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Review | Ready or Not (PS5)

Brutal, imersivo e inesquecível, mesmo que imperfeito.

A primeira coisa que Ready or Not me ensinou é que o silêncio tem peso. Não o silêncio pacífico de um mundo aberto, mas o silêncio denso e opressor de um corredor escuro onde, do outro lado de uma porta de madeira frágil, alguém com uma espingarda calibre 12 espera pelo meu menor erro. Este não é um jogo de tiro; é um simulador de ansiedade, uma máquina de gerar adrenalina a conta-gotas que me fez questionar cada instinto que anos de first-person shooters me deram. A VOID Interactive não trouxe para o PlayStation 5 uma fantasia de poder, mas sim o fardo esmagador da responsabilidade. Aqui, você não é um super-soldado, mas um profissional tentando desesperadamente não se tornar uma estatística.

Ready or Not

Esqueça a glória. Esqueça a trilha sonora épica e as explosões cinematográficas. Ready or Not troca tudo isso pela batida frenética do seu próprio coração e pelo som dos seus passos calculados em um chão coberto de cacos de vidro. É um herdeiro espiritual dos simuladores táticos de antigamente, um jogo que exige que você pense três vezes antes de agir uma, onde a ferramenta mais importante não é o seu fuzil, mas o seu headset e a sua capacidade de planejar. Ele te joga no esgoto moral de Los Sueños, uma cidade fictícia em colapso, e te dá uma única tarefa: impor a ordem ao caos. Mas o que ele realmente faz é te colocar diante de um espelho e perguntar se você está, de fato, pronto para o peso de cada bala disparada.

Retalhos de uma Cidade Partida

Não espere uma campanha cinematográfica com reviravoltas dramáticas e personagens carismáticos. A história de Ready or Not não é contada, ela é descoberta. É um mosaico sombrio montado com os cacos de uma sociedade em colapso, e você é o arqueólogo vasculhando as ruínas. A narrativa se esconde nos detalhes dos ambientes, na angústia de uma chamada para o 911 ouvida no briefing da missão, e nas cenas horríveis que você interrompe.

Cada missão é um conto de horror urbano. Você não está apenas invadindo um apartamento; está entrando na vida de um streamer que foi vítima de “swatting”, apenas para ser emboscado por atiradores escondidos no complexo. Você não está apenas desmantelando um laboratório de metanfetamina; está testemunhando a miséria e a sujeira que impregnam cada parede, cada móvel quebrado. A história de Los Sueños é a de uma cidade que apodreceu por dentro, e o jogo não hesita em esfregar essa podridão no seu rosto, abordando temas como tráfico humano, terrorismo islâmico, redes de pornografia infantil e violência de gangues com uma crueza desconfortável.

Ready or Not

É justamente por isso que a censura aplicada à versão de console se torna tão problemática. Não se trata de puritanismo, mas de vandalismo narrativo. A força de Ready or Not reside em sua capacidade de chocar e perturbar através do que ele te mostra. Quando a cena de uma criança convulsionando em uma cama, uma imagem que grita o horror do abuso de drogas em seu nível mais inocente, é alterada para uma criança simplesmente dormindo, a história daquele quarto é reescrita. O impacto visceral é removido, a urgência é diluída, e a denúncia perde sua potência. Em um jogo onde o ambiente é o único contador de histórias, suavizar suas arestas mais cortantes é como arrancar as páginas mais importantes de um livro. A versão de PS5 ainda é sombria, ainda é perturbadora, mas sinto que me foi entregue um diário escrito em sangue com algumas das palavras mais cruéis cuidadosamente apagadas.

A Dança Lenta da Morte Calculada

O ritmo de Ready or Not é o de um funeral. Cada passo é deliberado, cada esquina é uma ameaça em potencial. Esta dança lenta com a morte se manifesta de duas formas distintas, quase como dois jogos diferentes: a experiência solo e a sinfonia caótica do cooperativo.

Sozinho, o jogo se transforma em um thriller de terror psicológico. Como comandante, eu liderava uma equipe de quatro oficiais controlados por IA. O desafio aqui é duplo. De um lado, temos a IA inimiga, que é uma das mais dinâmicas e imprevisíveis que já enfrentei. Suspeitos se fingem de rendidos para sacar uma arma no último segundo, recuam por longas distâncias, se escondem debaixo de camas e punem qualquer hesitação com uma eficiência brutal. Do outro lado, temos a minha própria equipe. Eles são competentes, obedecem ordens e podem limpar uma sala com precisão militar. Mas, ocasionalmente, um deles fica preso em uma porta, hesita por um instante fatal ou lança uma granada de luz de forma desajeitada.

Ready or Not

Nesse abismo entre a perfeição reativa do inimigo e a falibilidade programada dos meus aliados, estou eu, lutando contra a interface de comando. A roda de ordens, portada do PC, pode ser complexa e desajeitada no calor do momento. Tentar ordenar que a equipe Azul arrombe uma porta enquanto a Vermelha cobre o corredor se torna um exercício de malabarismo com os botões que pode custar vidas. A experiência solo é, portanto, uma batalha constante não apenas contra os criminosos, mas contra as limitações da minha própria capacidade de comando sob pressão.

É no modo cooperativo, com até quatro outros jogadores, que o verdadeiro potencial do jogo floresce. Com uma equipe de amigos comunicando-se, Ready or Not se torna uma das experiências mais gratificantes e tensas disponíveis. Executar uma entrada sincronizada, com flashbangs coordenadas e cobertura de ângulos perfeita, proporciona uma adrenalina que nenhum outro jogo consegue replicar. No entanto, se aventurar em partidas públicas com desconhecidos é uma aposta arriscada. Muitas vezes, a abordagem tática é abandonada em favor de um frenesi de “correr e atirar” que trai completamente o espírito do jogo, resultando em fogo amigo e fracassos rápidos. Em ambos os modos, as Regras de Engajamento são soberanas, forçando uma constante avaliação moral: atirar para matar ou arriscar tudo para efetuar uma prisão? Essa camada de responsabilidade eleva cada confronto de um simples tiroteio a uma decisão de vida ou morte com consequências reais.

O Peso de Cada Escolha no Gatilho

A transição de um jogo tão complexo do teclado e mouse para um controle sempre gera apreensão. A VOID Interactive enfrentou esse desafio com uma solução que é, ao mesmo tempo, brilhante e um pouco comprometida. A curva de aprendizado é íngreme. Nas primeiras horas, eu me senti desajeitado, lutando para lembrar as seis maneiras diferentes de interagir com uma porta ou para navegar pela já mencionada roda de comandos.

No entanto, onde a estratégia de comando no controle perde em velocidade para o PC, a imersão tátil ganha de forma espetacular, e o mérito é quase todo do DualSense. O controle do PS5 não é apenas um periférico aqui; ele é uma extensão do seu corpo tático. Os gatilhos adaptáveis são usados de forma genial: uma leve pressão no L2 inclina a arma para uma mira rápida e periférica, enquanto uma pressão total te leva à mira precisa da luneta. Essa mecânica transforma a limpeza de salas em algo incrivelmente cinematográfico e instintivo.

Ready or Not

O feedback tátil é igualmente impressionante. Cada arma tem um “coice” distinto que vibra nas suas mãos, tornando o disparo de uma espingarda calibre 12 uma experiência visceralmente satisfatória. Sentir a resistência do gatilho antes de um disparo, a vibração de uma porta sendo arrombada ou o impacto surdo de uma bala no seu colete balístico cria uma camada de imersão que compensa em parte a complexidade da interface de comando. Os desenvolvedores entenderam que não podiam replicar perfeitamente a densidade de comandos do PC. Em vez disso, eles se concentraram em traduzir o sentimento de cada ação. O DualSense se torna a ponte entre a complexidade do simulador e a imersão do console, transformando o ato de atirar de um simples clique para um evento físico e pesado.

A Beleza Sombria do Caos

Ready or Not não vai te deslumbrar com gráficos fotorrealistas de última geração. Sua identidade visual é funcional, coesa e, acima de tudo, atmosférica. O verdadeiro destaque está no design dos ambientes. Cada mapa conta uma história de decadência. Desde os corredores claustrofóbicos de um conjunto habitacional imundo, com grafites e lixo espalhados por toda parte, até a opulência estéril da mansão de um traficante de pessoas, a iluminação opressiva e a atenção aos detalhes criam cenários que são palpavelmente tensos e deprimentes. Onde o jogo tropeça visualmente é nos modelos de personagens. Tanto civis quanto suspeitos têm uma aparência “borrachuda”, quase artificial, que quebra a imersão, especialmente quando vistos de perto. Parecem manequins desajeitados em um cenário horrivelmente real.

Mas se os visuais são o palco, o design de som é a estrela do espetáculo. O áudio de Ready or Not é, sem exagero, uma obra-prima do terror. É a principal ferramenta do jogo para gerar tensão e funciona como uma mecânica de gameplay por si só. Em ambientes escuros, onde a visão é limitada, seus ouvidos se tornam seus olhos. Você aprende a decifrar o som de passos em um piso de madeira acima, o clique sutil de uma armadilha sendo armada ou o estalo de um rádio da polícia que denuncia sua posição.

Ready or Not

Os desenvolvedores exploram essa dependência de forma sádica. O som é, ao mesmo tempo, sua maior fonte de informação e sua maior fonte de ansiedade. O eco de um tiro em um corredor longo te diz a direção da ameaça, mas também faz seu coração disparar. O choro abafado vindo de um quarto trancado é uma pista sobre a localização de um refém, mas também um lembrete angustiante da vulnerabilidade humana naquele inferno. O som de uma porta rangendo, o vidro quebrando ao longe, os gritos em pânico — tudo é projetado para manter seus nervos à flor da pele. Em Ready or Not, o silêncio nunca é reconfortante; é apenas o som de uma ameaça que você ainda não conseguiu ouvir.

Uma Adrenalina a 60 Quadros (Quase Sempre)

Para um jogo que exige precisão cirúrgica e reações de fração de segundo, o desempenho técnico não é um luxo, é uma necessidade. No PS5, Ready or Not oferece dois modos gráficos: um modo Qualidade, que roda a uma taxa de quadros tão baixa que é praticamente injogável, e um modo Desempenho, que mira nos 60 quadros por segundo e é a única maneira viável de experimentar o jogo.

Na maior parte do tempo, o modo Desempenho cumpre sua promessa. A jogabilidade é fluida e responsiva, permitindo a mira precisa e o movimento deliberado que o jogo exige. No entanto, a estabilidade não é absoluta. Em momentos de tiroteios intensos, com múltiplas partículas e efeitos na tela, ou em mapas particularmente grandes e complexos, o jogo sofre com quedas de quadros perceptíveis. Essas quedas, embora não sejam constantes, são incrivelmente frustrantes, pois parecem sempre acontecer no pior momento possível.

Essa inconsistência transforma o desempenho em mais uma ameaça imprevisível no ambiente já hostil de Los Sueños. Assim como você precisa se preocupar com um suspeito escondido em um armário ou uma armadilha atrás de uma porta, você também precisa lidar com a possibilidade de que o jogo possa engasgar no exato instante em que você precisa de mais precisão. A fragilidade técnica do port se torna, involuntariamente, parte do desafio. Além disso, a experiência é pontuada por bugs e falhas ocasionais: suspeitos que atravessam paredes, animações quebradas e, o mais comum, a IA da sua própria equipe ficando irremediavelmente presa em um batente de porta, forçando um reinício da missão. São pequenas rachaduras em uma fundação que, embora geralmente sólida, mostra sinais de estresse.

O Espelho que Ninguém Quer Olhar

Ao final da minha jornada pelas ruas ensanguentadas de Los Sueños, não consigo dizer que “me diverti”. Essa palavra parece trivial, quase um insulto à experiência densa e angustiante que Ready or Not proporciona. O que eu sinto é um profundo respeito. Respeito por um jogo que ousa ser difícil, que exige inteligência em vez de reflexos, e que se recusa a fazer concessões para agradar a um público mais amplo. É uma obra intransigente, brutal e absolutamente essencial no panorama atual dos consoles.

É, no entanto, uma obra-prima imperfeita. Um simulador tático brilhante envolto em um port para console que é competente, mas não impecável. A imersão criada pelo design de som magistral e pelo uso sublime do controle DualSense é algo que todo dono de um PS5 deveria experimentar. Contudo, essa mesma imersão pode ser quebrada por uma queda de frames inoportuna, um bug na IA ou uma interface de comando desajeitada. É um jogo que atinge picos de genialidade quando jogado com uma equipe coordenada, mas que também oferece uma experiência solo singularmente tensa e recompensadora.

No fim, Ready or Not é um espelho. Ele reflete a face mais feia de um mundo que preferimos ignorar, com sua violência, sua crueldade e seu desespero. E, de forma mais desconfortável, ele reflete o jogador. Reflete sua capacidade de paciência, de liderança, de precisão. Mas também reflete seu pânico, seus erros de julgamento, sua hesitação fatal. O jogo não te parabeniza com fanfarras; ele te avalia com uma nota fria e te pergunta, silenciosamente, se você poderia ter feito melhor. Se poderia ter salvado mais um. Ready or Not não é um jogo que você termina e esquece. É uma experiência que te marca, que fica com você muito depois de desligar o console. E sua pergunta final não é se você está pronto para a próxima missão, mas se está pronto para encarar o que ele te mostra sobre o mundo, e sobre você mesmo.

NOTA

8.5
★★★★★★★★★★

CONSIDERAÇÕES

Ready or Not no PS5 é um retrato cru da tensão e do realismo em sua forma mais pura. Um jogo que não busca entreter, mas confrontarm, com falhas técnicas pontuais, mas uma atmosfera e profundidade que o colocam entre os títulos mais intensos e únicos do gênero.

Gustavo Feltes
Gustavo Feltes
Eu amo jogar, jogar é uma parte de mim. Cada história, momento, universo e gameplay me encantam. Eu não tenho restrições de jogos, cada célula do meu corpo clama por isso.
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