Vou ser brutalmente honesto: eu não esperava absolutamente nada de Echoes of the End. Aliás, eu esperava o pior. O lançamento original deste jogo, há alguns meses, não foi um tropeço; foi um capote. Uma queda feia, filmada em super slow-motion, daquelas que você assiste por entre os dedos. Era um amontoado de “jank”, aquele desajeito técnico intraduzível, problemas de desempenho que fariam um PC de última geração pedir clemência e, acima de tudo, um sistema de combate que parecia ter saído de uma gaveta empoeirada de 2005.
Então, num piscar de olhos, o que parece ser um recorde de velocidade na indústria, o estúdio islandês Myrkur Games, uma equipe pequena de cerca de 40 pessoas, anuncia e lança a Enhanced Edition. E veja bem, não estamos falando de um “patch”. Estamos falando de um pedido de desculpas na forma de um overhaul massivo e, crucialmente, gratuito. Eles não taparam buracos; eles demoliram e reconstruíram as fundações. O combate foi refeito. A locomoção, refeita. O sistema de progressão, refeito. O primeiro capítulo inteiro, refeito.

Diante disso, a questão que define esta análise mudou. Não é mais “o jogo é bom?”, mas sim “é possível salvar uma alma?”. Estamos avaliando uma redenção. E, para meu completo e absoluto espanto, a resposta curta é: sim. O jogo que joguei na minha máquina não é, de forma alguma, a bagunça que o mundo conheceu. É algo novo, coeso e, o mais importante, sincero.
Entre a Fúria e o Afeto
Vamos tirar o óbvio do caminho primeiro. Se você busca uma revolução narrativa, um épico que reinvente a fantasia, pode fechar a porta. A trama principal de Echoes of the End é o pão com manteiga do gênero. Ryn, nossa protagonista, precisa salvar seu irmão mais novo, Cor, das garras de um império malvado (o “Reigendal Empire”) que quer usar os poderes mágicos latentes do garoto para… bem, fazer coisas malvadas.
É previsível? Absolutamente. Você verá cada “reviravolta” a um quilômetro de distância. Os vilões são unidimensionais, daqueles que praticamente bigodes para poderem torcê-los? Com certeza. Se a história fosse apenas isso, eu teria desligado o jogo no segundo capítulo.

Mas eu não fechei a porta. Porque Echoes of the End comete o pecado da trama genérica, mas acerta em cheio na única coisa que, no fim das contas, realmente importa: os personagens. Este jogo vive e morre na dinâmica entre seus dois protagonistas, Ryn e Abram.
E que protagonista temos aqui. Ryn não é simpática. Em muitos momentos, ela é ativamente desagradável, impaciente, arrogante, até cruel. E eu adorei isso. Porque, pela primeira vez em muito tempo, não é uma escrita ruim; é um traço de personagem justificado. Ryn é uma “Vestige”, uma pária nascida com poderes mágicos destrutivos que ela mal consegue controlar. Ela vive com o trauma de ter ferido gravemente o próprio irmão no passado, foi abandonada pelos pais por medo e passou a vida inteira sendo tratada como um monstro, uma arma prestes a disparar. Claro que ela é arisca. A sua personalidade é uma armadura.
Então, o jogo joga Abram Finlay no caminho dela. Ele é um estudioso, mais velho, gentil, otimista e incuravelmente curioso sobre o mundo e sobre os poderes dela. Ele é o oposto exato de Ryn. A verdadeira história do jogo é essa. Não é sobre salvar o mundo ou impedir a guerra. É sobre ver se Ryn, essa fortaleza ambulante de trauma e raiva, consegue baixar a guarda o suficiente para deixar uma única pessoa entrar.
O desenvolvimento dessa amizade é o coração e a alma absolutos da experiência. É lento, é realista. As conversas que eles têm enquanto exploram as ruínas, o jeito como ele a ajuda em puzzles e ela o protege em combate, tudo isso transforma o que poderia ser um tempo morto em desenvolvimento de personagem genuíno. A comparação com God of War (2018) é inevitável, mas é usada da maneira mais inteligente. Echoes não copia a jogabilidade de Kratos, mas sim sua estrutura narrativa de “jornada de dois”. A trama principal é só um motor para forçar essas duas pessoas a coexistirem e, eventualmente, confiarem uma na outra. É isso que fica na cabeça.
A Sombra dos Gigantes
Echoes of the End é, em sua estrutura, uma aventura de ação cinematográfica, linear e em terceira pessoa. A fórmula é clara e testada pelo tempo, pegando emprestado de todos os grandes nomes do gênero. A exploração e os puzzles parecem Tomb Raider (o reboot). Os momentos de plataforma e escalada lembram Uncharted. E o combate com a câmera sobre o ombro grita God of War.
A diferença crucial, agora na Enhanced Edition, é que o “game feel” finalmente funciona. O que antes era flutuante, impreciso, onde Ryn parecia deslizar sobre o cenário, agora é responsivo. Ela parece “ancorada” no mundo. A travessia, que é uma parte enorme do jogo, deixa de ser uma tarefa e se torna prazerosa, especialmente quando você destrava o salto duplo e o dash aéreo. Escalar penhascos e saltar sobre abismos funciona, o que é o mínimo que se espera de um jogo que se inspira tanto em Lara Croft.
É uma fórmula familiar, mas é uma fórmula que funciona quando bem executada. O problema do jogo original era a execução. A Enhanced Edition não reinventa a roda, mas pelo menos garante que a roda não caia no meio da viagem. É uma aventura “AA” competente, o tipo de jogo que preenche perfeitamente a lacuna entre os épicos AAA de 100 horas. Sua linearidade, dividida em capítulos, é uma força, não uma fraqueza, pois mantém a narrativa e a relação dos personagens sempre em foco, sem a gordura de um mundo aberto genérico.
O Remendo que Virou Armadura
É aqui que a Enhanced Edition precisava vencer. E venceu. Esta seção é a diferença between o 5.7 e a nota que o jogo merece agora.
Primeiro, o combate. O combate original era a pior parte do jogo. Um desastre. Críticos o chamaram de “desleixado, mal desenhado, mal balanceado” e “raso”. Eram eufemismos. Era tedioso e frustrante.

O overhaul é total. O estúdio basicamente jogou tudo fora e recomeçou. Onde antes havia animações “janky” e sem peso, agora há feedback de impacto. As transições entre ataques são mais suaves. E, o mais importante de tudo, o input buffering e o animation cancelling agora existem e funcionam. Isso significa, em termos simples, que eu posso desviar no meio de um combo quando vejo um ataque inimigo vindo. O combate, que era injogável, agora é… decente. Sólido. Satisfatório. Não é brilhante, não tem a profundidade de um God of War ou a fluidez de um Devil May Cry, mas é divertido. Ele parou de ser um obstáculo que me impedia de aproveitar o resto do jogo.
Mas vamos ser honestos: o combate é apenas o que você faz entre a melhor parte do jogo. Echoes of the End é, em sua alma, um jogo de puzzle. E os puzzles são excelentes. Eles são ambientais, baseados em física e, o melhor de tudo, na combinação das habilidades de Ryn e Abram. Ryn pode usar sua magia para manipular a gravidade, puxando objetos, enquanto Abram pode “travar” esses objetos no lugar.
Eles atingem aquele ponto perfeito de dificuldade: são desafiadores o suficiente para fazer você parar, coçar a cabeça e analisar o ambiente, mas são lógicos o suficiente para que a solução seja gratificante, não frustrante. Em nenhum momento eu senti a necessidade de procurar um guia; a resposta estava sempre ali, escondida na física do cenário.
Finalmente, a progressão. A árvore de habilidades original era rasa. A Enhanced Edition não apenas a expande, mas adiciona um sistema de progressão totalmente novo: Equipamentos e Relíquias. São 13 trajes desbloqueáveis e mais de 20 relíquias que mudam drasticamente o gameplay. Quer uma Ryn focada em combate corpo a corpo? Existe uma build para isso. Quer focar em usar as habilidades mágicas (que, honestamente, é o caminho certo, pois a árvore de magia é a que realmente transforma o combate)? Use relíquias que aumentam a regeneração de mana ou o dano de habilidade. Isso adiciona uma camada de personalização e rejogabilidade (especialmente com o novo modo New Game+) que era desesperadamente necessária.
O Espetáculo e a Voz
Em uma coisa, ninguém jamais discordou: Echoes of the End é deslumbrante. Construído na Unreal Engine 5, o jogo usa a Islândia, terra natal dos desenvolvedores, como sua musa e sua paleta. O resultado são paisagens de tirar o fôlego: penhascos glaciais que se encontram com vales vulcânicos, ruínas antigas cobertas de musgo, céus vastos e iluminação atmosférica. A direção de arte, embora por vezes um pouco genérica em seu design de inimigos, é salva pela beleza crua e melancólica da topografia islandesa, muito dela recriada por fotogrametria. É um mundo que pede para ser admirado.
Mas um cenário bonito é só um cenário. O que dá vida a Echoes é o seu design de som. A trilha sonora é atmosférica, muitas vezes discreta, mas pontuada por peças musicais islandesas que são genuinamente adoráveis e dão ao mundo uma identidade única.

O destaque absoluto, no entanto, é a atuação de voz. Em um jogo tão focado na relação entre dois personagens, isso seria seu calcanhar de Aquiles ou sua maior força. Felizmente, é a segunda opção. O elenco principal entrega performances autênticas, com peso emocional. A química entre Ryn e Abram é palpável. E a decisão de usar atores com uma leve inflexão islandesa dá ao mundo uma textura que o diferencia imediatamente dos sotaques britânicos genéricos que dominam o gênero de fantasia. Não, isto não é um Forspoken, os diálogos são críveis, bem escritos e, o mais importante, bem entregues.
A Prova de Fogo (na 4060)
Tudo isso é muito bonito, mas aqui está o elefante na sala. O lançamento original foi um desastre de otimização no PC. “Horrendous PC Performance”, diziam as manchetes. Stuttering (as “travadinhas”) insuportável, frame drops constantes e bugs aos montes. Era um jogo de Unreal Engine 5 no pior sentido da palavra.
Eu joguei Echoes of the End: Enhanced Edition exatamente na máquina que você especificou: um Ryzen 7 5700x, uma RTX 4060 e 32GB de RAM. E posso relatar, com um suspiro de alívio, que o pesadelo acabou.
O que quer que a Enhanced Edition tenha feito nos bastidores, atualizando plugins do DLSS, corrigindo instâncias de queda de FPS e otimizando a forma como o jogo lida com shaders, funcionou. E funcionou espetacularmente bem.
Jogando em 1080p, com as configurações gráficas otimizadas, meu sistema manteve uma média de 79 FPS em resolução nativa. Isso, por si só, já é ótimo e totalmente fluido.
Mas a RTX 4060 tem uma arma secreta chamada DLSS. Ao ativar o DLSS 4 no modo “Qualidade”, a taxa de quadros saltou para uma média de 104 FPS. Para testar o limite, eu aumentei a resolução para 1440p, usei o DLSS no modo “Balanceado” e, ainda assim, obtive uma média estável de 93 FPS.
O jogo agora roda melhor do que muitos títulos AAA lançados este ano. Os stutters? Praticamente eliminados. O que era o maior e mais gritante defeito do jogo agora é, inacreditavelmente, um dos seus pontos fortes.
O Eco que Finalmente Encontrou sua Voz
Echoes of the End não é uma obra-prima. Não vai destronar God of War nem redefinir o gênero de aventura. Sua trama principal é previsível e, mesmo após Enhanced Edition, ainda existem pequenas cicatrizes, algumas arestas “AA” que não foram totalmente lixadas, uma animação facial estranha aqui ou ali.

Mas o que a Myrkur Games fez aqui é algo mais raro e, para mim, muito mais admirável do que lançar uma obra-prima de primeira. Eles ouviram. Eles admitiram o erro. Eles voltaram à prancheta, não para vender um DLC ou uma sequência, mas para consertar seu trabalho.
A Enhanced Edition transforma um desastre de 5/10 em uma aventura “AA” sincera, coesa e com um coração enorme. É um jogo que se destaca não pelo barulho de sua ação (embora agora seja perfeitamente competente), mas pela inteligência de seus puzzles e por uma das dinâmicas de personagem mais críveis e tocantes que vi em muito tempo.
Este jogo não é sobre o barulho da guerra ou o choque das espadas. É sobre o silêncio que vem depois, quando duas pessoas que não confiam em ninguém no mundo, uma por causa de seu trauma, a outra por causa de sua bondade, aprendem a confiar uma na outra.
O eco original estava perdido, distorcido pelo ruído técnico. Agora, graças a um esforço hercúleo de redenção, o eco finalmente encontrou sua voz. E é uma voz que vale muito a pena ouvir.
NOTA
CONSIDERAÇÕES
A Enhanced Edition não é um jogo, é uma redenção. O que era um desastre técnico injogável foi reconstruído com um esforço hercúleo, consertando o desempenho e transformando o combate. O que resta é um jogo "AA" deslumbrante , com puzzles brilhantes e, o mais importante, um coração enorme impulsionado pela relação inesquecível entre Ryn e Abram.
