Em um mundo que nos serve tudo mastigado, Hell Is Us nos convida a respirar fundo, apagar a luz do conforto e navegar na penumbra da incerteza. Ele chega como um sussurro sombriamente refinado, onde cada passo é uma pergunta não respondida, cada silêncio carrega segredos, e nós somos arqueólogos da própria narrativa

Ecos da Guerra e da Perda
Rémi, um ex-soldado que já tentou vestir a farda da paz, larga para trás o posto e o peso das ordens. Ele caminha agora por Hadea, uma terra partida pela guerra civil e infectada por uma calamidade que não se explica, mas se sente na pele em procura de seus pais desaparecidos. Carregado pelo vazio das perdas e pelos cacos de lembranças que ainda resistem, sua estrada não é feita de palavras, mas de silêncios que esmagam, olhares que cortam e ecos de uma civilização que parece mais morta do que viva.

A Lâmina e o Caminho
O jogo não pega na tua mão. Não há mapas digitais, setas coloridas ou aquela bússola que insiste em gritar o caminho certo. O rumo nasce da intuição e da atenção. Você se torna estrangeiro em uma terra que não quer ser desvendada, onde cada palavra solta de um morador, cada ruína torta, cada objeto esquecido no chão serve como guia. A exploração é crua, quase arqueológica, como se a história estivesse escondida em rachaduras do mundo e coubesse a você juntar os cacos para desvenda-la.
Ritual de Sobrevivência
O combate carrega aquele sabor de soulslike, mas sem o peso esmagador de uma punição sem fim. A diferença está na forma de se manter vivo: a cura não é apenas item, é conquista. Depois de acertar alguns golpes, a energia do inimigo se torna fagulha em você, permitindo recuperar um pouco da vida. Eu, que não tenho muita experiência em soulslike, me curar e pegar o timing dos hits foi um pouco complicado, mas nada que fosse terrivelmente difícil de compreender. Mas o jogo não te dá trégua, vida e estamina caminham lado a lado, como se fossem o mesmo fio respirando junto. Se a barra de vida está baixa, a estamina também sangra, deixando Rémi lento, frágil, vulnerável ao ponto de se tornar quase obsoleto diante de qualquer erro. Aqui, não é só a força do ataque que importa, mas a consciência do risco: cada golpe pode ser uma chance de sobreviver… ou a assinatura da sua queda.

No jogo também existem as opções de aprimorar os equipamentos e de utilizar glifos, que funcionam como verdadeiras skills adicionais, podendo ser aplicados diretamente em suas armas durante os combates. Esses glifos são divididos em diferentes categorias elementais, cada uma trazendo um efeito próprio e uma identidade única. Entre eles temos o da Ira, que desperta um poder mais agressivo e explosivo; o do Luto, que carrega uma aura melancólica e pesada; o Neutro, que se mantém equilibrado e versátil; o do Terror, que inspira medo e desequilíbrio nos inimigos; e o da Êxtase, que libera uma energia quase transcendental.
Além desse sistema, o jogo também conta com uma grande variedade de Puzzles e Enigmas que vão muito além do básico. É possível desde explorar ruínas esquecidas, analisar detalhes arquitetônicos e descobrir passagens secretas escondidas no cenário, até resolver códigos complexos e desbloquear senhas em computadores antigos. Cada desafio traz recompensas em forma de faíscas de conhecimento e pedaços perdidos da história, permitindo que nós montemos aos poucos o quebra-cabeça narrativo e consiga avançar ainda mais dentro desse universo.
Beleza no Caos
O visual de Hell is Us não é feito para ser bonito, é feito para ser sentido. Tudo nele carrega um peso de melancolia misturado com uma beleza brutal, que parece nascer das próprias ruínas. É um mundo que lembra aquelas distopias de livros, tipo Roadside Picnic, onde as trincheiras, os escombros e os restos de civilização falam mais alto do que qualquer diálogo.

Ainda assim, há falhas que quebram parte da imersão. O protagonista às vezes parece deslizar, como se não tivesse o peso real de um corpo naquele espaço, e a câmera oscila, como se também buscasse encontrar seu lugar naquele mundo estranho. A iluminação, junto com o HDR, divide opiniões: para alguns é intensidade, para outros é excesso, uma claridade que poderia ser melhor lapidada. Mas mesmo nesses tropeços, a atmosfera se mantém, densa, sufocante e quase viva, como se o jogo quisesse te engolir ao invés simplesmente de te mostrar um cenário.

A mecânica do modo foto, não é somente um recurso, é quase um convite ao silêncio. Em vários momentos, larguei a espada e me perdi nesse olhar suspenso, parando o tempo para absorver cada detalhe de uma distopia que é ao mesmo tempo quebrada e bela. Entre escombros de guerras que já não gritam e monstros que parecem mais relíquias obsoletas do que ameaças, encontrei uma estranha poesia de uma terra devastada que ainda insiste em mostrar fragmentos de beleza, e de uma humanidade frágil que tenta resistir com o que resta de esperança. Ali congelando imagens, percebi que não era só sobre sobreviver, era sobre testemunhar uma luta silenciosa por sentido, em um mundo que já havia abandonado a paz, mas não a necessidade de ser lembrado.
O Peso da Existência
Na performance técnica, o jogo aparentemente é estável, embora em máquinas exigentes possam surgir travamentos e crashes, como aconteceu comigo em meio a uma cutcscene, especialmente em modos visuais mais pesados. Ainda assim, nas minhas configurações RTX 4060, B550m, 32 de Ram e um Ryzen 7 5700, a imersão parece resistir, quem caminha nessa terra devastada, não o faz por gráficos impecáveis, mas por densidade emocional e física.
Quando o Silêncio Fala
Imagine um fio fino de neblina que se espalha num vale arrasado. Hell Is Us não te dá lanterna, te dá olhar. Ele não te guia com bússolas mas sim, te ensina a ouvir o vento. Aqui, a jornada não é apenas de golpes e enigmas, é a experiência viva do que a perda, guerra e luta podem fazer com você.
Sentimos Rémi respirar sob a máscara da guerra, cada músculo tenso, o poncho emprestado que se funde à sua carne; ali, entre ruínas, entre cacos de humanidade, a graça do jogo nasce. Ele se recusa a pintar linhas limpas, prefere rachaduras por onde entram memórias. E se você permitir, ele vai te arrebatar, sem se entregar fácil, mas tocando fundo, realista e visceral.

Se você busca apenas ação rápida e gratificação imediata, talvez se frustre. Mas se estiver disposto a experimentar uma mistura de combate, exploração e contemplação poética, então esteja preparado. Hell Is Us não é só sobre sobreviver é sobre sentir o peso de existir em um mundo que já desistiu da paz, mas ainda implora para ser lembrado.
NOTA
CONSIDERAÇÕES
Hell Is Us não é um jogo que se explica, é um que se sente. Entre sombras e silêncios, ele revela a beleza na ruína. Não entrega certezas, apenas caminhos partidos. E é nesse vazio que ele encontra sua força.
