Existe uma fome específica que certos jogos despertam, uma saudade de um desafio que valoriza o planejamento acima dos reflexos. Por anos, essa fome teve um nome: Advance Wars. E por anos, ela não foi saciada. Então, como um herdeiro surgindo para reclamar um trono, veio Wargroove, um sucessor espiritual que entendia a alma do que havíamos perdido. Agora, esse herdeiro chega ao campo de batalha mais imprevisível de todos: a tela do meu celular.
A versão para Android, Wargroove 2: Pocket Edition, é a experiência completa, não se engane. A questão que me perseguiu durante dezenas de horas não foi se Wargroove é um jogo de estratégia brilhante, isso é um fato. A verdadeira questão é se essa genialidade sobrevive à tradução para o ecossistema caótico do Android, se ela ressoa através da interface de toque, especialmente na tela de um modesto Moto G 24. Este é o relato dessa jornada, a análise de um jogo magnífico lutando para se provar em um reino que talvez não tenha sido feito para ele.
Uma Canção de Pixels e Aço
A narrativa de Wargroove começa com um clichê familiar: a jovem princesa Mercia, do Reino de Cherrystone, é forçada a se tornar rainha e fugir após o assassinato de seu pai por uma legião de mortos-vivos. Ela então parte em uma jornada para forjar alianças e reconquistar seu lar. O que salva essa trama da mediocridade é seu elenco carismático. Mercia é uma líder em formação, corajosa e cativante. Ao seu lado estão o sábio conselheiro Emeric e a verdadeira estrela: Caesar, um majestoso cão comandante cuja presença no campo de batalha é um deleite.

A escrita é consistentemente espirituosa e charmosa, o que é crucial. As batalhas em Wargroove podem ser longas e punitivas; uma única missão pode durar mais de uma hora, e um erro pode custar tudo. Se a história fosse igualmente sombria, a frustração seria insuportável. O humor age como um bálsamo, dando-nos um motivo para sorrir após uma derrota e a força para tentar novamente. Wargroove 2 expande o universo com três campanhas interligadas, mas essa ambição torna a narrativa um pouco mais fragmentada que a jornada focada do primeiro jogo. No fim, a história não é apenas um pano de fundo; é o combustível emocional que nos mantém marchando.
A Dança das Lanças
O gameplay de Wargroove é um ritual de paciência e premeditação. Os primeiros turnos são uma corrida silenciosa para capturar aldeias, estabelecendo sua economia de guerra. A batalha futura é vencida ou perdida aqui, antes que a primeira lança seja arremessada. Quando os exércitos se encontram, o jogo se transforma em um quebra-cabeça mortal. Onde posicionar seus lanceiros? Vale a pena sacrificar uma unidade para atrair o comandante inimigo para uma armadilha? A vitória raramente vem de um único golpe, mas de uma pressão constante, de uma guerra de atrito onde a superioridade econômica e o posicionamento inteligente desgastam o oponente.

Essa lentidão é uma faca de dois gumes no celular. Uma batalha pode facilmente se estender por uma hora, uma proposta assustadora para um jogo “de bolso”. Wargroove exige sua atenção. Felizmente, o jogo é acessível, com barras de dificuldade ajustáveis que permitem a novatos aprenderem as complexas interações entre as unidades sem serem esmagados. Mas não se engane: no seu cerne, este é um desafio profundo. A genialidade do design está em como ele prioriza a estratégia macro – gestão de economia e produção, sobre a tática micro. Você é forçado a pensar como um general, onde a logística é tão vital quanto a coragem. Para quem quer mais, o jogo oferece um tesouro de conteúdo: modos Arcade, Puzzle e o modo Conquista, uma campanha roguelike que testa sua habilidade de adaptação. É um pacote imenso, prometendo centenas de horas de jogo.
A Aritmética da Guerra
As mecânicas de Wargroove são um esqueleto preciso, e sua espinha dorsal é a presença do Comandante no campo de batalha. Diferente de Advance Wars, aqui eles são sua unidade mais poderosa, mas também sua maior fraqueza: se o comandante cair, a partida acaba. Isso cria uma dinâmica de risco e recompensa de tirar o fôlego. Usá-lo agressivamente para carregar sua habilidade especial, o “Groove”, é tentador, mas cada avanço o expõe ao perigo. O Groove é um poder que pode virar o jogo, como a cura em área de Mercia ou a habilidade de Caesar de inspirar unidades a agirem uma segunda vez. Wargroove 2 aprofunda isso com um segundo nível para cada Groove, exigindo que você decida entre usar uma versão mais fraca agora ou arriscar para carregar uma versão devastadora.
A inovação mais brilhante, no entanto, é o sistema de acertos críticos. A sorte foi removida da equação. Cada unidade tem uma condição específica e controlável para desferir um golpe crítico: lanceiros se estiverem lado a lado, arqueiros se não se moverem antes de atirar. Isso transforma o que era um capricho do destino em uma ferramenta tática que recompensa o planejamento. Cada ação em Wargroove é uma troca. Para curar uma unidade, você gasta ouro e drena a vida de uma estrutura aliada, tornando-a vulnerável. Não existem movimentos fáceis, apenas uma série constante de decisões difíceis que tornam cada vitória incrivelmente gratificante.
Sinfonia para um Massacre
A arte de Wargroove não é simplesmente “retro”; ela eleva a pixel art a uma forma de arte de alta fidelidade. Cada sprite é imbuído de personalidade, e os mapas são vibrantes e cheios de vida, com pequenos detalhes que os tornam críveis. A animação é onde essa arte realmente canta, com sequências de combate dinâmicas e retratos de personagens expressivos que transmitem mais emoção do que muitos modelos 3D.

A trilha sonora é épica e perfeitamente sintonizada com a ação, com temas que refletem a cultura de cada facção. O design de som complementa tudo com o choque satisfatório do aço e o assobio das flechas. Existe uma dissonância maravilhosa aqui: a estética é brilhante e quase fofa, mas as mecânicas são as de uma máquina de guerra fria e calculista. Essa justaposição é a chave para o apelo do jogo, tornando a estratégia profunda muito mais acessível.
A Batalha no Bolso
Aqui, a teoria colide com a realidade do hardware: meu Motorola Moto G 24, um aparelho de entrada. O maior obstáculo são os controles de toque. A promessa de “controles intuitivos” se mostrou falsa. Mover o mapa requer o uso bizarro de dois dedos para arrastar. Selecionar unidades pequenas é impreciso. E o problema do zoom é gritante: ou você vê o mapa tão de longe que os sprites são manchas, ou tão de perto que perde toda a noção do campo de batalha. Não há meio-termo.
Essa falta de polimento na interface cria um atrito constante. A experiência melhora drasticamente com um controle Bluetooth, que o jogo suporta bem, mas isso questiona o sucesso do port como uma experiência verdadeiramente móvel. Em termos de desempenho bruto, o Moto G 24 se saiu bem. O jogo não é exigente, e a taxa de quadros permaneceu estável na maior parte do tempo. No entanto, ele devora a bateria e aquece o aparelho consideravelmente. O port não é um desastre técnico, mas sofre de uma crise de identidade. É um jogo de console transplantado para o celular sem a cirurgia reconstrutiva necessária em sua interface para que ele se sinta em casa.
O Peso do Legado
Ao final, minha opinião sobre Wargroove no Android é complexa. De um lado, temos uma obra-prima do design de jogos de estratégia. É inteligente, charmoso, profundo e imensamente gratificante, a carta de amor que o gênero Advance Wars merecia. Do outro, temos um port para Android que é um receptáculo falho para essa genialidade, comprometido por uma interface desajeitada que parece não entender os fundamentos do design para telas de toque.
Então, ele sobrevive à jornada para o celular? Se você é um fã dedicado do gênero, disposto a lutar contra os controles ou usar um gamepad, a recompensa vale o esforço. Mas se você busca uma experiência móvel polida e intuitiva, a fricção imposta pelo port pode ser grande demais. Wargroove é tão bom que quase transcende as falhas de sua carcaça móvel. Jogá-lo no Android é como admirar uma pintura de um mestre através de uma janela embaçada; a imagem por trás do vidro é deslumbrante, mas você nunca consegue esquecer completamente as manchas que atrapalham a sua visão.
NOTA
CONSIDERAÇÕES
Wargroove 2: Pocket Edition é uma obra-prima de estratégia, um sucessor espiritual quase perfeito para Advance Wars, embalado com uma quantidade imensa de conteúdo, charme e profundidade tática. No entanto, sua genialidade é contida por uma portabilidade para Android que deixa a desejar, com controles de toque desajeitados e uma interface que cria uma barreira desnecessária entre o jogador e a diversão. Para os fãs hardcore do gênero, dispostos a usar um controle ou a lutar contra a interface, é uma compra obrigatória. Para o jogador casual, a frustração dos controles pode ofuscar o brilho de um jogo que, em sua essência, é excepcional.
