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Review | Hell Dive (PC)

Crônica de um Naufrágio Anunciado

Existe um fascínio particular no horror que se esconde no abismo. Enquanto o pavor cósmico do espaço nos apequena diante da vastidão infinita, o terror das profundezas oceânicas é íntimo, uma força esmagadora que nos comprime por todos os lados. É uma promessa de claustrofobia e loucura, um convite para o tipo de escuridão que não apenas nos rodeia, mas que também mora dentro de nós. Foi com essa expectativa, confesso, que me preparei para submergir em Hell Dive, a obra de estreia do estúdio dinamarquês Teacup Games. A premissa é um prato cheio para qualquer apreciador do gênero: um operador solitário, a bordo de um submarino, enviado para reativar uma colônia abandonada nas profundezas geladas do Ártico. É a receita clássica para o desastre, um banquete de isolamento e segredos sombrios.

Minha missão, ao aceitar esta tarefa, era clara: descer a este abismo digital e descobrir se a Teacup Games havia, de fato, engarrafado o terror da pressão oceânica ou se eu encontraria apenas uma poça rasa de ideias não realizadas. O que descobri foi algo muito mais complexo. Hell Dive não é apenas um jogo; é o retrato de uma ambição colossal lutando contra as correntes de uma realidade limitada.

Ecos no Abismo

A bordo do meu submarino, eu sou Daniel, um Operador Marítimo cuja única companhia é a voz sintética e onipresente de VIRGIL, uma IA encarregada de me guiar na reativação da COLÔNIA 1265. A narrativa se desenrola através de fragmentos, ecos do passado que emergem à medida que restauro a energia das instalações submersas. A princípio, parece ser o enredo padrão de “base abandonada”: algo deu terrivelmente errado, e meu trabalho é descobrir o quê, enquanto evito o que quer que esteja espreitando nas sombras. Contudo, Hell Dive rapidamente sinaliza que suas ambições são mais profundas e sombrias. O jogo não se contenta com monstros marinhos; ele mergulha em águas muito mais turvas, alertando para temas de violência, assassinato e, de forma crucial, abuso de álcool e violência doméstica.

Hell Dive

É aqui que a verdadeira natureza do jogo se revela. O horror de Hell Dive não está nas criaturas que me caçam pelos corredores inundados, mas nos demônios que assombram o próprio Daniel. A colônia em ruínas, uma estrutura quebrada e abandonada no fundo do oceano, é um espelho da vida pessoal do protagonista. Em um dos momentos mais crus do jogo, uma voz fantasmagórica, Beatrice, a esposa de Daniel, o confronta diretamente sobre “sua violência”. A missão de “reviver” a colônia deixa de ser um objetivo profissional e se transforma em uma projeção psicológica, uma tentativa desesperada de consertar um passado estilhaçado. O jogo tenta tecer um drama de trauma pessoal em uma tapeçaria de horror de sobrevivência, uma fusão que, em teoria, poderia ser devastadoramente eficaz.

Na prática, porém, a execução tropeça em seu próprio peso. A história, por mais potente que seja sua premissa, parece apressada, um rascunho de algo que poderia ter sido grandioso. Com uma duração que mal chega a duas horas, não há tempo para que essa complexa teia psicológica se desenvolva. Os temas de abuso e trauma, que exigem nuance e espaço para respirar, são apresentados de forma abrupta e resolvidos de maneira insatisfatória, culminando em um final que parece mais um encolher de ombros do que um soco no estômago. É uma tragédia narrativa: ao ousar tocar em feridas tão profundas, o jogo tinha a obrigação de tratá-las com o cuidado que mereciam, mas a curta duração e a narrativa fragmentada acabam por trivializar o impacto, deixando um gosto amargo de potencial desperdiçado.

A Valsa da Claustrofobia

A experiência de jogar Hell Dive é dividida em dois atos distintos: a agonia de pilotar o submarino entre as instalações e a tensão de explorar essas mesmas instalações a pé. A navegação submarina é, sem dúvida, o maior obstáculo do jogo. Inspirada em simuladores punitivos, a pilotagem é uma provação de comandos imprecisos e física implacável. A curva de aprendizado é íngreme, e a penalidade por um simples erro, uma colisão com uma parede de rocha ou uma estrutura metálica, é severa, causando danos que podem facilmente encerrar a missão. A pergunta que me fiz repetidamente foi: essa frustração é intencional? É uma ferramenta para gerar tensão, para me fazer sentir o peso e o perigo de operar uma máquina a milhares de metros abaixo da superfície? Ou é simplesmente um design desajeitado?

Hell Dive

A resposta, acredito, está na crise de identidade mecânica do jogo. Hell Dive se apresenta com a roupagem de um survival horror, com menções a coleta de recursos e a necessidade de evitar a morte por afogamento, fogo ou ataques de monstros. No entanto, na prática, esses elementos de sobrevivência são superficiais. A gestão de recursos é quase inexistente, e a ameaça real raramente vem da escassez. O jogo, em sua essência, é um “walking simulator” de horror, uma experiência focada na narrativa e na atmosfera. E é por isso que as mecânicas punitivas do submarino parecem tão deslocadas. Elas introduzem um nível de desafio e atrito que não complementa a experiência principal; pelo contrário, a obstrui. Em vez de aumentar a imersão, a luta constante contra os controles quebra o ritmo e me tira da história, transformando momentos que deveriam ser de pavor em pura irritação.

Uma vez fora do submarino, a exploração a pé é mais tradicional, mas não menos problemática. Navegar pelos sete complexos da COLÔNIA 1265 é uma experiência atmosférica, mas a falta de polimento técnico se torna dolorosamente óbvia. Encontrei monstros patrulhando de forma errática, ficando presos na geometria do cenário ou simplesmente encarando uma parede como se estivessem ponderando sobre suas más escolhas de vida. Esses glitches, embora pequenos, são como rachaduras no vidro de um batiscafo; eles quebram a ilusão, lembrando-me constantemente de que estou em um jogo, e não em um pesadelo subaquático. A imersão, que o jogo trabalha tão arduamente para construir, é frágil e se desfaz com muita facilidade.

A Estética da Opressão

Se há uma área em que Hell Dive quase acerta em cheio, é na criação de sua atmosfera. O jogo é mestre em evocar uma sensação de isolamento opressor. A escuridão não é apenas ausência de luz; é uma presença física, espessa e ameaçadora, quebrada apenas pelo feixe solitário da sua lanterna ou pelas luzes moribundas das instalações. O design dos ambientes, com seus corredores metálicos rangendo sob a pressão e seus espaços abertos no leito do oceano, consegue transmitir a escala e a hostilidade do mundo. Há um sentimento genuíno de estar perdido e vulnerável em um lugar onde o ser humano não deveria estar. Até mesmo as críticas mais duras admitem que a atmosfera do jogo é seu ponto mais forte.

Hell Dive

No entanto, essa excelência no macro se desfaz quando olhamos para os detalhes. O senso de pavor é tão profundo quanto a Fossa das Marianas, mas a textura de uma antepara parece ter sido aplicada com vaselina. A iluminação, embora muitas vezes eficaz em criar sombras assustadoras, carece de refinamento, e os modelos dos monstros, quando finalmente os vemos claramente, são decepcionantemente genéricos e mal polidos. Eles perdem todo o seu poder de aterrorizar no momento em que saem da escuridão, parecendo mais adereços de uma casa mal-assombrada de baixo orçamento do que abominações das profundezas.

O design de áudio segue a mesma linha de oportunidade perdida. A trilha sonora e os efeitos sonoros são descritos como “funcionais”, o que, em um jogo de terror, é quase um insulto. O som deveria ser a principal ferramenta para manipular as emoções do jogador, para criar tensão a partir do silêncio, para fazer cada estalo de metal ou borbulhar distante parecer uma ameaça mortal. Em Hell Dive, o áudio é meramente um pano de fundo. E então temos VIRGIL, a IA companheira. A intenção era, presumivelmente, que sua voz fosse uma âncora de sanidade na solidão, mas a dublagem robótica e a entonação irritante a transformam em uma fonte constante de aborrecimento. Em um jogo que depende tanto do isolamento, ter um companheiro que você deseja silenciar a todo custo é um erro de cálculo fundamental que mina ativamente a atmosfera que o resto do jogo se esforça tanto para construir.

A Máquina Sob Pressão

Vamos direto ao ponto técnico. A configuração em que joguei, um Ryzen 7 5700X, uma RTX 4060 e 32 GB de RAM, é um exagero cômico para os requisitos de sistema de Hell Dive. O jogo pede, em suas especificações recomendadas, um hardware que hoje seria considerado uma peça de museu. Portanto, a questão aqui nunca foi sobre a taxa de quadros. Obviamente, o jogo rodou de forma fluida, sem quedas de performance que pudessem ser atribuídas ao meu PC.

Hell Dive

O verdadeiro teste, em um cenário como este, não é de velocidade, mas de estabilidade. O título desta seção é, portanto, irônico: a pressão não estava sobre a minha máquina, mas sobre a integridade do software. Com tanto poder de processamento de sobra, minha tarefa se tornou uma caça aos bugs, uma auditoria do polimento técnico do jogo. Eu queria ver se o motor Unity, sob o qual o jogo foi construído, se comportaria sob estresse. Altas taxas de quadros causariam problemas de física? O carregamento rápido dos ambientes quebraria os scripts dos eventos? Meu objetivo era verificar na prática as queixas sobre “glitches irritantes” e a sensação geral de que o jogo está em “acesso antecipado”.

Minha experiência confirmou essas preocupações. Embora eu não tenha encontrado nenhum bug que impedisse o progresso, a jornada foi marcada por uma série de pequenas, mas persistentes, falhas. Inimigos que atravessavam paredes, objetos com os quais não era possível interagir corretamente, e a já mencionada IA que parecia ter um desejo de morte por colisão com a arquitetura. Nada disso quebrou o jogo, mas cada pequeno problema foi mais uma picareta na parede da imersão. A conclusão é que Hell Dive roda bem em termos de performance bruta, mas carece do polimento e do controle de qualidade que se espera de um lançamento completo. Ele funciona, mas parece estar unido por fita adesiva digital, sempre a um passo de se desfazer.

Vale a Pena Afundar?

Ao emergir das profundezas de Hell Dive, a sensação que fica é a de uma melancolia profunda, não pelo horror que vivenciei, mas pelo jogo que ele poderia ter sido. É uma obra de genuína ambição narrativa e brilho atmosférico, tragicamente aleijada por uma história apressada, mecânicas frustrantes e uma flagrante falta de polimento técnico. É um estudo de caso sobre o potencial, e sobre como a falha em realizá-lo pode ser mais assustadora do que qualquer monstro.

Então, vale a pena afundar neste oceano de problemas? Para o jogador médio, que busca uma experiência de terror polida e satisfatória, a resposta é um sonoro “não”. A frustração causada pelos controles e a decepção com a narrativa superficial provavelmente superarão os momentos de brilhantismo atmosférico.

Contudo, existe um nicho para o qual Hell Dive pode ser uma curiosidade fascinante. Para o aficionado por terror, o conhecedor de jogos indie atmosféricos, o arqueólogo digital disposto a cavar através de camadas de imperfeições em busca de um núcleo único e perturbador, o jogo oferece algo intrigante. É um fracasso interessante, uma joia falha que brilha em alguns ângulos e está completamente opaca em outros.

Jogar Hell Dive é como encontrar o diário encharcado de um tripulante em um navio naufragado. As páginas estão rasgadas, a tinta está borrada, e grande parte da história está perdida ou ilegível. A tentativa de decifrá-lo é um exercício de frustração. Mas os fragmentos que você consegue entender contam uma história assombrosa e inesquecível. A experiência é incompleta, irritante e falha, mas a impressão fantasmagórica que ela deixa para trás permanecerá com você muito tempo depois de você ter voltado à superfície. E, às vezes, são essas as histórias que mais nos marcam.

NOTA

6.0
★★★★★★★★★★

CONSIDERAÇÕES

Hell Dive é o retrato de uma grande ambição contida por uma execução falha. Seu maior trunfo é a atmosfera opressora e a premissa de horror psicológico, que criam uma genuína sensação de isolamento. No entanto, essa imersão é constantemente quebrada por mecânicas de jogo frustrantes, uma narrativa que desperdiça seu potencial em uma curta duração e uma notável falta de polimento técnico. É um "fracasso interessante": uma experiência que assombra mais pelo que poderia ter sido do que pelo que de fato é. Recomendado apenas para os mais dedicados exploradores de pérolas falhas no mar do terror indie.

Gustavo Feltes
Gustavo Feltes
Eu amo jogar, jogar é uma parte de mim. Cada história, momento, universo e gameplay me encantam. Eu não tenho restrições de jogos, cada célula do meu corpo clama por isso.
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