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Review | A.I.L.A (PS5)

A.I.L.A. e a Agonia do Artifício: Quando o Medo se Perde na Ambição

A relação que mantemos com o gênero do horror é, por natureza, masoquista. Buscamos o desconforto, pagamos pelo susto, ansiamos pela ansiedade. E quando uma obra promete redefinir essa dinâmica, utilizando a própria inteligência artificial como antagonista e ferramenta narrativa, é impossível não sentir um frisson de expectativa. Foi com esse espírito, misturando cautela e esperança, que iniciei minha jornada em A.I.L.A. no PlayStation 5.

Desenvolvido pelos brasileiros da Pulsatrix Studios, os mesmos mentes criativas por trás do competente Fobia: St. Dinfna Hotel, este título carrega o peso de ser o sucessor espiritual de uma promessa: a de que o estúdio não foi um “acidente de percurso”, mas uma força consolidada. A premissa é sedutora, quase irrecusável para qualquer aficionado por ficção científica e terror: você é um testador beta de uma IA revolucionária, capaz de ler seus medos e gerar pesadelos procedurais personalizados.

A.I.L.A

No entanto, ao largar o controle após ver os créditos subirem, o sentimento que me dominou não foi o de ter sobrevivido a um pesadelo inesquecível, mas o de ter assistido a um filme com um roteiro brilhante nas mãos de um diretor indeciso. A.I.L.A. é uma obra de dualidades extremas. É um jogo que oscila violentamente entre a genialidade atmosférica e a mediocridade mecânica, deixando claro que, às vezes, a ambição é um monstro muito mais difícil de domar do que qualquer criatura que o código do jogo possa gerar. É uma experiência que frustra justamente porque nos mostra, em lampejos breves e cegantes, o quão magnífica ela poderia ter sido.

O Espelho Distorcido da Realidade

No papel de Samuel, somos jogados em um futuro próximo, estéril e dominado pela tecnologia, onde a solidão parece ser a única companhia constante. A nossa tarefa é “treinar” a A.I.L.A., interagindo com ela entre as simulações, alimentando a máquina com nossas reações humanas. O início dessa trama é de uma sofisticação narrativa louvável. Existe uma metalinguagem pulsante aqui; o jogo sabe que é um jogo, e brinca com a ideia de que você, jogador, é apenas mais uma variável na equação da IA.

A.I.L.A

O ápice narrativo, o momento em que o jogo transcende sua própria condição, ocorre no cenário intitulado “Woman on the Road”. Meus caros, a atmosfera construída aqui é digna dos grandes mestres do cinema de horror. Há uma fusão de Arquivo X com um terror cósmico “lovecraftiano” que é palpável. A chuva incessante, o isolamento de uma lanchonete de beira de estrada, a presença inquietante de uma cratera misteriosa… tudo isso constrói uma tensão que não precisa de sustos baratos para funcionar. É um horror que se infiltra pelos poros. A Pulsatrix ainda demonstra um carinho pelos detalhes, inserindo referências sutis, como a marca de comida de gato que remete a Albert Wesker, que funcionam como um aperto de mão secreto para os fãs veteranos.

Contudo, essa elegância não se sustenta. À medida que avançamos, a narrativa começa a fragmentar-se, perdendo a coesão em prol de uma variedade de cenários que parecem desconexos. O jogo tenta abraçar tantos subgêneros, do terror psicológico ao slasher, passando pela fantasia medieval, que a espinha dorsal da história, a relação entre Samuel e a IA, acaba diluída. E o desfecho… ah, o desfecho. A tentativa de entregar um plot twist filosófico sobre a natureza da realidade e da simulação soou, para mim, como um discurso ensaiado que perdeu o impacto na execução. Faltou coragem para ser verdadeiramente perturbador; o final é morno, quando a premissa exigia um incêndio.

 A Esquizofrenia Mecânica

Se a narrativa sofre de oscilações, a jogabilidade enfrenta uma crise de identidade severa. A.I.L.A. comporta-se como dois jogos distintos costurados à força. A primeira metade, focada na exploração, na resolução de puzzles ambientais e na tensão psicológica, bebendo da fonte eterna de P.T. e Resident Evil 7, é onde o jogo brilha. A sensação de vulnerabilidade é real; você se sente um rato no labirinto, observado por uma entidade superior e fria.

O problema surge quando o jogo decide que Samuel precisa ser um herói de ação.

A.I.L.A

A introdução do combate, particularmente no infame cenário medieval, é um erro de cálculo brutal. De repente, somos forçados a uma mecânica de combate corpo a corpo em primeira pessoa que parece ter sido resgatada de meados dos anos 2000, e não de uma forma nostálgica. O sistema de “bloquear e bater” é rígido, sem peso, sem impacto visceral. Quando acerto um inimigo com uma espada ou um machado, não sinto o corte ou o choque do metal; a resposta tátil e visual é inexistente, como se estivéssemos batendo em bonecos de ar.

As armas de fogo, por sua vez, sofrem de um balanceamento punitivo. O tempo de recarga é agonizantemente lento, uma escolha de design válida para gerar tensão, admito, mas que se torna irritante quando confrontada com chefes que são verdadeiras “esponjas de dano”. Esses inimigos absorvem quantidades absurdas de punição sem reagir, transformando o que deveria ser um duelo mortal em uma tarefa repetitiva e enfadonha. A tensão se dissipa, dando lugar ao tédio e à frustração de lutar contra um sistema que não responde à altura.

Quando o Design se Torna o Inimigo

Aprofundando a análise técnica das engrenagens do jogo, o sistema de inventário merece uma crítica severa. Em um survival horror, o gerenciamento de recursos é parte fundamental da angústia. Porém, a interface de A.I.L.A. é intrusiva e burocrática. Em momentos de pânico, onde a fluidez entre a ação e a seleção de itens deveria ser instintiva, o jogo coloca barreiras, exigindo uma navegação desnecessária que quebra o ritmo e a imersão.

E então, temos a Inteligência Artificial dos inimigos, uma ironia amarga, considerando o título do jogo. Os oponentes seguem padrões rudimentares, previsíveis ao extremo. Para compensar essa falta de astúcia, os desenvolvedores optaram por aumentar artificialmente a dificuldade através de hitboxes (áreas de colisão) duvidosas. Houve momentos, especialmente nas batalhas finais, em que fui atingido por golpes que claramente não me tocaram visualmente.

A batalha final é o epítome desse design equivocado. O jogo anula estratégias que você passou horas desenvolvendo, forçando um combate próximo que expõe todas as falhas das animações e da detecção de colisão. É um momento que deveria ser o clímax emocional e mecânico, mas que se revela apenas um teste de paciência.

A Fachada Deslumbrante e as Rachaduras Técnicas

É imperativo reconhecer: A.I.L.A. é visualmente estonteante. O uso da Unreal Engine 5 no PlayStation 5 entrega cenários de um realismo fotográfico impressionante. O sistema de iluminação Lumen faz maravilhas, criando sombras dinâmicas e reflexos que conferem uma profundidade tangível aos ambientes. O cenário da estrada chuvosa é, sem exagero, um dos ambientes mais bonitos e opressores que visitei virtualmente este ano. A direção de arte acerta em cheio ao contrastar o futurismo clínico do apartamento de Samuel com a sujeira orgânica dos pesadelos.

O design de som também tem seus méritos, com uma mixagem que explora bem o áudio 3D, criando uma atmosfera envolvente onde cada rangido de madeira ou sussurro distante contribui para a paranoia.

A.I.L.A

Entretanto, essa beleza é frequentemente maculada por falhas técnicas grosseiras. A física de “ragdoll” (boneca de pano) dos inimigos derrotados é cômica de uma forma que destrói qualquer tensão. Ver um cavaleiro medieval morto sair voando pelo cenário, contorcendo-se como se estivesse em uma rave silenciosa, tira qualquer um da imersão. Além disso, a dessincronização labial durante os diálogos é constante e distrativa. É inaceitável, em uma produção que preza tanto pelo visual, ver personagens falando sem que seus lábios acompanhem o áudio, lembrando filmes mal dublados de décadas passadas.

O PS5 Sob Pressão

Rodando no console da Sony, a performance é uma montanha-russa decepcionante. Para um hardware com o poder do PS5, as quedas na taxa de quadros (framerate) são frequentes e notáveis. Nos momentos de exploração lenta, o jogo flui; mas assim que a tela é preenchida por partículas, chuva ou múltiplos inimigos, o engasgo é evidente. A otimização claramente ficou em segundo plano diante da fidelidade visual.

O uso do DualSense tenta resgatar a experiência. Os gatilhos adaptáveis oferecem uma resistência interessante ao disparar armas, e o feedback háptico tenta transmitir texturas como a chuva ou passos pesados. Mas é difícil apreciar essas nuances táteis quando o jogo está travando visualmente ou quando o áudio sofre atrasos. A tecnologia do controle está lá, mas parece um curativo de luxo em uma ferida técnica mais profunda.

Um Diamante Bruto que Corta a Mão

Encerrar A.I.L.A. deixou-me com um gosto amargo, não pelo que o jogo é, mas pelo que ele desesperadamente tenta ser e não consegue. Existe uma obra-prima escondida aqui, soterrada sob camadas de ambição desgovernada e falta de polimento técnico. A primeira metade do jogo é uma carta de amor ao gênero, prometendo uma revolução; a segunda metade é um lembrete doloroso de que boas ideias não se sustentam sem uma execução mecânica sólida.

A.I.L.A

Para quem busca atmosfera e visuais de ponta, há valor aqui. A direção de arte e a premissa narrativa garantem momentos de genuína imersão. Mas é preciso ter estômago para tolerar um combate arcaico, bugs que quebram a imersão e uma performance técnica que não faz jus à nova geração.

A Pulsatrix Studios provou mais uma vez que tem talento e visão artística de sobra. Mas em A.I.L.A., eles tentaram correr antes de aprender a caminhar com firmeza em novos terrenos. É uma experiência válida pela curiosidade, sim, mas falha como produto final. É como um espelho quebrado: reflete algo belo, mas em fragmentos cortantes, desconexos e, infelizmente, incompletos.

NOTA

8.0
★★★★★★★★★★

CONSIDERAÇÕES

A.I.L.A. é a definição trágica de "estilo sobre substância". O jogo seduz inicialmente com visuais deslumbrantes na Unreal Engine 5 e uma atmosfera que, em seus melhores momentos, toca o sublime do terror psicológico. No entanto, essa fachada cai rapidamente diante de uma execução técnica desastrosa no PlayStation 5 e de um sistema de combate arcaico que transforma o medo em pura frustração. É uma obra que tinha tudo para ser um clássico moderno, mas que infelizmente se contenta em ser um protótipo de luxo mal acabado.

Gustavo Feltes
Gustavo Feltes
Eu amo jogar, jogar é uma parte de mim. Cada história, momento, universo e gameplay me encantam. Eu não tenho restrições de jogos, cada célula do meu corpo clama por isso.
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