Eu preciso começar com uma confissão. O medo mais profundo que senti jogando Before Exit: Gas Station não foi o pavor primitivo de um monstro no escuro. Não foi o susto de um jumpscare bem cronometrado. Foi algo muito mais familiar, mais adulto e infinitamente mais frio: o medo de errar. O pânico crescente de ter decepcionado um chefe que eu nunca vi.
Before Exit: Gas Station é, na superfície, um simulador de trabalho. Você é um funcionário noturno, encarregado de fechar um posto de gasolina esquecido por Deus no meio do nada. Seu chefe é descrito como “muito rigoroso”, obcecado por economizar dinheiro, e por isso o posto fecha à noite. Sua tarefa é mundana: apagar as luzes, trancar as portas, passar um pano no chão.
Mas o jogo, desenvolvido pela Take IT Studio!, pertence a um subgênero traiçoeiro conhecido como “detecção de anomalias”. O horror aqui não está no que pode invadir o posto; está no que já está sutilmente errado lá dentro.

O brilhantismo sombrio do jogo é este: ele usa o verniz de um walking simulator para esconder um jogo de terror psicológico sobre a ansiedade do trabalho precário. O verdadeiro terror é a auditoria. Before Exit entende que, no capitalismo tardio, o sentimento mais comum não é o medo do sobrenatural, mas o pavor constante, e muito real, de ser considerado “dispensável”.
A Trama Oculta no Tédio
Se você procurar por uma “história” em Before Exit: Gas Station, você não vai encontrar uma cinemática. A trama aqui não é uma sequência de eventos; é uma arqueologia de sentimentos. É fragmentada, sutil, e está escondida sob camadas de tarefas banais. A narrativa é o que você pensa que está acontecendo enquanto limpa o banheiro às três da manhã, sozinho, ouvindo apenas o zumbido das luzes.
O jogo exige, e de fato, sua estrutura é construída em torno disso, que você o jogue várias vezes. Com quatro finais distintos e seis episódios bônus, fica claro que a primeira vez que você “termina” o jogo, você não entendeu nada. Você está preso em um ciclo, e cada nova “semana” de trabalho é uma tentativa de entender por que você está preso.
A própria descrição oficial do jogo na Steam termina com a pergunta mais assombrosa de todas: “…antes de voltar… para casa?”. Essa interrogação é o motor da trama. Ela planta a semente da dúvida de que “casa” seja um destino, ou mesmo uma possibilidade.

Para mim, a alegoria é clara, talvez até um pouco óbvia demais, mas nem por isso menos eficaz. O posto de gasolina é um purgatório. Uma “estação” de passagem literal, um limbo onde sua alma é julgada, não por seus pecados morais, mas por sua eficiência profissional. O “chefe rigoroso” é uma entidade onipresente e julgadora. As “tarefas” são rituais de penitência.
A história, portanto, não é sobre ser um bom funcionário. É sobre descobrir as regras desse purgatório para poder transcendê-lo. O jogo, aliás, deixa isso claro: se você simplesmente tentar ir embora pela estrada, o horror se revela de forma muito mais direta. A saída fácil não é a saída. A única saída é através do sistema.
O Expediente da Ansiedade
A sensação de jogar Before Exit é a de ter dois cérebros em guerra constante.
De um lado, há o cérebro-gerente. Ele é rápido, eficiente, focado na checklist de tarefas. Ele quer pegar o esfregão, limpar a mancha de óleo, reabastecer a prateleira de salgadinhos, verificar as bombas de gasolina e ir embora o mais rápido possível.
Do outro lado, há o cérebro-paranoico. Ele é lento, metódico, e inspeciona cada pixel. Ele sabe que a checklist é uma armadilha.

O jogo te acalma com o tédio. Você entra no ritmo das tarefas. Passa o pano, tira o lixo, tranca a oficina. Você se torna complacente. E é aí que ele te pega. Você termina sua lista, confiante, caminha até a porta da frente e… é “demitido”. Fim de jogo. Por quê? Porque um extintor de incêndio estava cinco centímetros à esquerda de onde deveria estar. Porque uma lata de refrigerante estava na prateleira errada. Porque uma ferramenta na oficina estava fora de ordem.
O mestre do design aqui é a punição, um elemento brutalmente retirado dos roguelikes. Você tem direito a dois erros. Cometa um terceiro, e você não repete o dia. Você repete a semana inteira. Ter que reiniciar sete noites de progresso por causa de três erros minúsculos é uma decisão de design impiedosa. Mas é essa brutalidade que transforma o ato banal de verificar prateleiras em um quebra-cabeça de alto risco, de tirar o fôlego.
Isso não é “divertido” no sentido clássico da palavra. É viciante. É o mesmo vício de quem verifica o fogão três vezes antes de dormir. O gameplay não é sobre poder ou vitória; é sobre a simulação da sobrevivência econômica. Você não joga para ser promovido; você joga, desesperadamente, para não ser demitido.
Esfregando o Chão e Vigiando o Abismo
As mecânicas do jogo são fundamentalmente duas. De um lado, o Job Simulator: você interage com objetos, limpa sujeira, move caixas. Do outro, o Anomaly Detection: você compara, em tempo real, o estado do posto de gasolina com uma memória mental perfeita de como ele deveria estar.
E é aqui, na fricção entre essas duas metades, que o jogo tropeça em sua própria ambição. Before Exit é quase cruel em sua “falta de orientação”. Ele te dá tarefas, mas não te dá o manual. Em um dos cenários, que pode variar entre mais de 40 possibilidades, fui encarregado de guardar pneus. O jogo não me disse onde os pneus estavam, nem onde deveriam ir.

Passei quinze minutos literais tateando no estacionamento escuro. E nesses quinze minutos, eu não estava sentindo “pavor atmosférico”; eu estava sentindo “frustração de design”. A tensão psicológica evaporou, substituída pelo tédio de uma scavenger hunt malfeita.
Mas então, uma epifania. E se essa frustração for intencional? E se a falta de orientação não for uma falha de design, mas o aspecto mais realista do jogo? Que chefe de um emprego precário realmente te treina adequadamente? Eles te jogam no escuro e esperam que você encontre os pneus.
A mecânica de “anomalia” é uma metáfora brilhante para o gaslighting corporativo. “Tem certeza que fez isso?” “O cliente reclamou que viu uma mancha.” “O sistema diz que falta um item no estoque.” O jogo te faz duvidar ativamente da sua própria percepção da realidade, uma ferramenta de gestão mais antiga que o próprio tempo. O “chefe rigoroso” exige perfeição absoluta, mas se recusa a fornecer as ferramentas para alcançá-la. Isso não é um jogo; é uma simulação precisa do meu primeiro emprego.
A Estética da Desolação
Visualmente, Before Exit: Gas Station não é um jogo bonito. E isso é o maior elogio que posso fazer a ele. Os gráficos não são espetaculares, mas são dolorosamente críveis. Eles capturam perfeitamente a estética do “não-lugar”, aqueles espaços de trânsito, como postos de gasolina e hotéis de beira de estrada, que existem em todos os lugares e em lugar nenhum.
É o brilho doentio do piso de linóleo sob a luz fluorescente. É a palidez de um mundo iluminado apenas por lâmpadas de mercúrio e pelo letreiro de neon. O jogo tem uma aparência deliberadamente desoladora.
Mas o verdadeiro antagonista, a alma do terror, é o design de som.
O jogo é definido por um silêncio opressor. Mas é um silêncio barulhento. A trilha sonora do seu pânico é o “zumbido constante das geladeiras e o som dos seus próprios passos”. Essa é a atmosfera. É espessa, sufocante e induz um pavor puro. O jogo sabe, instintivamente, que a solidão é o monstro mais assustador de todos.
O design de som e a mecânica de jogo trabalham juntos para te quebrar psicologicamente. O jogo te força a um estado de hipervigilância visual, você está desesperadamente procurando por uma lata de ervilhas fora do lugar. Ao mesmo tempo, ele te coloca em privação sensorial auditiva, não há nada para ouvir além do zumbido da eletricidade.

Essa combinação é destrutiva. Seus olhos estão sobrecarregados e seus ouvidos, famintos por qualquer informação. O resultado é que qualquer som que quebra o padrão, um passo estranho, um objeto que cai na sala ao lado, se torna uma catástrofe. Você se assusta sozinho.
Tropeços na Rota da Eficiência
Vamos direto ao ponto. Eu joguei Before Exit: Gas Station em uma máquina que deveria engoli-lo no café da manhã e nem arrotar. Meu computador roda com um Ryzen 7 5700x, uma RTX 4060 e 32 GB de RAM.
Os requisitos recomendados oficiais para este jogo são uma RTX 2060 e um Ryzen 5 5600X. Meu hardware é, em todas as métricas, vastamente superior.
E, na maior parte do tempo, o jogo rodou como seda. Mas a palavra-chave é “na maior parte”.
O jogo sofre de uma performance irritantemente instável. Há quedas de frame rate perceptíveis, engasgos que quebram o ritmo. E, ironicamente, esses problemas de desempenho parecem piorar justamente “quando muitas luzes estão acesas”. Para um jogo com uma apresentação visual relativamente simples, isso é, francamente, triste em um hardware deste nível.
Isso é mais do que um aborrecimento técnico. É uma falha temática.
A única moeda que este jogo possui é a sua imersão. A “atmosfera polida” e o “pavor sufocante” são tudo. Quando o framerate cai, a ilusão se quebra. O pavor psicológico que o jogo trabalhou tanto para construir evapora instantaneamente, substituído pela frustração mundana de estar jogando um software mal otimizado.
A ironia final é dolorosa: um jogo inteiramente focado na necessidade de perfeição obsessiva é, ele mesmo, tecnicamente imperfeito em suas fundações. O engasgo do motor gráfico me tira da paranoia de ser um funcionário vigiado e me joga de volta na minha cadeira, onde sou apenas um jogador irritado com a otimização.
A Saideira (e o Custo Dela)
Vamos ser claros. Before Exit: Gas Station é um jogo falho. Sua mecânica central de “detecção” é por vezes obscurecida por uma falta de orientação frustrante. E seu desempenho técnico é instável, quebrando a imersão nos piores momentos possíveis.
E, ainda assim, é uma das experiências mais tensas, perturbadoras e viciantes que tive o ano todo.

Ele funciona porque sua premissa é um ataque direto e preciso à nossa ansiedade cultural coletiva. O verdadeiro horror, como o jogo prova noite após noite, não é o monstro debaixo da cama; é o e-mail do seu chefe às dez da noite. É a paranoia constante de que você está sempre sendo vigiado, sempre sendo julgado, e sempre a um pequeno erro de ser substituído.
Before Exit: Gas Station é um espelho desconfortável. Nós fomos ensinados a temer o caos, o desconhecido, o assassino na floresta. Este jogo argumenta, de forma convincente, que o verdadeiro terror moderno é a ordem. É a checklist. É a exigência implacável de perfeição. É o medo de cometer um erro, ser “demitido” e forçado a reiniciar o ciclo miserável todo de novo.
A pergunta que o jogo deixa, ecoando na sua cabeça muito depois de você fechar o programa, não é se você vai sobreviver à noite. É se você já está preso no seu próprio posto de gasolina, rezando para que ninguém perceba que você colocou a lata no lugar errado.
NOTA
CONSIDERAÇÕES
Before Exit: Gas Station é uma experiência de terror psicológico brilhante, viciante e genuinamente tensa, que transforma com sucesso a ansiedade do trabalho e a paranoia de ser vigiado pelo chefe no verdadeiro monstro. O jogo prova que o medo de cometer um erro numa checklist pode ser mais assustador do que qualquer fantasma.
