Existe um anseio quase primitivo no homem moderno, uma coceira na alma que nenhuma tela de celular consegue coçar. É o desejo de sentir a terra sob as unhas, de conhecer o nome das coisas que brotam do chão sem pedir licença. Out and About não é apenas um jogo; é a materialização desse anseio. Ele se apresenta como um antídoto para a “vida de zumbi de concreto”, um simulador de vida aconchegante que promete nos ensinar a coletar plantas selvagens e a viver em harmonia com a natureza. Uma promessa nobre, quase poética, que o diferencia de seus pares: aqui, o conhecimento não é apenas um bônus, é o prato principal. Você não está colhendo “frutas vermelhas genéricas”; está aprendendo a distinguir o alho-poró-bravo de seu sósia venenoso.
No entanto, é nesse ponto que a poesia encontra a prosa dura da realidade. Out and About é um jogo com a alma de um professor paciente e o corpo de um aluno desengonçado. Ele habita um espaço desconfortável entre a genialidade e a frustração, um paradoxo que divide opiniões de forma visceral. Para alguns, é uma “experiência 10 de 10 em aconchego”, um refúgio digital onde o tempo é um conceito maleável. Para outros, e me incluo nesse grupo com alguma frequência, é um exercício de paciência que beira a penitência, um “trabalho penoso” que confunde tédio com tranquilidade. E assim, a pergunta que paira sobre cada caminhada lenta por seus campos verdejantes é inevitável: a nobreza de sua missão educacional é suficiente para perdoar os pecados de sua execução como videogame?
Sementes de uma Comunidade
A premissa narrativa de Out and About é um cobertor quente e familiar no gênero “cozy”. Você retorna a Portobello, a cidadezinha litorânea de sua avó, que foi recentemente devastada por uma tempestade. Árvores caídas bloqueiam caminhos, a comunidade está abalada e cabe a você, com seu conhecimento botânico, ajudar a reerguer o lugar. É um esqueleto narrativo funcional, projetado para dar um propósito claro às suas andanças: coletar, cozinhar e curar. A promessa é a de forjar “amizades profundas” com os residentes e se tornar parte de uma comunidade que luta pela sustentabilidade.

Acontece que essa comunidade parece ter tirado férias. Os habitantes de Portobello, com raras exceções, são menos personagens e mais murais de avisos ambulantes. Eles existem em um estado de animação suspensa, esperando que você se aproxime para entregar uma lista de compras disfarçada de diálogo. A promessa de profundidade emocional se desfaz na prática, confirmando a sensação de que os NPCs são “planos” e “sem vida”. Eles não têm arcos, não têm personalidades complexas; têm problemas que, convenientemente, podem ser resolvidos com um chá de urtiga ou um pão de sementes.
Isso não me parece um lapso de escrita, mas uma escolha de design deliberada e um tanto fria. A história e seus personagens são sistemas secundários, construídos para servir à engrenagem principal: a educação. O pedido de um morador por algo que “mate a sede” não é um vislumbre de sua vida interior, é um tutorial que o direciona a aprender sobre as propriedades de uma planta específica. A narrativa de reconstrução comunitária também soa oca quando a mecânica a contradiz. O jogo fala em união, mas a progressão é um esforço solitário e capitalista. Você não organiza mutirões; você junta, sozinho, os 2000 trocados necessários para financiar o próximo projeto de limpeza. A história é a isca, mas a lição de botânica é o anzol.
O Ciclo Interminável das Estações
A rotina em Portobello se estabelece com uma rapidez quase alarmante. O dia começa, você consulta os pedidos dos moradores, aventura-se pela natureza para coletar os ingredientes necessários, retorna para uma mesa de triagem para identificar seu espólio e, finalmente, cozinha. O ciclo se repete. A grande culminação de seus esforços é o dia de mercado, um evento que ocorre apenas a cada três dias e serve como sua principal fonte de renda. No papel, soa como um loop meditativo, uma cadência relaxante. Na prática, essa meditação rapidamente azeda e se transforma em monotonia.

O jogo parece ter um medo patológico de que você progrida rápido demais. Essa é uma ansiedade comum em estúdios de estreia que lançam um jogo em Acesso Antecipado com conteúdo limitado, como a Yaldi Games fez aqui, oferecendo apenas a primavera das quatro estações planejadas. A solução encontrada, no entanto, é brutal. A economia é deliberadamente estrangulada. Sua barraca no mercado só pode vender 15 itens por vez, um limite artificial que torna a acumulação de dinheiro um processo glacial. Desbloquear novas áreas custa uma fortuna, forçando você a repetir o mesmo ciclo por dias a fio, num estado que um crítico descreveu perfeitamente como “purgatório”. O que deveria ser um passatempo aconchegante vira um segundo emprego mal remunerado.
E então, há o pecado capital de Out and About: a locomoção. O mapa é vasto, uma qualidade que deveria ser um trunfo. Mas o jogo nega a você as ferramentas mais básicas para navegá-lo. Não há botão de corrida. E o sistema de viagem rápida, uma convenção sagrada em jogos de mundo aberto, foi desativado devido a bugs. O resultado é uma experiência de travessia que só pode ser descrita como agonizante. Caminhar de um lado ao outro do mapa para entregar uma geleia se torna uma jornada épica, uma peregrinação a “passos de caracol” que suga a alegria da exploração e transforma cada tarefa em um teste de resistência.
A Anatomia de uma Folha
Se o gameplay geral é a cruz que o jogador deve carregar, a mecânica de coleta é a redenção. Aqui, e apenas aqui, Out and About não é apenas bom; é brilhante. O ato de identificar plantas é um quebra-cabeça genuinamente envolvente. Você se agacha em frente a um tufo de vegetação, saca seus cartões de identificação e começa o trabalho de detetive: o caule é quadrado ou redondo? As folhas são opostas ou alternadas? A flor tem cinco pétalas ou quatro? É um processo que exige atenção e recompensa o aprendizado, especialmente quando você precisa diferenciar uma planta comestível de seu “sósia incrivelmente venenoso”. É, sem exagero, um novo padrão de como a coleta pode ser implementada em um jogo.
O sistema é sustentado por detalhes elegantes. Ao colher, uma pequena barra de “felicidade da planta” ensina sobre colheita sustentável; se você arranca folhas demais, a planta fica “infeliz” e sua regeneração é prejudicada, um espelho do mundo real. O design de som reforça isso com um toque genial: a coleta cuidadosa é acompanhada por sinos suaves, mas a colheita excessiva gera um som discordante, um puxão de orelha auditivo. A mesa de triagem, que o força a reidentificar tudo o que você pegou sem a ajuda dos cartões, é o teste final que solidifica o conhecimento.

É uma pena que essa paixão e profundidade desapareçam em todas as outras mecânicas. O que deveria ser o clímax de seus esforços, a culinária, é reduzido a uma passividade frustrante. Você escolhe uma receita e assiste a uma cena não interativa. Os projetos de restauração da cidade, da mesma forma, acontecem fora da tela, sem qualquer participação sua. Essa disparidade mecânica expõe a crise de identidade do jogo. Ele não é um simulador de vida equilibrado como seus pares; é um jogo com um design em “formato de T”, com uma profundidade imensa em uma única vertical (a coleta) e uma superficialidade desconcertante em todo o resto. Quem vem em busca de um simulador de botânica sairá encantado. Quem espera um simulador de vida completo, sairá com fome.
Uma Aquarela em Movimento
Onde as mecânicas tropeçam, a estética de Out and About desliza com uma graça inquestionável. Visualmente, o jogo é um deleite. O estilo artístico encontra um equilíbrio perfeito entre um charme “cartunesco” e um mundo natural que se sente “deslumbrante” e vivo. A verdadeira obra de arte, no entanto, está na flora. Cada uma das mais de 50 plantas disponíveis nesta versão foi recriada com um cuidado meticuloso e pesquisado, tornando-as não apenas bonitas, mas instantaneamente reconhecíveis para quem tem algum conhecimento do assunto. Explorar os biomas do jogo, das florestas densas às praias costeiras, é como caminhar por uma ilustração botânica interativa.

O design de áudio é o parceiro perfeito para essa estética vitoriosa. A paisagem sonora é “relaxante e bonita”, dominada pelos sons da natureza e pelos “suaves sons de sino” que marcam uma coleta bem-sucedida. A ausência total de cronômetros ou músicas estressantes é uma decisão consciente e acertada, que permite que o jogador dite o ritmo e mergulhe na atmosfera tranquila. A arte e o som trabalham em perfeita harmonia para criar exatamente o refúgio pacífico que o jogo promete em sua embalagem. Eles são a expressão mais pura da visão dos desenvolvedores, imaculada pelas frustrações que afligem o resto da experiência.
A Floresta Sem Quedas de Frames
Vamos tirar o óbvio do caminho. Na minha máquina de testes, equipada com um Ryzen 7 5700x, uma RTX 4060 e 32 GB de RAM, uma configuração que ultrapassa com folga os requisitos recomendados do jogo, o desempenho gráfico é, como esperado, impecável. A taxa de quadros é sólida como uma rocha, sem uma única queda ou engasgo, mesmo nas áreas mais densamente povoadas por vegetação. Do ponto de vista da renderização técnica, o jogo é leve e bem otimizado. Ele roda de forma absolutamente fluida.
O Gosto Amargo da Boa Intenção
Out and About é um paradoxo ambulante. É um jogo nascido de uma paixão genuína e de uma ambição educacional que eu admiro profundamente. É uma ferramenta fantástica para aprender uma habilidade do mundo real, um portal para ver a natureza ao nosso redor com outros olhos. Ao mesmo tempo, é uma experiência de jogo acorrentada por um ciclo de repetição tedioso, por sistemas subdesenvolvidos e por decisões de design que parecem punir o jogador em nome de um ritmo “relaxante”. É um mundo lindo de se ver, mas muitas vezes frustrante de se habitar.
No fim, a experiência de jogar Out and About se assemelha a visitar um magnífico jardim botânico onde as estufas mais raras e belas só abrem por dez minutos a cada três horas, e o mapa que lhe deram na entrada está incompleto. A beleza do que está lá é inegável, mas o esforço e a paciência exigidos para apreciá-la em sua totalidade podem ser exaustivos. O jogo não oferece uma resposta fácil. Ele nos força a encarar uma questão fundamental sobre o que buscamos em nossas fugas digitais: queremos o prazer sem atritos de uma máquina bem lubrificada ou a busca bagunçada, por vezes irritante, mas potencialmente enriquecedora, por um conhecimento real? Out and About é uma obra bela, falha e profundamente sincera que não nos deixa ter os dois. Ele nos oferece o mundo em uma folha de dente-de-leão, mas, em troca, exige uma colheita inteira da nossa paciência.
NOTA
CONSIDERAÇÕES
Out and About oferece um sistema de coleta brilhante e genuinamente educativo, preso dentro de um jogo frustrantemente tedioso. Sua nobre ambição é inegável, mas como experiência geral, exige muito mais paciência do que recompensa atualmente.
