Há um momento específico na trajetória de qualquer gigante do entretenimento em que ele deve escolher entre a pretensão da arte séria ou o abraço caloroso do absurdo. Ao longo da última década, Call of Duty oscilou, muitas vezes tropeçando em tentativas de realismo “arenoso” que entravam em conflito direto com sua natureza arcade. Contudo, ao iniciar Call of Duty: Black Ops 7 no meu PlayStation 5 neste novembro de 2025, fui imediatamente arrebatada por uma sensação distinta: a de que a franquia finalmente parou de pedir desculpas. Estamos diante de um colosso que chuta a porta da sala, aumenta o volume da música e nos convida para um parque de diversões bélico, vibrante e deliciosamente caótico.

A Treyarch, historicamente o estúdio “enfant terrible” da Activision, entendeu que a tecnologia futurista de 2035 não precisa ser apenas funcional; ela pode, e deve, ser espetacular. Se a subfranquia Modern Warfare busca emular as manchetes dos jornais, Black Ops busca emular os nossos pesadelos febris e nossos sonhos de poder. A decisão de reestruturar a campanha em torno de uma experiência cooperativa fundamental, de expandir o Multiplayer com uma fluidez cinética inédita e de transformar o modo Zombies em uma odisseia de horror cósmico prova que o foco voltou a ser o entretenimento em sua forma mais pura e dopaminérgica.
Um Delírio Cinematográfico Compartilhado
A campanha de Black Ops 7 opera numa frequência narrativa que mistura o thriller de espionagem da Guerra Fria com a grandiosidade operística de uma ficção científica distópica. Ao nos recolocar nas botas de David Mason, agora interpretado pelo astro de Hollywood Milo Ventimiglia, e nos confrontar com o espectro do lendário Raul Menendez, o jogo não se contenta apenas com a nostalgia; ele a utiliza como combustível para incendiar a tela.
É verdade que Ventimiglia traz uma polidez talvez excessiva para um soldado calejado, uma “suavidade de novela” que contrasta com a rudeza do elenco original. No entanto, essa escolha estética faz sentido dentro do universo visualmente limpo e corporativo de 2035. A trama, impulsionada pela toxina “Cradle” e pelas maquinações da corporação “The Guild” e sua CEO Emma Kagan, permite aos roteiristas quebrarem as correntes da lógica militar tradicional. E é aqui que a magia acontece. Em vez de ficarmos presos a reuniões táticas estéreis em salas cinzentas, somos jogados em sequências de alucinação coletiva que funcionam como verdadeiras instalações de arte surrealista.

O ápice dessa ousadia, e um momento que definirá as conversas de bar sobre este jogo por anos, é a batalha durante a missão “Fracture”. Ver o trauma reprimido de Mike Harper se materializar não como um diálogo expositivo, mas como um monstro titânico, um “Kaiju” de cinquenta metros de altura cuspindo fogo sobre um porta-aviões em ruínas, é de uma genialidade pop atordoante. É o videogame abraçando sua natureza lúdica sem vergonha. Enfrentar essa abominação com um esquadrão de amigos, desviando de destroços e coordenando fogo pesado, transforma a angústia psicológica em um espetáculo de ação cooperativa. A história deixa de ser um filme que você assiste passivamente para ser um evento caótico que você vive, grita e ri junto.
A Coreografia da Violência e o Omnimovement
Se a história é o palco, o gameplay é a dança. E que balé letal a Treyarch e a Raven Software construíram aqui.
A grande estrela técnica é o refinamento absoluto do sistema “Omnimovement”. Esqueça a rigidez dos jogos de tiro da década passada. Aqui, a liberdade é total. Você pode correr, deslizar e mergulhar (o icônico dolphin dive) em qualquer direção, para frente, para trás, lateralmente, mantendo a arma levantada e letal. A reintrodução da corrida na parede (Wall Run) foi feita com uma elegância contida e madura; não é o caos aéreo descontrolado de Infinite Warfare, mas uma ferramenta tática de transição. Eu me peguei sorrindo de orelha a orelha ao encadear um salto na parede para flanquear um camper, girar 180 graus no ar e eliminá-lo antes mesmo de minhas botas tocarem o chão.

Uma decisão de design que merece aplausos de pé foi a mudança no “Tactical Sprint”. Ao removê-lo como a opção de movimento padrão e transformá-lo em uma vantagem opcional (Perk), o jogo desacelera o ritmo frenético apenas o suficiente para que o combate volte a ser uma troca de tiros cerebral, e não apenas um teste de reflexos espasmódicos. O gunplay tem peso, tem “coice”, e cada eliminação soa como uma nota percutiva e satisfatória em uma sinfonia de chumbo.
A Arena Global Revisitada
O coração pulsante de Call of Duty sempre foi o Multiplayer, e em Black Ops 7, esse coração bate a 120 batimentos por minuto, impulsionado por um design de mapas que é, talvez, o melhor da era moderna da franquia.
O Design dos Mapas e a Estética
A seleção dos 16 mapas principais (6v6) no lançamento é um banquete visual e tático. A Treyarch evitou a monotonia dos “três corredores” simples e apostou em arenas com personalidade.
Blackheart: Situado em uma plataforma de perfuração de petróleo no meio de um oceano revolto, este mapa oferece um combate claustrofóbico misturado com verticalidade perigosa. O som das ondas batendo contra o metal e a chuva constante criam uma atmosfera opressiva onde um passo em falso significa um banho gelado.
Colossus: Um resort de luxo futurista parcialmente afundado e destruído. Aqui, a beleza da arquitetura moderna se funde com o caos, criando linhas de tiro limpas nos saguões e áreas de emboscada traiçoeiras nas seções alagadas. É visualmente deslumbrante.
The Forge e Cortex: Mapas menores e mais industriais que garantem aquela ação frenética “moedor de carne”, onde você mal tem tempo de respirar antes do próximo confronto.
E, claro, a promessa da chegada iminente de Nuketown 2025 paira no ar como a volta para casa que todos esperamos, pronta para destruir amizades com sua simplicidade caótica.
Arsenal e Scorestreaks: O Poder de Fogo
O arsenal de 2035 é um deleite de equilibrar. O rifle de assalto AK-27 retorna com um peso nostálgico e um recuo que exige domínio, enquanto a nova X9 Maverick (tiro em rajada) recompensa a precisão cirúrgica. Mas o brilho real está nos Scorestreaks, que trazem brinquedos novos e aterrorizantes. Invocar um Rhino, um robô de combate autônomo blindado equipado com uma minigun, muda completamente o fluxo da partida, forçando o time inimigo a parar tudo e concentrar fogo pesado. O retorno dos HKDs (Hunter Kill Drones) adiciona aquele elemento de pânico aéreo, ouvindo o zumbido da morte se aproximando, enquanto o clássico RC-XD continua sendo a ferramenta perfeita para humilhar oponentes desatentos.
Um detalhe crucial que resgata a alma do jogo online é o retorno dos lobbies persistentes. A rivalidade volta a ser um fator humano. Jogar cinco, seis partidas seguidas contra as mesmas pessoas, aprender seus hábitos, criar rixas temporárias e depois, quem sabe, formar um esquadrão com elas; isso é a essência social que havia se perdido e que BO7 resgata com maestria.
O Renascimento do Horror Cósmico em Zombies
Para os devotos do modo Zombies, e eu me incluo nisso, Black Ops 7 não é apenas um modo extra; é um jogo completo dentro do pacote, talvez o melhor desde Black Ops 3. A Treyarch elevou o nível de complexidade e atmosfera a patamares estratosféricos.

Ashes of the Damned e a Escala Monumental
O mapa de lançamento, “Ashes of the Damned”, é uma obra-prima de design atmosférico. Situado em uma zona de exclusão gigantesca no Éter Negro que lembra a escala de Tranzit, o mapa é tão vasto que a travessia a pé é suicídio. A solução? “Ol’ Tessie”, uma caminhonete customizável que serve como seu tanque e seu refúgio. Dirigir esse veículo enquanto atropela hordas de mortos-vivos, com um amigo na caçamba atirando com uma LMG e outro no banco do passageiro consertando a blindagem, cria momentos de “filme de estrada infernal” inesquecíveis. A sensação de desespero quando o motor pifa no meio de uma névoa densa, cercado por zumbis, é o tipo de tensão deliciosa que define o modo.
Perks, GobbleGums e a Inovação do Soco
O retorno ao sistema baseado em rodadas (Round-Based) fornece a estrutura sólida que os fãs exigiam. Mas as inovações são o tempero. O novo Perk, batizado hilariamente de “Melee Macchiato”, é brutalmente divertido. Ele transforma seus punhos em armas de destruição em massa, mandando zumbis voando metros de distância com um soco carregado de energia cinética. É grotesco, é físico e é extremamente satisfatório.
O sistema de GobbleGums retorna refinado, permitindo criar “loadouts” de chicletes que podem ser trocados estrategicamente, adicionando uma camada de profundidade para as rodadas altas. Enfrentar novos inimigos como os “Ravagers” (bestas ágeis que atacam o veículo) e o chefe colossal “Zursa” (um urso zumbi monstruoso) exige coordenação total. E com o mapa Astra Malorum, ambientado em uma estação espacial, já no horizonte, o futuro do modo parece brilhante.
O Mundo Aberto de Avalon
A inovação estrutural mais ambiciosa é o modo “Endgame”. Após os créditos da campanha, a cidade de Avalon se abre como um playground tático PvE para até 32 jogadores. Aqui, a liberdade é inebriante. Você escolhe missões como “Prime Target” (eliminação de VIPs) ou “Grid Takedown” (sabotagem), mas a abordagem é toda sua. Voar de wingsuit do topo de um arranha-céu invadido pela vegetação para interceptar um comboio da Guilda, usar o gancho (Grappling Hook) para ganhar vantagem vertical e extrair com espólios raros cria uma narrativa emergente que é única a cada sessão. A tensão da extração, sabendo que se morrer perde o progresso daquela rodada, adiciona um peso real às suas decisões.
Imersão Sensorial no PlayStation 5
Tecnicamente, Black Ops 7 é um espetáculo que justifica cada centavo investido no hardware de nova geração. A direção de arte da cidade de Avalon, com seu conceito de “futurismo mediterrâneo”, é deslumbrante. Ver a luz do sol dourada bater nas pedras antigas de ruínas clássicas, enquanto drones futuristas patrulham o céu azul, cria um contraste melancólico e belo. O Ray Tracing (nos modos de fidelidade) dá volume e vida a cada poça d’água e reflexo em vidro.
A trilha sonora do lendário Jack Wall é a alma auditiva do jogo. Ele funde orquestração clássica com sintetizadores sujos e distorcidos, criando temas que grudam na cabeça, como a nova versão pulsante de “Adrenaline”. A música não apenas acompanha a ação; ela a impulsiona, crescendo nos momentos de clímax e recuando para um suspense inquietante.
No PS5, o Áudio 3D via Tempest Engine oferece uma vantagem tática que beira o injusto. A precisão espacial é absoluta. Você não apenas ouve passos; você sabe se o inimigo está no andar de cima, correndo sobre metal ou caminhando furtivamente sobre vidro quebrado. É uma ferramenta de sobrevivência.

E o DualSense? A implementação é sublime. Cada arma possui uma “personalidade” tátil nos gatilhos adaptativos. Sentir a resistência pesada do gatilho de uma metralhadora leve (LMG) vibrando contra o dedo, ou o “clique” suave e curto de uma pistola silenciada, conecta você fisicamente ao arsenal digital. É cansativo em sessões longas? Talvez. Mas a imersão que proporciona vale cada grama de esforço muscular.
A Fluidez dos 120Hz
Jogar no modo de 120Hz no PS5 é um caminho sem volta. A fluidez da imagem torna o rastreamento de alvos em movimento rápido algo natural, quase instintivo. Embora o console seja levado ao seu limite térmico em momentos de caos extremo, com dezenas de explosões e partículas na tela no modo Zombies ou Endgame, a estabilidade geral é impressionante para um jogo com essa fidelidade visual. É um testamento ao talento dos engenheiros da Treyarch, que conseguiram extrair o máximo do console para entregar algo que não é apenas bonito de ver, mas delicioso de jogar.
O Triunfo do Entretenimento
Ao final desta maratona, o veredito é claro e ressonante: Call of Duty: Black Ops 7 é um triunfo do entretenimento maximalista. Ele pode não reinventar a roda da narrativa profunda ou oferecer reflexões filosóficas sobre a guerra, mas ele certamente faz essa roda girar mais rápido, com mais estilo e com muito mais explosões do que nunca.
A coragem de integrar o cooperativo na espinha dorsal da campanha, a riqueza tática do multiplayer com seus lobbies persistentes e a profundidade absurda e criativa do modo Zombies formam um pacote que respeita o tempo e o desejo do jogador de se divertir. É um jogo que sabe exatamente o que é: um espetáculo barulhento, tecnicamente impecável e desenhado para ser vivido com amigos.
Se você tem a oportunidade de jogar Call of Duty: Black Ops 7 e procura uma experiência que justifique o poder da máquina e que ofereça horas infindáveis de caos organizado, risadas e adrenalina, Black Ops 7 não é apenas recomendado; é essencial. É a prova de que, mesmo após tantos anos, essa velha máquina de guerra ainda tem muito combustível para queimar e muitas histórias explosivas para contar.
NOTA
CONSIDERAÇÕES
Call of Duty: Black Ops 7 é a definição de prazer culposo. É uma obra narrativamente confusa e por vezes inchada, mas que se redime ao entregar uma diversão mecânica visceral e irresistível. Entre a fluidez inebriante do novo movimento e o caos delicioso do modo Zumbis, ele te conquista não pela lógica, mas pela pura dopamina. É um jogo imperfeito, barulhento e, acima de tudo, absolutamente viciante.
