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Review | Hotel Galactic (PC)

Check-in: Uma Promessa Banhada a Néon e Nostalgia

Havia uma promessa no ar, daquelas que a gente sente antes mesmo de apertar o play. Hotel Galactic não se apresentou a mim como um jogo, mas como um convite. Um convite para um mundo pintado à mão com os pincéis de Hayao Miyazaki, uma fantasia nostálgica de ficção científica onde a rotina de gerenciar um hotel intergaláctico seria o veículo para uma história comovente. As imagens promocionais, repletas de criaturas adoráveis e arquitetura que desafia a gravidade, sussurravam sobre uma experiência aconchegante, um refúgio contra o cinismo do mundo real. Era, em essência, a promessa de um sonho jogável.

Hotel Galactic

Eu, confesso, comprei a passagem sem hesitar. A premissa de restaurar um hotel decadente numa ilha flutuante, guiada pelo fantasma de seu antigo dono, parecia a mistura perfeita de Spirited Away com um simulador de gestão. A Ancient Forge, desenvolvedora do jogo, orgulhosamente anunciava que nenhuma inteligência artificial havia sido usada na criação de sua arte, um atestado de paixão que, em tempos de automação criativa, soava como música.

Uma Trama de Vingança e Papel de Parede

No coração de Hotel Galactic pulsa a história de Gustav, o fantasma melancólico que assombra os corredores de seu antigo império hoteleiro. Ele não é um espectro assustador, mas uma figura trágica, preso entre a memória de um amor perdido e um desejo ardente de vingança contra o conglomerado burocrático conhecido como Corpo de Paz Galáctico, a entidade que o levou à ruína. Nós, os jogadores, assumimos o papel de um espírito etéreo e sem rosto, uma espécie de força da natureza gerencial convocada para reerguer o hotel e, por tabela, ajudar Gustav a encontrar a paz.

A premissa é potente. Há um elenco de apoio com personagens que possuem suas próprias histórias entrelaçadas com a de Gustav, como o chef Maklo e a taxista Felicia, cada um carregando o peso de um passado complexo. A narrativa, que no estado atual de Acesso Antecipado nos entrega apenas o primeiro de três atos planejados, se esforça para ser o “conto sincero” que promete ser. Os diálogos são bem escritos, e há momentos em que a vulnerabilidade dos personagens transparece, criando lampejos de genuína emoção.

Hotel Galactic

O problema, no entanto, é que é imensamente difícil se conectar com a tragédia existencial de um fantasma quando a sua principal preocupação é a logística de levar um pano de chão molhado do porão para o terceiro andar. A história de Hotel Galactic sofre de uma severa crise de dissonância ludonarrativa. Ela nos pede empatia, mas as ferramentas que nos dá para interagir com seu mundo exigem uma mentalidade de gerente de fábrica no turno da noite. A narrativa quer que você sinta, mas a jogabilidade exige que você clique, arraste e otimize incessantemente. O resultado é que o conto comovente se torna um ruído de fundo, uma novela que você ouve de longe enquanto tenta desesperadamente consertar um encanamento quebrado. A trama de vingança e redenção acaba competindo por atenção com a escolha do papel de parede para o quarto de hóspedes, e na maioria das vezes, o papel de parede vence.

Sobre o Prazer e a Penitência da Gestão

E aqui, cara leitora, cara leitor, chegamos ao epicentro do terremoto, a razão pela qual as avaliações de Hotel Galactic são um campo de batalha. A jogabilidade, o ato de, de fato, gerenciar este hotel, é uma experiência de extremos. De um lado, a liberdade criativa de construir quartos modulares, decorar cada cantinho e criar um cardápio exótico para seus hóspedes alienígenas. Do outro, uma rotina de microgerenciamento tão punitiva que faz qualquer trabalho de escritório parecer férias no Caribe.

Minhas primeiras horas foram uma sucessão de cliques tediosos e esperas intermináveis. Seus funcionários, criaturas adoráveis que sejam, movem-se com a urgência de uma preguiça dopada e só conseguem carregar um item por vez. Precisa construir uma cama? Um funcionário buscará um pedaço de madeira. Depois, outro funcionário buscará o segundo pedaço. O elevador, o único meio de transporte vertical no início, torna-se um gargalo de tráfego cósmico. Tudo, desde cortar uma árvore até limpar um quarto, parece levar uma eternidade. A sensação predominante não é de “aconchego”, mas de uma frustração profunda, de estar lutando contra as próprias ferramentas do jogo.

Hotel Galactic

A Ancient Forge defende essa filosofia de design. Eles argumentam que esses “passos tediosos” são a base para uma “progressão satisfatória”, onde a automação e as melhorias, conquistadas com muito suor, se tornam mais “merecidas”. É uma tese ousada, que essencialmente confunde penitência com prelúdio. A questão é: por quanto tempo um jogador precisa sofrer para que a diversão se torne gratificante? O jogo esconde suas melhorias de qualidade de vida, como automação de limpeza ou escadas, no fundo de uma árvore de pesquisa que depende de um recurso gerado aleatoriamente pela felicidade de espécies específicas de hóspedes.

Isso revela a verdadeira identidade de Hotel Galactic. Ele se veste com as roupas de um “cozy game”, mas por baixo bate o coração de um simulador de progressão hardcore. Não há nada de errado com isso, mas a embalagem vende um produto e entrega outro. A demo, aclamada por muitos, provavelmente ofereceu uma fatia curada e acelerada dessa experiência, escondendo a realidade da labuta a longo prazo, o que pode ter levado muitos a se sentirem enganados ao comprar a versão de Acesso Antecipado. O jogo não é necessariamente ruim em sua proposta, mas é terrivelmente mal comunicado em sua identidade, criando um abismo entre a expectativa do jogador e a realidade mecânica.

A Beleza que Dói e a Música que Acalma

Se a jogabilidade de Hotel Galactic é seu calcanhar de Aquiles, sua apresentação audiovisual é sua alma redentora. E que alma. Cada tela é uma obra de arte, um testemunho do talento e da dedicação da equipe de artistas. O estilo, que vai além da simples inspiração em Ghibli, tem uma identidade própria, com uma “linguagem de formas” que utiliza contornos suaves e arredondados para criar uma sensação de conforto e segurança, e uma paleta de cores que evoca uma nostalgia calorosa. Os detalhes são primorosos: a animação de um pequeno hóspede deixando sua mala no quarto antes de descer para o saguão, a forma como as luzes do hotel brilham contra a escuridão do espaço, as baleias celestiais que passam lentamente sobre a ilha.

A trilha sonora, composta por Zofia Domaradzka, é o complemento perfeito. As melodias são serenas e sonhadoras, criando uma atmosfera que convida à calma e à contemplação. O design de som também é notável, com pequenos ruídos que dão vida ao hotel, como o “pitter-patter” dos pés dos funcionários e hóspedes correndo pelos corredores.

Hotel Galactic

Essa excelência artística, no entanto, torna as falhas do jogo ainda mais dolorosas. A beleza estonteante serve como um lembrete constante do jogo que Hotel Galactic poderia ser. A imersão criada por essa arte primorosa é violentamente quebrada quando um personagem fica preso numa parede, uma missão crucial se recusa a ser ativada ou o jogo simplesmente congela. A frustração transcende o mero aborrecimento com um bug; torna-se uma tristeza profunda por ver um mundo tão belo e cheio de amor ser traído por sua própria infraestrutura técnica. A maior força do jogo, paradoxalmente, funciona como uma lente de aumento para suas maiores fraquezas.

O Desempenho em um Palácio de Silício

Vamos ser claros: eu joguei Hotel Galactic em uma máquina mais do que capaz de lidar com ele. Com um processador Ryzen 7 5700X, uma placa de vídeo RTX 4060 e 32 GB de RAM, meu computador está bem acima das especificações recomendadas pelo estúdio. Qualquer problema de desempenho, portanto, não pode ser atribuído ao meu hardware, mas sim, e unicamente, ao estado do software.

E problemas, meus amigos, não faltaram. Em minha própria experiência, encontrei uma variedade de falhas: funcionários que se perdiam no limbo das paredes, itens que se recusavam a ser construídos, quedas bruscas de quadros e um congelamento completo que exigiu um reinício forçado.

Uma Suíte de Luxo em Obras

Ao final da minha estadia, a sensação que fica é a de visitar um hotel de luxo magnífico que ainda está em plena construção. A suíte presidencial foi projetada por um arquiteto genial, os móveis são de um design primoroso e a vista da janela para a galáxia é de tirar o fôlego. O único problema é que ainda há andaimes do lado de fora, os fios elétricos estão expostos e o encanamento é, na melhor das hipóteses, uma sugestão.

Hotel Galactic

Hotel Galactic é um paradoxo. É uma obra de arte sublime presa no corpo de um jogo quebrado. É uma experiência que se vende como aconchegante, mas que frequentemente gera estresse. É uma história comovente que você mal consegue ouvir por cima do barulho da britadeira da jogabilidade. Ele possui a fundação para ser algo verdadeiramente especial, um clássico do gênero. Mas, em seu estado atual, ele está “severamente mal cozido”.

Não posso, em sã consciência, recomendar uma reserva imediata. O que posso fazer é apontar para a maquete do projeto e dizer: “Olhem, vejam o potencial glorioso que existe aqui”. Hotel Galactic é uma lição sobre como a ambição, sem uma execução técnica e um design coeso, pode se tornar uma armadilha. A questão que fica para o jogador não é “devo comprar este jogo?”, mas sim “estou disposto a ser um patrono das artes, financiando uma visão magnífica enquanto ela ainda está sendo construída de forma caótica, ou sou um hóspede em busca de um quarto confortável e pronto para morar agora?”. A resposta a essa pergunta definirá sua relação com este belo, frustrante e inesquecível hotel em obras.

NOTA

6.5
★★★★★★★★★★

CONSIDERAÇÕES

Hotel Galactic é uma obra de arte esperando para acontecer. É uma promessa magnífica, atualmente soterrada por uma jogabilidade frustrante e uma instabilidade técnica que beira o amadorismo. É um jogo para se manter no radar, mas talvez não na sua biblioteca... ainda. O futuro deste hotel depende exclusivamente da capacidade dos seus construtores de consertar as fundações antes que o prédio inteiro desabe sob o peso de sua própria ambição.

Gustavo Feltes
Gustavo Feltes
Eu amo jogar, jogar é uma parte de mim. Cada história, momento, universo e gameplay me encantam. Eu não tenho restrições de jogos, cada célula do meu corpo clama por isso.
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