma mulher pede permissão para terminar um livro que seu falecido marido começou. Uma escolha trivial, sem impacto mecânico real. Mas é um soco no estômago. É o jogo quebrando essa abstração confortável, me forçando a olhar nos olhos de uma das minhas “formigas” e a lembrar que cada número na minha planilha tem um nome, uma história, uma perda. Essa dissonância entre a visão macro e o impacto micro é o que torna a experiência de jogo de Frostpunk 2 tão perturbadora e inesquecível.

A Mesa de Negociação Congelada

O coração mecânico de Frostpunk 2 não bate no gerador, mas na Câmara do Conselho. É aqui que o verdadeiro jogo acontece. É um simulador político disfarçado de construtor de cidades, e é absolutamente brilhante.

Deixe-me dar um exemplo. Eu precisava aprovar uma lei simples de racionamento de alimentos para estocar para um inverno rigoroso que se aproximava. No primeiro jogo, isso seria um clique e uma queda na barra de “Esperança”. Aqui, foi uma semana de pesadelo político. Levei a lei ao Conselho, um belo salão onde os assentos dos representantes de cada facção se acendem durante a votação. Os Stalwarts, previsivelmente, apoiaram. Racionamento é eficiência. Mas os Pilgrims foram veementemente contra, vendo isso como uma usurpação da liberdade individual. O voto estava empatado, com vários grupos menores indecisos.

Para conseguir a maioria, eu tive que negociar. Abri um diálogo com os “Frostlanders”, uma comunidade que valoriza a autossuficiência. Eles concordariam em votar a favor da minha lei, mas com uma condição: eu teria que prometer que a próxima lei a ser votada seria a deles, uma que garantia mais autonomia para as expedições na tundra. Eu aceitei. A lei do racionamento passou. A cidade estava “salva”. Mas agora eu tinha uma dívida política. E a lei dos Frostlanders, eu sabia, irritaria profundamente os centralizadores Stalwarts. Eu não resolvi um problema; eu apenas o adiei e o transformei em outro.

Essa é a essência de Frostpunk 2. O jogo substitui as métricas de Esperança e Descontentamento por Confiança e Tensão. A Confiança é seu capital político, ganho ao cumprir promessas e perdido a cada decisão impopular. A Tensão é um frasco borbulhante no canto da tela que se enche com crime, miséria e agitação política. Se ferver, você é exilado. Fim de jogo.

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Até mesmo a árvore de pesquisa foi substituída por uma “Árvore de Ideias”, onde cada avanço tecnológico ou social é uma declaração ideológica. Pesquisar uma nova forma de extração de petróleo pode agradar os Machinistas, mas enfurecer os Foragers, que veem isso como uma maior dependência da tecnologia. Cada escolha mecânica é uma escolha política.

Até a expansão da cidade, através de um sistema chamado “frostbreaking” (quebrar o gelo), parece uma metáfora. É um trabalho lento e repetitivo, quebrando o solo congelado para abrir espaço para novos distritos. É o progresso, literal e figurativamente: um avanço árduo, bloco por bloco, contra uma natureza indiferente, apenas para criar mais espaço para os nossos conflitos internos florescerem.

Sinfonia para uma Metrópole Moribunda

Há uma beleza desoladora em Frostpunk 2, uma estética que eu só consigo descrever como “miséria gloriosa”. Usando o poder da Unreal Engine 5, o jogo cria um mundo que é ao mesmo tempo horrendo e de tirar o fôlego. A vastidão branca e infinita da tundra, varrida por nevascas detalhadas que parecem ter peso e fúria, contrasta com a intrincada e suja vida da cidade.

De longe, Nova Londres é uma maravilha steampunk. As luzes dos distritos residenciais brilham como brasas contra a neve, e as linhas de energia que conectam tudo pulsam com um brilho vermelho quando a tensão social aumenta, como as artérias de uma criatura doente. A arquitetura é uma mistura de funcionalismo vitoriano e engenharia brutalista, cada chaminé expelindo fumaça preta que mancha o céu imaculado. É um espetáculo visual.

Mas é o áudio que realmente vende a opressão. A trilha sonora orquestral é uma obra-prima de melancolia. As cordas longas e tristes, que lembram as composições mais sombrias de um filme de Christopher Nolan, acompanham seus momentos de contemplação, inchando para um crescendo dramático quando uma crise eclode ou uma votação tensa começa. O compositor, Piotr Musiał, disse que queria criar uma sensação de segurança misturada com uma desgraça iminente, e ele conseguiu perfeitamente.

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O design de som é a alma do jogo. O uivo constante do vento é um lembrete perpétuo do mundo lá fora. Mas o verdadeiro truque é como o som muda com a perspectiva. Com o zoom totalmente afastado, você ouve a sinfonia e o vento. É a visão do administrador, abstrata e grandiosa. Mas aproxime o zoom de um distrito industrial, e a música desaparece, substituída pelo som ensurdecedor de martelos batendo em metal, o barulho de máquinas de extração e os gritos dos capatazes. Aproxime de uma área residencial, e você ouvirá o murmúrio de conversas, o choro de crianças, a tosse de doentes.

Essa transição não é apenas um floreio técnico; é um mecanismo temático. O jogo usa o som para nos arrastar de nosso pedestal estratégico para a sujeira e o barulho da cidade que governamos. Aquela bela e trágica sinfonia que ouvimos de longe é composta pelo sofrimento e pelo trabalho de milhares de pessoas de perto. É um lembrete constante de que por trás de cada decisão, por trás de cada ícone em um menu, há um custo humano.

O Gelo Fino do PlayStation 5

Trazer uma fera tão complexa como Frostpunk 2 para o conforto do sofá e do controle do PlayStation 5 é uma tarefa monumental, e o resultado é como caminhar sobre um lago congelado: na maior parte do tempo, a superfície aguenta, mas há rachaduras alarmantes que ameaçam quebrar a imersão.

A 11 bit studios merece crédito pela adaptação da interface. Usando menus radiais acessados pelos botões de ombro, a navegação de alto nível é surpreendentemente elegante e intuitiva. Em poucos minutos, eu estava alternando entre a visão da cidade, a árvore de ideias e o mapa da tundra com facilidade. Para um gênero notoriamente hostil aos controles, é um feito louvável.

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O problema surge quando a precisão é necessária. Posicionar e desenhar os distritos hexagonais com o analógico pode ser uma experiência “desajeitada” e “imprecisa”. Mais de uma vez, lutei para selecionar o bloco exato que queria, sentindo uma frustração que um simples clique do mouse resolveria instantaneamente.

A maior decepção, no entanto, é a implementação do DualSense. O controle do PS5, com seu feedback háptico e gatilhos adaptáveis, é uma ferramenta com um potencial imenso para imersão. Imagine sentir a vibração sutil de um gerador sobrecarregado, a resistência no gatilho ao tentar aprovar uma lei impopular, ou o tremor de uma multidão em protesto. Frostpunk 2 não faz nada disso. O suporte oficial se resume a uma vibração genérica, uma oportunidade tão gigantesca quanto a tundra congelada, completamente desperdiçada.

Em termos de performance, o PS5 oferece as opções padrão: um modo Qualidade, que busca uma resolução maior a 30 quadros por segundo, e um modo Desempenho, que almeja 60 quadros. No início do jogo, ambos são sólidos. A cidade flui suavemente, e mesmo com nevascas e uma população crescente, a experiência é estável.

O gelo começa a rachar no final do jogo. Conforme minha cidade se tornava uma metrópole com dezenas de milhares de habitantes e várias colônias, o desempenho começou a degradar-se visivelmente. Quedas na taxa de quadros se tornaram comuns, e os salvamentos automáticos causavam congelamentos de vários segundos que quebravam completamente o ritmo. É um problema de otimização que parece afetar até os PCs mais potentes, mas no console, onde não há como ajustar as configurações gráficas, a frustração é palpável.

A Cidade Sobreviveu. E Nós?

Ao final da minha jornada de dezenas de horas, após exilar facções, trair promessas, consolidar poder e tomar decisões que me deixaram olhando para a tela em silêncio por longos minutos, uma verdade se tornou clara. Frostpunk 2 não é um jogo sobre construir uma cidade. É um jogo sobre o que se perde nesse processo.

Ele abandona a luta desesperada e íntima pela sobrevivência do original para abraçar algo muito mais complexo e, francamente, mais maduro: a luta pela alma de uma sociedade. Não é um jogo para ser “vencido” no sentido tradicional. É um calvário para ser suportado, uma simulação política tão cínica e perspicaz que vai assombrá-lo muito depois que os créditos rolarem. Cada escolha não leva a um cenário bom ou ruim, mas a um futuro com um tipo diferente de cicatriz.

A sequência é maior, mais ambiciosa e, em muitos aspectos, menos pessoal que seu predecessor. Mas essa distância não é uma fraqueza; é sua maior força. Ao nos elevar acima das ruas cobertas de neve e nos colocar na cadeira fria do poder, ele nos força a confrontar as verdades desconfortáveis da liderança e do compromisso.

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O primeiro Frostpunk terminava com uma pergunta que ecoava na mente do jogador: “Mas valeu a pena?”. Frostpunk 2 deixa essa questão para trás, pois a resposta é irrelevante. Em seu lugar, ele nos encara com um dilema muito mais profundo e aterrorizante. Olhamos para a metrópole que construímos, uma maravilha de engenharia e resiliência que se estende até onde a vista alcança, uma máquina que funciona, que pulsa, que sobreviveu. E então, a pergunta inevitável surge no silêncio opressor do nosso escritório. A cidade sobreviveu, sim. Mas e nós? Que parte da nossa humanidade foi o último recurso, não listado nos menus, que queimamos para manter o gerador funcionando? O silêncio que se segue a essa pergunta é a verdadeira e arrepiante vitória de Frostpunk 2.

NOTA

9.0
★★★★★★★★★★

CONSIDERAÇÕES

Frostpunk 2 não é só sobre sobreviver ao frio, mas ao peso da política e essa é sua maior e mais dolorosa vitória.

Gustavo Feltes
Gustavo Feltes
Eu amo jogar, jogar é uma parte de mim. Cada história, momento, universo e gameplay me encantam. Eu não tenho restrições de jogos, cada célula do meu corpo clama por isso.
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