Existe um tipo de curiosidade mórbida que acomete críticos, uma vontade quase masoquista de mergulhar de cabeça naquilo que, à distância, já parece um desastre anunciado. Foi com esse espírito, uma mistura de dever profissional e fascínio pelo bizarro, que eu decidi abrir a porta para Horror Night with Tung Tung Tung Sahur. O nome, por si só, soa menos como o título de um jogo e mais como o refrão de uma febre coletiva, uma daquelas anomalias digitais que nascem e morrem nos cantos mais estranhos da internet.
A premissa é tão familiar que chega a ser um afago irônico: meu carro quebra no meio de uma floresta, sem sinal de celular, e a única salvação aparente é uma mansão sinistra no topo de uma colina. É o abecedário do terror, a cartilha que todo fã do gênero já decorou. Mas a familiaridade acaba no momento em que a porta range e se abre sozinha. O que me aguardava lá dentro não era um fantasma gótico ou um assassino mascarado, mas a encarnação de um meme, um pedaço de madeira com olhos esbugalhados que se move ao som de sua própria batida. Os desenvolvedores, em um ato de transparência quase chocante, admitem o uso de inteligência artificial na criação de gráficos e diálogos. E é aí que a verdadeira questão se impõe, a pergunta que guiou cada passo meu por aqueles corredores mal renderizados: pode um jogo nascido do caos efêmero de um meme, costurado com a ajuda de algoritmos, aspirar a ser algo mais do que uma piada passageira? Eu estava prestes a descobrir, e suspeitava que a resposta não seria bonita.
Um Pesadelo Nascido de um Meme
Se a estrutura de uma história é seu esqueleto, a de Horror Night é uma pilha de ossos desconexos encontrada no porão. A narrativa começa com o já mencionado clichê da mansão mal-assombrada, mas rapidamente abandona qualquer pretensão de seriedade. Meu primeiro encontro com a criatura titular, Tung Tung Tung Sahur, não foi aterrorizante. Foi… perplexo. Ali estava ele, um bloco de madeira ambulante, batendo seu tambor invisível, um pesadelo saído não das profundezas do inferno, mas de um feed do TikTok. Ele não quer me matar de imediato; ele quer “brincar”. Uma ameaça que soa mais como um convite para uma festa infantil bizarra do que um prenúncio de morte.

O elenco de apoio apenas aprofunda a dissonância. Temos Tralalero Tralala, um tubarão de tênis que, segundo o próprio jogo, poderia ser minha única esperança “se parasse de girar em círculos por cinco segundos”. E há também a Ballerina Cappuccina, uma xícara de café dançarina. Eles não são personagens; são participações especiais de um universo de memes que não faz o menor esforço para se integrar a uma trama coesa. Em meio a essa parada de absurdos, surge um objetivo surpreendentemente sério: preciso usar uma câmera especial para documentar os “crimes” de Tung Tung Tung Sahur e expô-lo. A justaposição é gritante. Como posso me sentir investido em uma missão de coletar evidências contra um vilão cuja própria existência é uma piada?
É essa a falha fundamental que percorre toda a experiência. A história não consegue decidir se é uma paródia ou um jogo de terror sério. Ela oscila desajeitadamente entre os dois, sem nunca se comprometer com nenhum. O resultado é um vácuo narrativo. Não há tensão porque os antagonistas são ridículos demais para serem temidos. Não há humor eficaz porque a estrutura tenta, a todo custo, se agarrar a tropos de terror batidos. No fim, a história de Horror Night não é nem assustadora, nem engraçada. Ela simplesmente existe, um monumento à sua própria falta de propósito, um eco oco da batida incessante de seu protagonista de madeira.
O Jogo do Gato e do Rato de Madeira
O coração de um jogo de terror de sobrevivência pulsa no ritmo da perseguição. É a dança tensa entre o caçador e a presa, um balé de esconderijos e fugas desesperadas. Em Horror Night, essa dança se assemelha mais a um tropeço constante em um palco mal iluminado. O ciclo de jogo é simples: explorar a mansão, resolver quebra-cabeças para encontrar chaves e itens, tudo isso enquanto o som de “TUNG. TUNG. TUNG. SAHUR” ecoa pelos corredores, sinalizando a aproximação do perigo. A intenção é clara: criar uma atmosfera de pavor constante, onde cada sombra pode esconder o inimigo.
A execução, no entanto, transforma a intenção em uma comédia de erros. O problema central reside na inteligência artificial do nosso perseguidor de madeira. Prometida como “imprevisível”, ela é, na prática, espetacularmente quebrada. Em um momento, Tung Tung Tung Sahur me enxergava através de paredes sólidas, materializando-se na minha frente sem aviso, uma trapaça que não gera medo, apenas frustração. No momento seguinte, eu podia passar a um metro de distância dele, no meio de um corredor iluminado, e ele permanecia completamente alheio à minha presença, como se estivesse perdido em seus próprios pensamentos percussivos.

Essa inconsistência aniquila qualquer vestígio de tensão. Um monstro que não segue regras não é assustador, é apenas irritante. Um monstro que é ocasionalmente cego e surdo não é uma ameaça, é um objeto de pena. O jogo de esconde-esconde, que deveria ser o pilar da experiência, desmorona. Eu não estava mais tentando ser mais esperto que um predador astuto; estava lutando contra um código defeituoso. A sensação predominante não era de medo, mas de exasperação. Cada encontro com o inimigo era uma roleta de bugs, e o verdadeiro horror não era ser pego, mas sim testemunhar a fragilidade técnica que sustentava toda a experiência.
Uma Câmera, uma Arma e Muita Confusão
Para sobreviver à noite, o jogo me entrega um pequeno arsenal de ferramentas, cada uma parecendo ter sido retirada de um jogo de terror mais competente e enxertada aqui sem muito cuidado. A primeira é a “Camaroid”, uma câmera fotográfica que serve para revelar segredos e coletar as tais “evidências”. A ideia de usar uma câmera para interagir com o sobrenatural não é nova. Fatal Frame fez disso uma arte, mas aqui a execução é pedestre. Tirar fotos de objetos específicos para destravar a próxima etapa de um quebra-cabeça rapidamente se torna uma tarefa repetitiva, um exercício de apontar e clicar que carece de qualquer engenhosidade ou recompensa.
Depois, há a pistola. Em um jogo de sobrevivência, uma arma geralmente representa uma mudança de poder, um breve momento de empoderamento contra o opressor. Aqui, a pistola serve apenas para “atrasar” Tung Tung Tung Sahur. Um tiro o atordoa por alguns segundos, permitindo uma fuga rápida. A sensação é de ineficácia. Não há estratégia real em seu uso; é apenas um botão de pânico glorificado, um recurso que parece ter sido adicionado para preencher uma lacuna na lista de “coisas que jogos de terror têm”.
E, por fim, os quebra-cabeças. Descritos como “mortais”, eles se revelam, na maioria das vezes, “sem sentido”. A lógica por trás deles é frequentemente arbitrária, dependendo mais de tentativa e erro do que de dedução inteligente. Encontrar um cartão-chave em um lugar para abrir uma porta em outro é o máximo de complexidade que se pode esperar. O que fica claro é que as mecânicas de Horror Night são uma colcha de retalhos de ideias emprestadas. Elas existem em forma, mas não em função. São peças de uma máquina que nunca foi montada corretamente, resultando em um sistema de jogo que não é nem desafiador, nem satisfatório, apenas funcional no sentido mais básico da palavra.
A Estética do Caos (e da IA)
Se a experiência de jogar Horror Night é um ataque à paciência, sua apresentação é um ataque aos sentidos. Visualmente, o jogo é uma viagem a uma era passada do design de jogos independentes, mas sem o charme retrô. Os ambientes da mansão são compostos por texturas de baixa resolução, modelos de objetos simplistas e uma iluminação que parece ter apenas duas configurações: escuridão total ou luz de consultório médico. A palavra que me vinha à mente repetidamente era “genérico”, mas até isso seria um elogio. A estética é, por vezes, simplesmente feia.

Essa falta de coesão artística encontra sua explicação na já mencionada confissão dos desenvolvedores sobre o uso de IA para gerar gráficos. E faz todo o sentido. O jogo parece uma colagem de ativos digitais que não conversam entre si, um pastiche sem alma criado por um algoritmo que entende a forma de uma cadeira ou de um quadro, mas não a alma de um ambiente. A direção de arte é a ausência de direção. É a estética do “brainrot” em sua forma mais pura: um caos visual, disforme e desprovido de qualquer toque humano.
O design de som segue a mesma filosofia. A paisagem sonora é composta por efeitos de áudio que parecem ter sido retirados de uma biblioteca gratuita. Portas rangem, passos ecoam, e o ocasional jumpscare é anunciado por uma explosão sonora estridente e barata. E, claro, há a batida. O “TUNG. TUNG. TUNG.” é onipresente, uma trilha sonora repetitiva que passa de ameaçadora a irritante em questão de minutos. Não há sutileza, não há construção de atmosfera. O áudio, assim como os visuais, não serve para imergir o jogador, mas para agredi-lo com estímulos grosseiros, em uma tentativa desesperada de provocar uma reação — qualquer reação.
Quando o Monstro é a Taxa de Quadros
Eu joguei Horror Night with Tung Tung Tung Sahur em uma máquina mais do que capaz de rodar os títulos mais exigentes do mercado: um processador Ryzen 7 5700X, uma placa de vídeo RTX 4060 e 32 GB de memória RAM. Um computador que deveria, em teoria, mastigar um jogo com gráficos tão simplistas e cuspir quadros por segundo na casa das centenas. A realidade, no entanto, foi um espetáculo de inépcia técnica.
Apesar da simplicidade visual, o jogo sofria com quedas de quadros inexplicáveis, engasgos e uma otimização tão precária que chegava a ser ofensiva. Corredores vazios causavam quedas bruscas de desempenho, enquanto momentos de suposta ação rodavam de forma relativamente suave. Não havia rima ou razão. A discrepância entre os requisitos mínimos (um processador de mais de uma década atrás e uma GTX 1050) e os recomendados (uma RTX 3060) já era um sinal de alerta, mas a experiência real foi pior do que eu esperava.
O problema aqui transcende a desculpa do “charme indie” ou do baixo orçamento. A performance de um jogo em um hardware potente é um dos indicadores mais claros do cuidado e da competência de seus desenvolvedores. Rodar mal em um PC de ponta, com visuais que parecem de duas gerações atrás, não é um deslize; é um sintoma de um produto lançado às pressas, sem o polimento técnico mais básico. O verdadeiro monstro da mansão não era o pedaço de madeira ambulante; era a taxa de quadros instável, os bugs que quebravam a progressão e a sensação de que meu computador estava sendo desrespeitado por um software que mal conseguia se manter de pé.
Vale a Pena Atender à Batida?
Ao final da minha breve e tumultuada estadia na mansão de Tung Tung Tung Sahur, a pergunta que me fiz não era se o jogo era “bom” ou “ruim”. Esses termos parecem inadequados, insuficientes para capturar a natureza desta anomalia. Julgá-lo pelos padrões de um jogo de terror convencional é como julgar um peixe por sua habilidade de escalar uma árvore. Ele falha em quase todos os quesitos técnicos e de design: a IA é uma piada, os gráficos são feios, a história é inexistente e o desempenho é atroz.

E, no entanto, há uma estranha honestidade em seu fracasso. O jogo é a personificação perfeita do “brainrot” que o inspirou. É caótico, sem sentido, malfeito e, de alguma forma, magneticamente bizarro. É um produto de seu tempo, um espelho que reflete a cultura de conteúdo descartável, de memes que viram mercadoria da noite para o dia, de criatividade assistida por algoritmos. Ele não é um jogo para ser jogado em busca de medo ou diversão no sentido tradicional. É uma peça de performance, um experimento social interativo sobre os limites do absurdo.
Então, vale a pena atender à batida? Para a esmagadora maioria das pessoas, a resposta é um sonoro e inequívoco “não”. A experiência é frustrante, feia e, em última análise, uma perda de tempo. Mas para aquele nicho específico de jogadores, os arqueólogos da cultura da internet, os apreciadores do “tão ruim que é bom”, os que encontram um prazer perverso em testemunhar um desastre em câmera lenta, talvez haja algo aqui. Talvez a única forma de “vencer” Horror Night seja se render ao caos, rir dos bugs, abraçar a feiura e entender que o verdadeiro horror não está no jogo, mas no fato de que ele existe. É uma experiência, sem dúvida. Mas é uma que eu, pessoalmente, não tenho a menor intenção de repetir. A porta está fechada, e espero que permaneça assim.
NOTA
CONSIDERAÇÕES
Horror Night with Tung Tung Tung Sahur é um desastre técnico e, ao mesmo tempo, uma perfeita cápsula do tempo da cultura "brainrot" da internet. Com uma jogabilidade quebrada, visuais feios e desempenho atroz, ele falha em todos os fundamentos de um bom jogo. Sua única redenção, se é que se pode chamar assim, é a honestidade com que abraça o caos e o absurdo de sua própria existência, tornando-se uma experiência mais interessante como um artefato cultural bizarro do que como um jogo para ser jogado. Não recomendo para quem busca um bom jogo de terror, mas para os arqueólogos da cultura digital que querem testemunhar um fenômeno, pode valer a espiada. É um jogo que você não joga; você observa, como quem olha para um acidente de trem em câmera lenta.
