Eu lembro, com uma clareza que beira o desconforto, do Dino Run original. Estamos falando daquela relíquia da era Flash, um jogo que parecia ter sido programado com ansiedade pura. A premissa era um soco no estômago: você é um dinossauro, o mundo está acabando em uma onda literal de destruição piroclástica a infame “Muralha da Destruição” e a única coisa a fazer é correr. Correr como se não houvesse amanhã, porque, francamente, não havia.
Era um plataforma 2D que ajudou a fundar o gênero “runner” antes que ele fosse domesticado pelos celulares. Era simples, febril e viciante.

Agora, anos depois, a Pixeljam nos promete Dino Run 2. A promessa é uma “hiper-evolução” daquela fórmula: mais dinossauros, física aprimorada, personalização profunda e, claro, o retorno daquela muralha apocalíptica. Eu, como tantos outros nostálgicos, apoiei o projeto no Kickstarter para ter um vislumbre dessa nova extinção.
E é aqui que eu preciso ser brutalmente honesta com você: o Dino Run 2 que eu joguei, este build atual de PC disponível para os apoiadores, não é esse jogo. O prato principal, o loop de corrida frenético contra o fim do mundo, ainda não existe. Ele está agendado para um lançamento em Acesso Antecipado só em 2026.
O que nós temos, por enquanto, é o que a desenvolvedora chama de “Sandbox Multiplayer”. E minhas primeiras impressões não são de uma corrida pela sobrevivência. São de um parquinho jurássico; um zoológico de luxo onde todos os animais esperam, inquietos, pelo início do incêndio.
Esperando Pela Muralha
Eu deveria, neste ponto, falar sobre a narrativa. Acontece que, no build atual, não há nenhuma.
A história de Dino Run sempre foi ambiental. O vilão não era um lagarto mutante, era a geologia. O antagonista era o próprio planeta decidindo que seu tempo de locatário havia acabado. A “Muralha da Destruição” era a narrativa—uma força imparável que dava propósito a cada pulo.
No sandbox atual, a muralha não veio. O apocalipse foi adiado.
Isso nos coloca, os jogadores, em um tipo de purgatório pré-apocalíptico. Somos dinossauros equipados com chapéus, reunidos em um santuário digital, sem nenhuma ameaça existencial iminente. A “história”, então, torna-se uma narrativa emergente de tédio criativo. A história é o que os outros jogadores estão fazendo: construindo estruturas bizarras, empilhando blocos sem motivo aparente ou apenas correndo em círculos.

É Esperando por Godot, mas Godot é um meteoro. E enquanto esperamos, decidimos que talvez seja divertido ver quantos raptors conseguimos empilhar um sobre o outro. A história, por enquanto, é a ausência dela. É a calma tensa antes da catástrofe que sabemos estar vindo, mas que ainda está a dois anos de distância.
O Parquinho Jurássico
Então, o que exatamente nós fazemos neste parquinho?
Ao entrar em um servidor, a experiência é imediatamente social e caótica. Você vê os avatares dos outros jogadores dinossauros de várias cores e padrões, muitos usando capacetes e chapéus bobos. O gameplay imediato é simplesmente ser: correr, pular, testar os limites da nova física “melhorada”.
A promessa do jogo final inclui múltiplas espécies com habilidades únicas: o clássico Raptor veloz, um Estegossauro que aparentemente “rola” e um Arqueoptérix planador. No build atual, o foco é o Raptor, e seu conjunto de movimentos parece funcional, embora um pouco mais pesado e deliberado do que a leveza do original.
Mas o loop de jogo aqui não é correr da esquerda para a direita. É interagir e construir. O sandbox é, essencialmente, um hub social glorificado que se tornou a atração principal. Eu vi corridas improvisadas, onde os jogadores definiam suas próprias linhas de partida e chegada. Eu vi gente simplesmente parada, conversando.
É uma experiência fundamentalmente voyeurística e experimental. O que a Pixeljam chama de “rápido, baseado em habilidade” é o que será. O que é agora é um playground lento, sem riscos, focado na criação e na interação.
Engenharia de Extinção
Se o gameplay é o parquinho, as mecânicas são os brinquedos. E é aqui que Dino Run 2 mostra sua verdadeira (e talvez preocupante) ambição.
Eu preciso traduzir isso: Dino Run 2, neste momento, parece menos com Sonic the Hedgehog e mais com Besiege ou LittleBigPlanet.

Eu, com minha mentalidade de “corredor”, tentei construir uma ponte simples. Ela desmoronou comicamente.
Isso é fascinante, mas me leva a uma dissonância cognitiva. O jogo original era sobre reflexos puros. Este build é sobre engenharia. Como essas duas metades vão coexistir? Como vou usar um “ponto de articulação ajustável” enquanto a Muralha da Destruição dissolve meus pixels?
A outra mecânica principal é a personalização. E esta, eu admito, é robusta e viciante. Padrões de pele, cores, e uma vasta gama de chapéus. É claramente a base do modelo de monetização futuro (DLCs cosméticos) e, honestamente, funciona. Colocar um capacete de viking no meu raptor deu a ele uma personalidade que eu não sabia que precisava.
O Pixel Anabolizado
A Pixeljam chama o novo estilo de “arte de pixel hiper-evoluída”. É uma descrição precisa, para o bem e para o mal.
Dino Run DX, a versão aprimorada do original, era charmoso em sua simplicidade. Dino Run 2 é denso. Os sprites dos dinossauros são detalhados, os biomas de fundo são exuberantes e cheios de camadas. É, sem dúvida, bonito.
Mas é também barulhento. O charme do pixel art clássico estava em sua legibilidade. No ritmo lento do sandbox, eu por vezes perdi meu próprio dinossauro customizado no meio da folhagem e das criações caóticas dos outros jogadores. Minha preocupação é como essa estética “hiper-evolUÍDA” vai se comportar quando o jogo estiver em velocidade máxima, com o caos do apocalipse preenchendo a tela. Sinto que a clareza pode ter sido sacrificada em nome da fidelidade cosmética, afinal, você precisa de pixels extras para justificar a venda de uma skin.

O áudio, por outro lado, é um acerto inequívoco. Os compositores originais estão de volta, e a música é pura nostalgia. É uma evolução direta das batidas chiptune que definiam o pânico do primeiro jogo. É, talvez, a parte mais “Dino Run” deste preview. Os efeitos sonoros, no entanto, ainda parecem provisórios. Os passos são suaves, os rugidos são tímidos. Falta o baixo, o impacto visceral que outros jogos de dinossauro (como Ark) também lutam para acertar. Eu preciso que a extinção soe assustadora.
Rodando Liso Antes da Debandada
Vamos aos detalhes técnicos. Joguei este build na configuração exata que me foi dada: um Ryzen 7 5700x, uma RTX 4060 e 32 GB de RAM.
Minha impressão? A máquina está entediada.
É um jogo 2D de pixel art, mesmo que “hiper-evoluído”. Usar uma RTX 4060 para renderizar isso é como usar um acelerador de partículas para esquentar o almoço. Os 32 GB de RAM estão igualmente ociosos. Em um sandbox vazio, o jogo roda liso como vidro.
Contudo. O gargalo deste jogo nunca será a placa de vídeo. Será o processador e o netcode.
O motor de física complexo, especialmente as criações malucas do “PIVOT update” em um ambiente multijogador, é um pesadelo para a CPU. E, de fato, quando entrei em um servidor lotado onde alguém havia decidido construir uma torre de Tungstênio até o céu, eu vi o desempenho fraquejar. Não era lag gráfico; era stutter de servidor, bugs de física. Meu Ryzen 7 5700x estava, ele sim, trabalhando para calcular o colapso daquela estrutura insana.
O desempenho, portanto, é uma métrica enganosa. Sua máquina é excelente, mas a estabilidade de Dino Run 2 dependerá inteiramente de quão bem a Pixeljam otimiza essa “engenharia de dinossauros” antes que o caos gerado pelos jogadores derrube os servidores.
A Sombra da Catástrofe
O Dino Run 2 que eu joguei hoje não é Dino Run. É um conjunto de ferramentas fascinante, uma caixa de brinquedos de física glorificada e um provador de chapéus de dinossauro incrivelmente robusto. É uma promessa financiada por uma onda de nostalgia que se provou poderosíssima.
A Pixeljam está claramente apaixonada por este projeto. Eles estão demorando anos para fazê-lo, e a ambição de criar um playground de física ao lado de um runner de plataforma é evidente.
Mas a experiência atual é vazia de propósito. O sandbox é um santuário de luxo, mas o ponto de Dino Run nunca foi o santuário; foi a agonia da fuga.
Estamos todos lá, dinossauros customizados em um mundo de pixel art exuberante, construindo nossas próprias jaulas douradas e esperando o mundo acabar em 2026. A questão que fica, e que não sai da minha cabeça, é esta: quando o apocalipse finalmente chegar, teremos passado tanto tempo brincando com pivôs e blocos de pedra-pomes que teremos esquecido como se corre pela própria vida?
