Existe uma ansiedade baixa e constante que zumbilha por baixo da superfície da vida moderna. É o zumbido do seu telemóvel a vibrar no silêncio, o brilho azulado de um ecrã no escuro, o fluxo interminável de vidas perfeitamente curadas a desfilar sob o seu polegar. É a sensação de que, algures, neste exato momento, algo incrível está a acontecer, e você não está lá. É uma festa, uma piada interna, uma oportunidade de ouro, uma memória a ser criada sem si. Os psicólogos deram-lhe um nome clínico e asséptico: Fear of Missing Out, ou FOMO. Mas a Quantic Monkey Studio decidiu dar-lhe uma forma, dentes e um corredor escuro para nos caçar.
Eis que surge FoMO, um jogo de terror independente para PC que não se contenta em ser apenas mais um susto no escuro. Ele tem a audácia quase insolente de pegar nesta abstração psicológica, nesta doença da era digital, e transformá-la num pesadelo jogável. A sua premissa é uma pergunta aterradora: e se o medo de ficar de fora não fosse apenas um sentimento, mas um predador? E se a sua ansiedade social se materializasse nos corredores do seu escritório e o perseguisse até casa? Foi com esta curiosidade mórbida que mergulhei neste labirinto pixelizado, não apenas para ver se o jogo era assustador, mas para descobrir se, por trás da sua estética retro e da sua premissa engenhosa, existia uma alma, uma crítica genuína ou apenas um truque inteligente.
Crônica de uma Vida Desfeita
A história de FoMO não começa com um estrondo, mas com o baque surdo de uma vida a estagnar. O nosso protagonista, um personagem sem nome para a nossa própria mediocridade, está preso num ciclo purgatorial: “Acordar. Trabalhar. Beber. Dormir. Repetir.” Esta não é apenas uma introdução preguiçosa; é o diagnóstico. É a representação de uma existência tão vazia e desprovida de significado que se torna o terreno fértil perfeito para a paranoia. A rotina não é um conforto, é uma jaula, e de dentro dela, o mundo exterior parece um desfile de oportunidades perdidas.

O catalisador do horror é, brilhantemente, “uma pequena ação”. O jogo não especifica qual. E é precisamente essa ambiguidade que o torna tão eficaz. Não é um grande pecado ou um erro monumental que desencadeia o pesadelo, mas algo trivial, uma decisão que poderíamos tomar todos os dias. Atender uma chamada? Ignorá-la? Enviar aquele e-mail? Esta mecânica narrativa é uma metáfora poderosa para a ansiedade da escolha que define o FOMO. É o medo irracional de que qualquer caminho não percorrido, por mais insignificante que pareça, leve a um abismo de arrependimento e isolamento. O jogo consegue, assim, fazer-nos sentir a paranoia específica desta condição, transformando uma escolha mundana num gatilho narrativo.
A partir daí, o mundo desmorona-se. E fá-lo de forma literal. O apartamento começa a “apodrecer”, o pub local está “morto”, e o escritório, esse bastião da rotina entorpecente, transforma-se num labirinto infernal. Percorrer estes cenários é como caminhar pela mente em colapso do protagonista. Não são apenas locais assustadores; são a manifestação física da sua psique a desintegrar-se sob o peso do fracasso percebido. As paredes sujas, os corredores distorcidos, o silêncio pesado, tudo é um espelho da sua desolação interior. O mundo está a desfazer-se porque, na sua cabeça, a sua vida já se desfez.
Corra, Beba, Repita
A experiência de jogar FoMO pode ser resumida numa doutrina de impotência absoluta. O jogo despe-nos de qualquer fantasia de poder. Não há armas, não há sistemas de combate, não há forma de retaliar. Os seus únicos verbos são “correr, esconder-se, sobreviver”. Esta vulnerabilidade forçada é aterrorizante. Lembro-me vividamente de me encolher num armário, o coração a bater descompassado com o som de passos arrastados do outro lado da porta, sentindo-me não como um jogador, mas como uma presa. É um medo primal, cru, que muitos jogos de terror com mais orçamento não conseguem evocar.

O ciclo de jogo é, ele próprio, uma metáfora. Passamos a maior parte do tempo a explorar versões distorcidas de locais familiares e mundanos, o nosso apartamento, o nosso local de trabalho, até que a presença de um monstro nos atira para uma fuga desesperada. Este ritmo reflete de forma inquietante o ciclo do FOMO no mundo real: o ato mundano de percorrer as redes sociais, seguido pela facada súbita de ansiedade, o “monstro”, ao ver uma fotografia ou uma atualização que nos faz sentir inadequados e excluídos. Os monstros do jogo são a personificação desses momentos. Não os podemos derrotar, apenas fugir deles, tal como muitas vezes nos sentimos impotentes perante a sensação de estarmos a ser deixados para trás.
A questão é se esta tensão se sustenta. A resposta é… maioritariamente. Há momentos em que o medo se transforma em frustração, quando uma perseguição termina numa morte inevitável ou quando a exploração se torna repetitiva. O jogo caminha numa linha ténue entre criar uma “tensão sufocante” e simplesmente tornar-se um exercício de tentativa e erro. No entanto, nos seus melhores momentos, o ritmo é magistral, alternando entre o silêncio opressivo da antecipação e o caos ensurdecedor da perseguição, deixando-me sem fôlego e com os nervos em franja.
As Engrenagens do Pânico
Se dissecarmos FoMO até às suas engrenagens, encontramos uma série de escolhas de design arriscadas, mas deliberadas. A principal delas é o uso de labirintos gerados aleatoriamente. Por um lado, é uma decisão genial. Garante que nenhuma tentativa é igual à outra, mantendo o jogador desorientado e em alerta constante. Representa na perfeição a natureza confusa e esmagadora do mundo digital, onde nos sentimos perdidos sem um mapa. Por outro lado, pode levar a momentos de pura frustração, onde vagueamos sem rumo, não por causa de um horror bem construído, mas por um design de níveis que nos abandona à nossa sorte. É um mecanismo que tanto pode aprofundar a imersão como quebrá-la.

Depois, há o movimento do jogador. É lento. Pesado. Intencionalmente desajeitado. Esta é uma tática clássica do terror, muitas vezes controversa, mas aqui, sinto que funciona. A lentidão não serve apenas para tornar a navegação um desafio; amplifica a nossa vulnerabilidade. Quando um monstro aparece, a nossa incapacidade de acelerar transforma cada fuga numa luta desesperada contra a inércia do nosso próprio corpo. Sentimo-nos presos em alcatrão, a lutar para nos movermos num pesadelo onde as nossas pernas não obedecem.
A combinação destas mecânicas, labirintos aleatórios, movimento lento e ausência de combate, cria algo que eu chamaria de “tédio armado”. O jogo arrisca ser aborrecido para gerar um tipo muito específico de angústia psicológica. O tédio de vaguear por um corredor que não parece levar a lado nenhum é a preparação. A aparição súbita de uma criatura é o clímax. É uma aposta arriscada: o jogo confia que a nossa frustração se transformará em medo genuíno, em vez de nos levar a desistir. Para mim, a aposta valeu a pena. O tédio tornou os momentos de terror ainda mais explosivos.
Estética na Alma
Visualmente, FoMO adota uma estética “retro pixelizada 3D” que, à primeira vista, pode parecer uma simples tendência indie. Mas é muito mais do que isso. É uma escolha deliberada que serve o tema na perfeição. O mundo não parece real; parece uma memória corrompida, um ficheiro de vídeo danificado. A baixa resolução e os modelos poligonais criam uma realidade instável e onírica que reflete o estado mental fraturado do protagonista. Os monstros, em particular, beneficiam desta abordagem. São formas impressionistas, contornos de terror que a nossa imaginação é forçada a completar. O jogo dá-nos o esboço; o nosso cérebro, alimentado pela nossa própria ansiedade, pinta os detalhes aterradores.

O design de som é, talvez, a estrela do espetáculo. FoMO compreende perfeitamente que o verdadeiro terror reside não no ruído, mas na sua ausência. A maior parte do jogo desenrola-se num “silêncio sufocante”, que torna cada som, os nossos próprios passos, um rangido distante, a “respiração atrás da porta”, insuportavelmente alto e ameaçador. O áudio não nos assusta com jump scares baratos; ele cultiva a paranoia. Faz-nos sentir constantemente observados, mesmo quando estamos sozinhos. É um trabalho de mestre na criação de atmosfera, que se infiltra sob a nossa pele e permanece lá.
Um Sussurro na Máquina
Eu joguei FoMo numa máquina de guerra: um Ryzen 7 5700X, uma RTX 4060 e 32 GB de RAM. Dizer que o jogo correu bem é um eufemismo. Os seus requisitos de sistema são tão modestos que o meu PC provavelmente nem reparou que ele estava a correr. Não houve quedas de frames, não houve soluços, não houve qualquer tipo de problema técnico. O jogo foi um sussurro num furacão de poder de processamento.
O Medo que Fica
Então, FoMO consegue transcender o seu truque inteligente e tornar-se uma obra significativa de terror psicológico? A minha resposta é um sim retumbante, ainda que com ressalvas. O jogo não é perfeito. A sua dependência da aleatoriedade pode, por vezes, minar o seu ritmo cuidadosamente construído, e a sua natureza repetitiva pode testar a paciência de alguns. No entanto, o que ele consegue fazer bem, fá-lo de forma excecional. A sua integração da narrativa, tema e mecânica é uma das mais coesas que vi num jogo de terror independente em muito tempo.
Mas o maior triunfo de FoMO não é o medo que sentimos enquanto jogamos, mas a consciência que ele deixa para trás. Depois de os créditos rolarem e o ecrã ficar preto, a ansiedade não se dissipa completamente. Em vez disso, o jogo aguça os nossos sentidos para o zumbido baixo e constante do FOMO nas nossas próprias vidas. Deixa-nos a pensar nas nossas próprias rotinas, nas nossas próprias ansiedades, nos labirintos que construímos para nós mesmos.
No final, FoMO não assusta com os seus monstros pixelizados, mas com o reflexo disforme que nos mostra no espelho partido do seu ecrã. O verdadeiro terror não é ser apanhado pela criatura no corredor, mas perceber que, na nossa busca incessante para não ficar de fora, já estávamos presos num labirinto muito antes de iniciar o jogo.
NOTA
CONSIDERAÇÕES
FoMO é uma aposta ousada que se paga com juros de ansiedade. É um terror que não se contenta com o susto fácil, preferindo construir uma atmosfera de paranoia que se infiltra na mente do jogador e lá permanece. Ao transformar um conceito tão abstrato e moderno como o "medo de ficar de fora" num pesadelo tangível, o jogo prova que os monstros mais assustadores são aqueles que nós mesmos criamos. Apesar de algumas mecânicas, como os labirintos aleatórios, poderem ocasionalmente tropeçar da tensão para a frustração, a sua visão artística é tão coesa e a sua execução tão perturbadoramente eficaz que as falhas se tornam pequenas. Não é apenas um jogo para se jogar no escuro; é um jogo para se pensar muito tempo depois, sob a luz fria do ecrã do nosso próprio telemóvel.
