Eu me lembro exatamente do momento em que Artis Impact me fisgou. Não foi um trailer, não foi uma sinopse. Foi um simples GIF, desses que rolam pela timeline sem pedir licença: uma garota de cabelos brancos e vestido preto, empunhando uma espada longa demais para seu corpo, caminhava por uma cidade em ruínas. A animação era de uma fluidez absurda, cada pixel parecia ter sido colocado à mão com um propósito, o balanço do vestido dela era hipnótico. Naquele instante, o jogo se tornou uma promessa. Uma promessa de esmero, de paixão, de algo feito com o tipo de cuidado que a gente raramente vê.

Logo descobri o porquê: Artis Impact não é o produto de um estúdio, mas a visão de uma única pessoa. Desenvolvido ao longo de anos pelo artista malaio conhecido como Mas, o jogo é um atestado de teimosia criativa. E é impossível não admirar isso. Cada cenário desenhado do zero, cada animação polida até a perfeição, tudo exala a coerência de uma obra autoral. Essa é, ao mesmo tempo, a maior bênção e a maldição fundamental do jogo. Porque essa mesma singularidade que dá a Artis Impact sua identidade visual deslumbrante é também a fonte de suas falhas mais profundas e frustrantes. Este é o relato da minha jornada com uma obra de arte que eu queria desesperadamente amar, mas que, como jogo, se esforçou continuamente para me afastar. É a história de uma casca impecável que protege um miolo confuso e, por vezes, oco.
Crônica de um Fim de Mundo Adorável (e Confuso)
Vamos deixar uma coisa clara: o coração de Artis Impact pulsa na dinâmica entre seus dois protagonistas. De um lado, temos Akane, a heroína de bom coração, membro de uma força de elite que combate a ameaça de IAs rebeldes. Do outro, seu companheiro constante, Bot, uma inteligência artificial em forma de cubo, sarcástico e rabugento, que a segue como uma sombra cínica. A interação entre os dois é ouro puro. O texto é afiado, o humor é genuíno, e a energia de irmãos que se provocam, mas se protegem, carrega a experiência nas costas. Em muitos momentos, foi a única coisa que me fez continuar.
O problema é que todo o resto da narrativa parece operar em uma frequência diferente. O cenário é um pós-apocalipse sombrio, onde os resquícios da humanidade vivem com medo de robôs assassinos. No entanto, o tom do jogo é de uma comédia leve, quase uma slice of life. Akane e seus amigos estão mais preocupados com o lanche do dia ou em fazer piadas que quebram a quarta parede do que com o fim iminente da civilização. Essa dissonância é gritante. A trama principal, que envolve missões para a organização Lith e a luta contra a IA, se arrasta por horas sem criar um senso de urgência ou de perigo real. Eu terminei o jogo sabendo que Akane adora bolinhos de mochi, mas com uma vaga ideia sobre a verdadeira natureza da catástrofe mundial.

No começo, eu vi isso como uma falha, uma indecisão narrativa. Mas, com o tempo, comecei a me perguntar se não era algo mais profundo, talvez até acidental. A forma como os personagens lidam com um apocalipse iminente, com humor negro, desapego e um foco quase obsessivo nas pequenas alegrias mundanas, espelha de forma assustadora uma sensibilidade muito contemporânea, muito Geração Z. É um retrato de como se vive quando a catástrofe não é um evento, mas uma condição permanente no fundo da paisagem. O fim do mundo se torna apenas o ruído de fundo da vida cotidiana. Nessa ótica, a superficialidade da trama não é um defeito, mas talvez a sua declaração mais honesta: uma crônica sobre a resiliência do banal em face do absurdo.
A Dança de Um Passo Só
Se a história é um estudo de contradições, a jogabilidade é onde a estrutura de Artis Impact realmente desmorona. De início, o sistema de combate por turnos parece promissor. É rápido, responsivo e visualmente espetacular. Os comandos são simples: ataque, use uma habilidade (chamada de “Art”), defenda-se ou use um item. Clássico, funcional. Por alguns momentos, funciona. Você sente o peso dos golpes, a satisfação de derrotar um inimigo mecanizado.
Mas essa satisfação é tragicamente breve. O jogo é vítima de um desequilíbrio colossal. Com um mínimo de exploração ou ao realizar algumas poucas atividades secundárias, Akane se torna uma deusa da destruição. Habilidades específicas são tão desproporcionalmente poderosas que transformam 95% dos encontros, incluindo chefes de história que deveriam ser imponentes, em uma formalidade de um único golpe. A tensão evapora. A estratégia se torna irrelevante. O combate deixa de ser um desafio e vira uma tarefa repetitiva, um obstáculo tedioso entre um ponto da história e outro. É um sistema que se auto-sabota até a completa irrelevância.

Para piorar, o jogo é péssimo em explicar suas próprias regras. Efeitos de status, mecânicas de aprimoramento, a forma como se aprende novas habilidades, tudo é envolto em um mistério que parece mais negligência do que design intencional. O desenvolvedor chegou a afirmar que omitiu guias para incentivar a descoberta orgânica, uma intenção nobre que, na prática, resulta em pura frustração, especialmente pela ausência de um simples diário de missões para organizar as tarefas.
Em contraste direto com o combate falho, está o “outro jogo” dentro de Artis Impact: a exploração e a simulação de vida. E aqui, sim, ele brilha. O mundo é incrivelmente interativo. Quase tudo pode ser tocado, ligado, desligado, resultando em pequenas animações charmosas ou diálogos espirituosos entre Akane e Bot. As mecânicas de decorar sua casa, trabalhar em empregos de meio período, cozinhar ou simplesmente tomar um banho para limpar um status negativo criam um ciclo de jogabilidade aconchegante e recompensador. É evidente que foi aqui que a paixão do desenvolvedor foi investida. O combate, por sua vez, parece um órgão vestigial. Ele existe não porque é um pilar da experiência, mas porque Artis Impact se veste como um JRPG, e JRPGs precisam ter combate. É uma formalidade, um pedágio que você paga para poder apreciar a arte, a exploração e os personagens, as partes que realmente importam.
Uma Obra de Arte em Movimento
Se há uma área em que Artis Impact merece aplausos de pé, sem ressalvas, é em sua apresentação. Este jogo é uma das coisas mais bonitas que eu já vi em pixel art. A animação de Akane é luxuosa, um espetáculo de atenção aos detalhes. A forma como ela se joga na cama, exausta; a maneira como sua espada corta o ar com elegância; o já mencionado balanço de seu vestido. É arte em movimento, pura e simples.
O que eleva a direção de arte a outro patamar é a sua linguagem visual dinâmica. Mas não se contenta com um único estilo. O jogo transita com uma fluidez impressionante entre a exploração com visão de cima, as batalhas com perspectiva lateral e as cenas de história contadas através de painéis de mangá desenhados à mão, que se sobrepõem e se editam na tela de forma criativa. Essa variedade constante mantém a experiência visualmente estimulante do início ao fim.

O áudio não fica para trás. A sonoplastia é robusta e impactante, dando peso a cada golpe de espada e a cada pequena interação com o cenário. A trilha sonora, por sua vez, é simplesmente linda, alternando entre melodias melancólicas que acentuam a solidão do mundo e temas mais leves que acompanham os momentos de humor. Som e imagem trabalham em uma harmonia tão perfeita que, em seus melhores momentos, Artis Impact se parece menos com um jogo e mais com um anime interativo de altíssimo calibre.
Uma Máquina Impecável
Joguei Artis Impact em uma configuração que está muito, mas muito acima de suas necessidades: um Ryzen 7 5700X, uma RTX 4060 e 32 GB de RAM. Os requisitos recomendados pelo jogo são modestíssimos, pedindo um processador Intel Core i3 de sexta geração e 8 GB de RAM. Como era de se esperar de um título construído na engine RPGMaker, que não é conhecida por sua exigência gráfica, a experiência foi tecnicamente perfeita.
O Impacto que Quase Foi
Ao final, Artis Impact me deixa com um sentimento agridoce, uma admiração frustrada. É um jogo de contradições dolorosas. É um triunfo artístico e uma decepção mecânica. Tem uma alma de ouro em seus personagens, mas um corpo narrativo que vagueia sem rumo. Ele te convida para um mundo deslumbrante que implora para ser explorado, mas frequentemente se esquece de te dar um motivo para continuar.

Ele é a personificação perfeita do que é um projeto de paixão de um único desenvolvedor. É uma obra profundamente pessoal, tão definida pelo talento artístico inacreditável de seu criador quanto por suas compreensíveis limitações como designer de sistemas de jogo. É um espelho de uma visão singular, com toda a sua beleza e todos os seus pontos cegos.
E assim, a pergunta que fica ecoando na minha cabeça é: Artis Impact é uma obra de arte? Sem a menor dúvida. Suas imagens, sua atmosfera, o carisma de Akane e Bot, tudo isso vai ficar comigo por muito tempo. Mas um jogo, por definição, precisa ser jogado. E quando o ato de jogar, o combate, a progressão, soa oco e sem propósito, a experiência pode ser considerada um sucesso? Artis Impact é uma peça estonteante para se admirar, um objeto fascinante para se estudar, mas um jogo difícil de se recomendar de todo o coração. Ele alcança um impacto artístico inegável, mas o impacto da jogabilidade se sente como um membro fantasma, a sensação de algo que deveria estar ali, mas que, no fim das contas, simplesmente não está.
NOTA
CONSIDERAÇÕES
Artis Impact é um paradoxo deslumbrante. Como obra de arte, é um triunfo absoluto, com uma das mais belas e fluidas pixel arts da memória recente e uma dupla de protagonistas carismática que carrega o jogo nas costas. Como jogo, no entanto, ele tropeça em si mesmo. Seu sistema de combate é desequilibrado a ponto de se tornar irrelevante, e sua narrativa principal carece de foco e impacto. É uma experiência que vale a pena ser vista por sua beleza inegável, mas que se torna difícil de recomendar como algo a ser jogado, a menos que você esteja disposto a perdoar falhas mecânicas profundas em nome de uma visão artística singular e inesquecível.
