Há lugares que conhecemos sem nunca termos estado. Corredores de hotel vazios de madrugada, escritórios abandonados num domingo chuvoso, o porão da casa de um avô que já se foi. São espaços liminares, fronteiras entre o familiar e o desconhecido, e eles nos causam um desconforto que não sabemos nomear. Em 2019, a internet deu um nome e uma cara a esse sentimento: The Backrooms. Uma foto amarelada, torta, de um carpete úmido e paredes monocromáticas sob a luz doentia de lâmpadas fluorescentes. E com ela, a promessa aterrorizante de um lugar para onde se pode “cair” da realidade, um labirinto infinito onde o único som é o zumbido incessante da sua própria loucura se aproximando.
É nesse terreno fértil de pavor moderno que Backrooms Level X finca sua bandeira. Desenvolvido em grande parte por um único homem, José Manuel Conesa Hernández, este não é um blockbuster de horror, mas uma carta de amor, ou talvez um bilhete de suicídio a um dos mitos mais potentes da cultura digital. E preciso ser honesta: eu não “joguei” Backrooms Level X; eu me perdi nele. Fui engolida por seus corredores, assombrada por seus ecos e, mais de uma vez, frustrada por suas escolhas. Porque este jogo vive e morre numa tensão fundamental: a luta entre o horror puro e psicológico de um espaço vazio e a necessidade de preenchê-lo com monstros, puzzles e objetivos para que ele possa, afinal, ser chamado de “jogo”.
Ecos Numa Fita VHS
A premissa nos joga de cabeça no mistério. Após um “acidente bizarro”, acordamos no meio do nada familiar, o infame carpete amarelo se estendendo em todas as direções. Nossa única âncora com o mundo que deixamos para trás é a lenda de uma fita VHS, gravada durante um incidente inexplicável em Albuquerque, Novo México, em 27 de outubro de 1986. É uma isca narrativa clássica do “horror analógico”, um subgênero que encontrou no YouTube, com obras como a série de Kane Pixels, um lar perfeito para sua estética de filmagem encontrada e tecnologia obsoleta.

A escolha de 1986 é deliberada e genial. Ela nos transporta para uma era pré-digital, um tempo em que um mistério não podia ser resolvido com uma busca no Google. Uma fita de vídeo era um artefato físico, tangível, que podia se degradar, se perder e, mais importante, guardar um segredo singular. O jogo cria uma dissonância temporal fascinante: nós, jogadores do século 21, experimentamos uma simulação digital de um mistério analógico. A história não é contada em cenas grandiosas, mas sussurrada pelas paredes, encontrada em anotações espalhadas e sentida na atmosfera opressiva dos mais de 13 níveis do jogo.
Mas o sussurro é alto o suficiente? A conexão entre o incidente de 1986 e nossa situação atual permanece etérea, quase um pretexto. A narrativa é mais uma textura do que um motor. Ela adiciona uma camada de intriga que nos impulsiona pelos primeiros corredores, mas logo se torna secundária ao desafio imediato da sobrevivência. A fita VHS é um gancho fantástico, mas o jogo nunca a puxa com a força necessária para nos fisgar de verdade.
O Labirinto Como Antagonista
O cerne da experiência em Backrooms Level X é a exploração impotente. Você anda, você corre, você se esconde. Não há armas, não há combate. O seu único recurso é a sua inteligência (ou a falta dela) para decifrar os enigmas do ambiente e evitar as coisas que se movem na escuridão. E é aqui que o jogo trava sua maior batalha interna. Há momentos de genialidade pura, onde o único inimigo é o próprio labirinto. O som dos seus passos ecoando, a dúvida se a sala em que você acabou de entrar é a mesma de dez minutos atrás, a paranoia de ver movimento onde não há nada. Nesses momentos, Backrooms Level X captura a essência do horror liminar: o medo do vazio.

E então, o jogo pisca. Ele perde a coragem e joga um monstro na sua cara. As “entidades misteriosas” e os “chefes gigantescos” prometidos no material de divulgação aparecem, e a tensão psicológica cuidadosamente construída se desfaz numa corrida frenética e, por vezes, repetitiva. Não me entenda mal, alguns desses encontros são genuinamente assustadores. Mas eles transformam o desconhecido em algo concreto, o medo existencial em um problema de “corra do ponto A para o B”. É uma concessão à “gameficação” que trai a premissa mais poderosa do material original.
Ferramentas Contra o Vazio
Para sobreviver, você precisa interagir com o mundo, e é nas mecânicas que o desenvolvedor mostra sua criatividade. Os puzzles são, em sua maioria, ambientais. Você não vai encontrar um Sudoku numa parede; em vez disso, terá que encontrar fitas VHS para ativar um projetor, ligar geradores numa ordem específica ou manipular válvulas de vapor para abrir uma porta trancada, tudo isso enquanto uma criatura te caça. Eles são lógicos e bem integrados aos cenários, exigindo observação e, principalmente, nervos de aço. A promessa de que você derrota os inimigos com a “inteligência” é cumprida, e a sensação de enganar uma abominação gigante ao resolver um quebra-cabeça sob pressão é imensamente gratificante.

Onde o jogo realmente brilha, no entanto, é na sua vontade de quebrar as próprias regras. Numa atualização gratuita que adicionou dois novos níveis à campanha, foi introduzida uma mecânica de inversão de gravidade. Através de corredores especiais, você pode simplesmente começar a andar no teto. Isso reinventa completamente a exploração e o design dos puzzles. Um abismo intransponível no chão pode ser apenas um caminho livre no teto. É uma solução brilhante para o maior desafio de um jogo de Backrooms: como tornar o décimo quinto corredor amarelo tão interessante quanto o primeiro. Essa mecânica mostra um desenvolvedor que não está apenas recriando um meme, mas ativamente pensando em como torná-lo uma experiência interativa dinâmica e surpreendente.
A Estética do Mal-Estar
Visualmente, Backrooms Level X acerta em cheio na mosca. A paleta de cores doentia, a repetição nauseante dos padrões do papel de parede, o brilho instável das luzes fluorescentes, tudo está lá, criando uma atmosfera palpável de estranheza e decadência. O jogo entende que o horror não está na feiura, mas na familiaridade distorcida. A estética é reforçada por um filtro de VHS onipresente, que degrada a imagem, adiciona ruído e distorce as cores. É uma escolha estilística poderosa que ancora a experiência na era do horror analógico. No entanto, é uma faca de dois gumes. O efeito de oscilação e a baixa fidelidade visual podem causar enjoo em jogadores mais sensíveis, um problema que vi relatado por outros e que senti levemente em sessões mais longas. É o preço que se paga pela imersão.

Mas o verdadeiro protagonista aqui é o som. Ou a falta dele. O design de áudio é uma obra-prima de minimalismo aterrorizante. O som dominante é o zumbido elétrico das lâmpadas, um ruído branco que se entranha no seu cérebro e serve de tela para a sua imaginação pintar os piores cenários. Cada rangido, cada goteira distante, cada eco dos seus próprios passos se torna uma ameaça em potencial. O jogo te ensina a ter medo do silêncio, porque quando ele é quebrado, pelo rosnado de uma criatura ou pelo som arrastado de algo se aproximando, o pânico é imediato e visceral. É um design de som que não apenas te assusta, mas te torna cúmplice do seu próprio medo.
Uma Janela Clara Para o Inferno
Testei Backrooms Level X numa máquina com um Ryzen 7 5700X, uma RTX 4060 e 32 GB de RAM. É uma configuração que ultrapassa, e muito, as especificações recomendadas pelo desenvolvedor, que pedem um processador de quase uma década atrás e uma Nvidia 2080. Como esperado, a experiência foi, na maior parte do tempo, impecável. Com todas as configurações no máximo, o jogo rodou em 1440p com taxas de quadros consistentemente altas, proporcionando a fluidez que uma experiência de horror imersiva exige.
A Saída é Apenas Outra Entrada?
Então, qual é o veredito sobre essa descida à loucura amarelada? Backrooms Level X é uma obra imperfeita, mas fascinante. É um jogo que luta com a própria identidade, dividido entre a quietude assustadora de sua inspiração e as convenções barulhentas do gênero de survival horror. Sua narrativa promete mais do que entrega, e sua dependência de monstros pode frustrar os puristas do horror liminar.
Contudo, é impossível não admirar a ambição e a criatividade em exibição. Quando o jogo confia em sua atmosfera, em seu design de som magistral e em suas mecânicas de puzzle inteligentes, especialmente a brilhante inversão de gravidade, ele oferece momentos de tensão e pavor que rivalizam com os melhores do gênero. É um testamento da paixão de um desenvolvedor que não só entende o que torna as Backrooms assustadoras, mas que também não tem medo de experimentar dentro de suas paredes mofadas.
No final, Backrooms Level X não oferece uma saída. Ele apenas nos ensina novas maneiras de nos perdermos. A porta que se fecha atrás de nós não é um fim, mas um lembrete assustador de que, neste lugar, toda parede é também uma porta para um corredor ainda mais longo, e o zumbido… o zumbido nunca para.
NOTA
CONSIDERAÇÕES
Backrooms Level X é uma experiência de horror com uma atmosfera brilhante e mecânicas criativas, que captura com sucesso o pavor do mito original. No entanto, sua indecisão entre o terror psicológico sutil e as perseguições de monstros mais convencionais o impede de atingir seu pleno potencial. É uma descida à loucura recomendada para os fãs do gênero, mas uma que se mostra imperfeita em sua execução.
