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Review | Ghost of Yōtei (PS5)

Há fantasmas que nos assombram e há aqueles que pacientemente nos esperam. O meu era um samurai. Por anos, ouvi os relatos, vi as imagens estonteantes e li as odes a Ghost of Tsushima, uma experiência que, para mim, existia apenas do outro lado de um muro de exclusividade. Sem um PlayStation, tornei-me um peregrino tardio, chegando à ilha de Tsushima através do PC, muito depois de a poeira da invasão mongol ter assentado. E ali, sem a pressão do lançamento ou o barulho das discussões online, eu me perdi. Passei centenas de horas não apenas jogando, mas estudando aquele mundo. Cada folha de ginkgo que caía, cada duelo sob a lua cheia, cada haicai composto à beira de um penhasco era um verso de um poema que eu aprendi a amar profundamente.

Então, veio o anúncio. Ghost of Yotei. Uma continuação, mas não uma continuação direta. Uma nova história, uma nova protagonista, e um novo lar exclusivo: o PlayStation 5. Aquele muro que antes me separava da obra-prima da Sucker Punch agora guardava seu próximo capítulo. E a decisão foi instantânea, quase um reflexo. A compra do console não foi um upgrade tecnológico; foi a aquisição de uma chave. A chave para um reencontro. A expectativa, portanto, não era a de um crítico, mas a de um devoto. E essa é a mais perigosa das expectativas, porque ela não perdoa.

Ghost of Yōtei

Ghost of Yotei nos apresenta a Atsu, uma mulher cuja história não começa com um código de honra a ser defendido, mas com cinzas e uma lista de seis nomes. Sua jornada, ambientada no Japão do século XVII, não é uma guerra pela alma de uma nação, mas uma caçada envenenada e particular. Ela não é o Fantasma que se ergue para proteger; ela é o espectro que rasteja para vingar a morte de seus pais nas mãos dos “Yotei Six”. E a pergunta que pairou sobre mim desde o primeiro momento em que segurei o DualSense foi lancinante: uma história movida pelo mais puro e feio dos sentimentos, a vingança, poderia carregar o mesmo peso, a mesma beleza trágica de uma epopeia sobre sacrifício e honra? O maior inimigo de Yotei não são os seis nomes em sua lista, mas a sombra colossal projetada pelo fantasma de Jin Sakai.

Seis Nomes Escritos em Sangue

A narrativa de Ghost of Yotei é um punhal de gelo. Onde a jornada de Jin Sakai era uma tapeçaria ampla, tecida com os fios do dever, da tradição e da crise de identidade nacional, a de Atsu é um único fio de arame farpado, esticado até o ponto de ruptura. Ela não é uma nobre samurai caída em desgraça. Atsu é uma mulher comum, forjada no fogo da tragédia, cuja identidade foi roubada e substituída por um propósito singular e monstruoso. Sua jornada não é uma queda da honra, mas uma escalada desesperada para fora de um abismo, usando os ossos de seus inimigos como apoio para as mãos. O jogo faz um trabalho magistral e profundamente desconfortável em não nos deixar esquecer disso. Atsu não é uma heroína. Ela é uma força da natureza, terrível e incontrolável como um incêndio florestal.

Ghost of Yōtei

A estrutura da caçada aos “Yotei Six” poderia facilmente cair na armadilha da “lista de afazeres” de um videogame. Mas a Sucker Punch, de forma inteligente, transforma cada alvo em um espelho. Cada um dos seis não é apenas um chefe a ser derrotado, mas a personificação de uma faceta da crueldade do mundo e, mais assustadoramente, um vislumbre do que Atsu está se tornando. Há o general que justifica sua brutalidade com a lógica fria da ordem, o comerciante que lucra com a miséria alheia, o monge que perverteu a fé para ganho pessoal. Ao caçá-los, Atsu não está apenas eliminando os responsáveis por sua dor; ela está confrontando as mesmas tentações de poder, ganância e justificação que poderiam consumi-la. É uma estrutura que ecoa as jornadas dos personagens secundários de Tsushima, como a vingança cega de Lady Masako, mas aqui ela é o prato principal, não o acompanhamento.

O tom é sufocante. Tsushima contrabalançava sua fúria com momentos de beleza e reflexão. Os haicais, as fontes termais, a flauta de Jin sob uma árvore de bordo eram respiros, momentos para processar a brutalidade da guerra. Yotei nega-nos esse conforto. Os momentos de pausa de Atsu são gastos afiando sua lâmina, estudando seus alvos, revivendo seu trauma em pesadelos febris. As missões secundárias, as “Lendas de Yotei”, raramente envolvem salvar camponeses. Em vez disso, lidamos com os danos colaterais da fúria de Atsu: uma vila deixada à mercê de bandidos após ela matar seu líder corrupto, uma família destruída por se encontrar no caminho de sua vingança. O jogo nos força a encarar as consequências, a entender que a vingança não é uma cirurgia de precisão; é uma bomba que devasta tudo ao redor.

Ghost of Yōtei

Jin Sakai sacrificou sua identidade para se tornar um símbolo e salvar seu povo. Foi uma jornada do herói, ainda que trágica. A história de Atsu é a inversão completa desse arco. Ela sacrifica sua humanidade para reivindicar sua identidade, vingando seu passado. O brilhantismo da narrativa de Yotei está em sua coragem de não piscar. O jogo não glorifica a vingança; ele a disseca, mostrando-a como uma doença corrosiva que esvazia a alma. E, ao nos colocar no controle, ele nos torna cúmplices de cada passo nessa descida ao inferno, fazendo-nos temer não apenas por ela, mas pelo monstro que estamos ajudando a criar.

A Dança Furiosa da Vingança

Se o combate de Ghost of Tsushima era uma dança de samurai, precisa, paciente e mortal, regida pelas posturas da Pedra, Água, Vento e Lua, o de Ghost of Yotei é uma briga de faca num beco escuro. A essência está lá: os parries, as esquivas, a tensão dos duelos. Mas tudo foi refeito para refletir a alma de Atsu. Seu estilo é mais rápido, mais desesperado, mais sujo. A Sucker Punch abandonou o sistema de posturas tradicional, baseado no tipo de arma do inimigo, por algo muito mais íntimo e narrativo: os “Modos de Fúria”.

Ghost of Yōtei

A furtividade também foi transformada. Para Jin, ser o Fantasma era uma escolha tática, uma quebra dolorosa de seu código para um bem maior. Para Atsu, é instinto. Ela não se esconde como um ninja; ela espreita como uma predadora. As ferramentas são mais cruas, pedras para distrair, bombas de fumaça improvisadas, armadilhas rústicas. Os abates são mais viscerais, menos limpos. Há uma sensação palpável de que ela não está apenas eliminando guardas, mas caçando.

Ghost of Yōtei

Os duelos, o ápice do combate honrado em Tsushima, são aqui redefinidos como confrontos brutais. A câmera ainda se fecha, a música ainda cessa, mas a formalidade se foi. Os inimigos não esperam por um saque de espada cerimonial. Eles atiram terra em seus olhos, chutam, agarram. As arenas de duelo são frequentemente apertadas e cheias de objetos que podem ser usados. Um duelo pode terminar não com um golpe de misericórdia limpo, mas com Atsu empurrando a cabeça de um inimigo contra uma parede. É chocante, feio e absolutamente coerente com a personagem. O jogo intencionalmente nos nega a fantasia de poder limpa e honrada do samurai. Ele nos força a lutar como Atsu luta: para sobreviver, a qualquer custo. E há momentos em que, após um combate particularmente selvagem, a vitória não traz satisfação, apenas um gosto amargo de cinzas na boca.

O Fio que Tece o Mundo

Um dos maiores triunfos de Ghost of Tsushima foi como seus sistemas se entrelaçavam para criar um mundo orgânico. Em Yotei, esses mesmos sistemas foram retorcidos para servir a uma narrativa de obsessão e trauma. O Vento Guia, aquela ferramenta de navegação brilhante e minimalista, retorna, mas com um propósito diferente e assustador. Ele não nos leva mais a objetivos de missão ou pontos de interesse. Em vez disso, ao nos concentrarmos, o vento nos guia para “ecos”, locais ligados ao passado de Atsu, à sua vida antes da tragédia. Seguir o vento é seguir o rastro de sua dor, uma peregrinação constante por suas próprias ruínas. Os pássaros dourados não levam mais a itens cosméticos, mas a fragmentos de diários, brinquedos de infância ou outros resquícios da vida que lhe foi roubada, cada um adicionando uma nova camada de peso à sua busca.

Ghost of Yōtei

A árvore de habilidades reflete essa descida. Onde Jin evoluía para se tornar uma lenda, Atsu evolui para se tornar uma arma mais eficiente. Cada nova habilidade desbloqueada é apresentada não como uma melhoria, mas como uma “cicatriz” ou uma “lição amarga”. A descrição de uma técnica de assassinato múltiplo não fala de se tornar um fantasma, mas de “aprender que a hesitação custa vidas”. A progressão deixa de ser uma fantasia de poder e se torna uma crônica sombria de como a violência e o trauma moldam uma pessoa.

A reação do mundo a Atsu é talvez a mudança mais impactante. Em Tsushima, libertar acampamentos trazia paz e gratidão. Os camponeses se curvavam a Jin. Em Yotei, as ações de Atsu semeiam o caos. Matar um dos Seis, que talvez fosse um tirano, mas mantinha uma ordem brutal, pode mergulhar uma região inteira em uma guerra de gangues. Os NPCs não se curvam a Atsu com reverência; eles recuam com medo. Ouvimos sussurros nas aldeias, não sobre o “Fantasma de Yotei”, mas sobre a “mulher demônio”. O mundo não é um sistema estático que melhoramos, mas um ecossistema dinâmico que reage, muitas vezes de forma negativa, à sua presença violenta.

A Tinta e o Silêncio

Se Ghost of Tsushima era uma pintura em tela, vibrante e expansiva, Ghost of Yotei é uma gravura em xilogravura, talhada com linhas duras e um contraste brutal entre luz e escuridão. A mudança para o século XVII nos dá uma nova paleta visual. Vemos o início do período Edo, com sua arquitetura mais refinada e uma sensação de ordem que torna a violência de Atsu ainda mais chocante e transgressora. As cidades são mais densas, os castelos mais imponentes, mas há uma podridão por baixo da superfície que a direção de arte captura com perfeição.

Ghost of Yōtei

O uso da cor é a principal ferramenta narrativa visual. O mundo de Yotei é frequentemente desbotado, quase monocromático sob um céu cinzento e chuvoso. A Sucker Punch usa a cor com uma contenção deliberada, fazendo com que ela exploda na tela apenas em momentos chave. O amarelo vibrante do quimono que Atsu usava no dia da tragédia, que aparece em seus flashbacks; o verde doentio de um pântano envenenado; e, acima de tudo, o vermelho. O sangue aqui não é apenas um efeito; é um personagem. É a única cor que parece viva num mundo moribundo, manchando a neve, a seda e as mãos de Atsu com uma vivacidade horrível.

O design de som abandona a escala épica em favor de uma intimidade claustrofóbica. A trilha sonora é esparsa, muitas vezes dando lugar a um silêncio opressor que é quebrado apenas pelos sons do mundo, e da mente de Atsu. O foco está nos detalhes: o som áspero da respiração ofegante dela enquanto se esconde, o ruído molhado e doentio de sua lâmina encontrando a carne, o zumbido baixo que preenche o áudio quando ela está perto de um alvo, simulando sua adrenalina e obsessão. É um trabalho de áudio que não visa nos empolgar, mas nos enervar, nos colocar dentro da cabeça fraturada da protagonista.

A Alma na Máquina

Jogar Ghost of Yotei no PlayStation 5 é sentir a história nas mãos. A Sucker Punch não usou o hardware da nova geração apenas para melhorar os gráficos, mas para aprofundar a imersão de uma forma que beira o visceral. A velocidade, claro, é a primeira coisa que se nota. Os tempos de carregamento, já lendários no original, são aqui inexistentes. Viajar rapidamente pelo mapa é instantâneo, e morrer em combate resulta em um recomeço imediato. Isso não é apenas uma conveniência; é uma ferramenta narrativa crucial. Não há telas de carregamento para quebrar a tensão, para nos dar um momento de respiro da busca implacável de Atsu. A perseguição nunca para.

Ghost of Yōtei

Mas é o controle DualSense que rouba a cena e se torna um canal direto para a experiência da protagonista. A resposta tátil é implementada com uma sutileza e precisão assombrosas. Não é apenas uma vibração genérica. Sentimos a tensão sutil da corda de um arco sendo puxada, o rangido metálico de um parry que conecta por um triz, o impacto seco e pesado de um golpe que atravessa a guarda inimiga e abala os ossos de Atsu. Cada passo em terreno diferente, cada gota de chuva, cada farfalhar de folhas é traduzido em uma sensação física que nos aterra naquele mundo.

O Peso da Última Pétala

Quando o último dos seis nomes é riscado da lista, não há uma explosão de catarse. Não há alívio. O que resta é o silêncio. Um silêncio ensurdecedor que preenche o mundo e a alma de Atsu. Ghost of Yotei termina não com um ponto de exclamação, mas com uma reticência, forçando-nos a encarar a pergunta mais devastadora de todas: e agora? A vingança, que serviu como combustível, como propósito, como a única razão para existir, se foi. E em seu lugar, há apenas o vazio. O jogo não oferece uma vitória oca; ele oferece uma verdade muito mais complexa e dolorosa sobre a natureza do luto e do fechamento. Ele nos ensina que matar os monstros não exorciza os demônios.

O legado de Atsu será radicalmente diferente do de Jin Sakai. Jin se tornou uma lenda, um símbolo de esperança e resistência sussurrado ao redor das fogueiras, o fantasma que salvou uma nação. A história de Atsu, se for contada, será um conto de advertência, uma história de terror para assustar crianças. Ela não é o fantasma que liberta, mas o fantasma que assombra. Um espectro nascido da dor que só conseguiu gerar mais dor, deixando um rastro de cadáveres e caos que marcará aquela terra por gerações. E o mais trágico de tudo é que o fantasma que ela mais assombrará será ela mesma.

Ghost of Yōtei

Ghost of Yotei é uma obra-prima corajosa e difícil. Ele pega a fundação mecânica e artística de um dos melhores jogos da última década e a usa para construir algo totalmente novo: um estudo de personagem implacável, uma meditação sombria sobre o trauma e um questionamento profundo da fantasia de poder que tantos jogos de ação oferecem. Ele se recusa a nos dar respostas fáceis ou a satisfação limpa da justiça. Em vez disso, ele nos deixa com o peso de nossas ações, com a mancha de sangue em nossas mãos que não sai, não importa o quanto a esfreguemos.

Ghost of Yōtei

A imagem final do jogo ficará comigo por muito tempo. Atsu, sozinha, em um campo coberto de neve, a neve caindo suavemente sobre ela, sem fazer barulho. Sua missão está completa. Seu mundo está quieto. E ela nunca esteve tão perdida. A lâmina da memória corta dos dois lados. E uma vez que a vingança é saciada, a única pessoa que resta para ser cortada é você mesmo.

NOTA

10.0
★★★★★★★★★★

CONSIDERAÇÕES

Ghost of Yotei não é uma continuação, é uma ferida. A Sucker Punch recusa a fantasia de poder e nos entrega uma obra-prima desconfortável e corajosa sobre o vazio da vingança. É um jogo que não se joga para sentir prazer, mas para sentir o peso de cada vida tirada, culminando em uma das experiências mais emocionalmente honestas e devastadoras da geração. Uma jornada inesquecível que prova que o verdadeiro fantasma não é aquele que assombra os outros, mas o que resta dentro de nós quando tudo acaba.

Gustavo Feltes
Gustavo Feltes
Eu amo jogar, jogar é uma parte de mim. Cada história, momento, universo e gameplay me encantam. Eu não tenho restrições de jogos, cada célula do meu corpo clama por isso.
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