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Review | Little Nightmares III (PC)

Há jogos que a gente joga, e há jogos que ficam com a gente. Eles se infiltram nos cantos escuros da nossa mente, constroem um pequeno ninho e assombram nossos pensamentos muito depois de os créditos rolarem. Little Nightmares e sua sequência foram exatamente isso para mim: experiências viscerais, obras de arte jogáveis que entendiam que o verdadeiro terror não vem de um monstro pulando na sua cara, mas da sensação opressiva de ser pequeno e impotente em um mundo grotescamente grande e indiferente. Era a arte da Tarsier Studios em seu auge, uma visão tão particular, tão delicada e tão brutal que parecia irremovível.

Então, a notícia caiu como uma bigorna: a Tarsier estava fora. A Bandai Namco, dona da propriedade, entregou as chaves do Lugar Nenhum para a Supermassive Games. E eu, como todo mundo, fiquei com o pé atrás. Não me entenda mal, a Supermassive sabe fazer terror. Until Dawn é um clássico moderno. Mas o terror deles é outro. É o terror do cinema, das escolhas, das consequências, do roteiro com galhos e ramificações. Little Nightmares é o terror de um conto de fadas macabro, sussurrado, que não se explica. A pergunta que me guiou por cada segundo de Little Nightmares 3 não era se ele era um bom jogo, mas se ele ainda tinha alma. Se, debaixo daquela camada de tinta tão familiar, o coração da série ainda batia ou se o que eu estava jogando era apenas um eco, uma imitação tecnicamente perfeita, mas assustadoramente vazia.

Dois Nomes na Escuridão

Nesta nova viagem, não seguimos os passos de Six ou Mono. Nossos guias são Low e Alone, duas novas crianças perdidas em um canto do Lugar Nenhum chamado A Espiral. Low, com sua máscara de pássaro e um arco improvisado; Alone, com seu capacete de aviador e uma chave inglesa pesada. Como sempre, a história é contada sem uma única palavra de diálogo. Tudo está nos gestos, nos cenários, na maneira como eles se ajudam a superar um obstáculo. Seus próprios nomes são um poema triste, prenúncios de um estado de espírito, de um destino.

Little Nightmares 3

E a jornada deles tem momentos genuinamente tocantes. A premissa de dois amigos se apoiando para sobreviver a um inferno compartilhado é poderosa. O problema é que a história parece ter pressa de acabar. Com apenas quatro capítulos, que podem ser concluídos em cerca de quatro horas, a narrativa termina no exato momento em que deveria começar a se aprofundar. Mal temos tempo de nos apegarmos a Low e Alone, de entendermos a dinâmica deles, e o jogo acaba. Parece um prólogo estendido, uma configuração para uma história que nunca é contada.

Isso torna o clímax, que envolve uma revelação sobre a natureza da relação dos dois, muito menos impactante do que deveria ser. A ideia por trás do final é devastadora, a sugestão de que Alone talvez seja apenas uma manifestação da solidão de Low, uma amiga imaginária que ganhou forma no Lugar Nenhum. É o tipo de reviravolta que, se bem construída, te deixaria olhando para a tela, de coração partido, como o final de Little Nightmares 2 fez. Mas aqui, ela soa oca. O jogo passa o tempo todo vendendo a ideia de cooperação, de parceria, fazendo de sua mecânica principal um testamento à amizade, apenas para dizer no último minuto: “E se nada disso fosse real?”. A falta de tempo de desenvolvimento narrativo transforma o que deveria ser uma tragédia em um truque barato, uma contradição que mina tanto a história quanto a própria jogabilidade que a sustenta.

A Dança das Ferramentas

No papel, a jogabilidade de Little Nightmares 3 evolui a fórmula de maneira lógica. A estrutura de plataforma 2.5D, que mistura quebra-cabeças ambientais com sequências de furtividade e perseguições de roer as unhas, está toda aqui. A grande novidade é a dinâmica entre os protagonistas. Low usa seu arco para acertar alvos distantes, cortar cordas ou derrubar objetos. Alone usa sua chave inglesa para quebrar barreiras, girar mecanismos ou esmagar inimigos atordoados.

É uma ideia excelente, que força a cooperação. Mas a execução é… desigual. A grande maioria dos quebra-cabeças é dolorosamente simples. Onde os jogos anteriores exigiam observação e um pouco de experimentação, aqui a solução é quase sempre óbvia. Puxe uma alavanca, peça para seu parceiro subir, atire uma flecha. Repita. A tensão que vinha do desafio desapareceu, substituída por uma cadência que beira o “aconchegante”, uma palavra que nunca deveria ser usada para descrever um jogo desta série.

Little Nightmares 3

Pior ainda é o desequilíbrio entre os personagens. Low é claramente o protagonista do gameplay. Seu arco é essencial para a progressão em quase todos os cenários. Alone, por outro lado, muitas vezes se resume a ser a “força bruta”, quebrando uma parede aqui, girando uma manivela ali. Jogando com um amigo, é comum que o jogador de Alone passe um bom tempo apenas esperando o jogador de Low resolver a parte principal do enigma. Isso quebra a fantasia de uma parceria de iguais e transforma um dos jogadores em um mero coadjuvante. A impressão que fica é que, na tentativa de criar um jogo cooperativo acessível, a Supermassive lixou todas as arestas, removeu todo o atrito, e no processo, removeu também grande parte do que tornava o gameplay da série tão especial e tenso.

Fios que nos Prendem

E isso me leva ao coração mecânico do jogo, e ao seu maior e mais inexplicável erro: o modo cooperativo. A inclusão de um modo para dois jogadores foi a principal bandeira de marketing de Little Nightmares 3, a grande evolução prometida. E, de fato, jogar com um amigo online funciona. O jogo até oferece um “Passe de Amigo”, permitindo que você convide alguém que não comprou o jogo para a jornada completa, o que é um toque simpático. Mas a Supermassive cometeu um pecado capital: não há modo cooperativo local.

Little Nightmares 3

Deixe-me repetir: um jogo sobre intimidade, vulnerabilidade e apoio mútuo em face do terror não pode ser jogado por duas pessoas sentadas no mesmo sofá. É uma decisão de design tão fundamentalmente equivocada, tão surda ao apelo da própria franquia, que beira o inacreditável. Little Nightmares é uma experiência de aconchego, de se encolher debaixo de um cobertor, de reagir aos sustos e às vitórias do seu parceiro ao lado. Transformar isso em uma interação online, mediada por fones de ouvido e uma conexão de internet, esteriliza a experiência. A comunicação não-verbal, os gritos compartilhados, a sensação de cumplicidade no mesmo espaço físico… tudo isso se perde.

Essa escolha revela uma mentalidade que vê o “co-op” não como uma experiência a ser cultivada, mas como um item em uma lista de recursos na parte de trás da caixa. É uma abordagem de produto, não de arte. E em um jogo que depende tanto da atmosfera e da conexão emocional, essa abordagem é fatal.

A Beleza Inquietante do Lugar Nenhum

Se há uma área onde Little Nightmares 3 não apenas acerta, mas brilha com uma luz doentia e hipnotizante, é em sua apresentação audiovisual. Aqui, a Supermassive não só replicou o DNA da série, como o fez com uma maestria impecável. O jogo é absolutamente deslumbrante. A direção de arte continua sendo um dos pontos mais fortes de todo o mercado de games, com seu senso de escala que te faz sentir como um inseto em uma casa de bonecas demoníaca.

Cada novo ambiente é um banquete para os olhos. A Necrópole, um deserto de areia e ruínas assombrado por um bebê gigante e monstruoso. A Fábrica de Doces, com suas máquinas borbulhantes e trabalhadores sinistros pendurados no teto. O Carnevale, um parque de diversões encharcado de chuva e neon, cujas atrações são armadilhas mortais. O uso de luz e sombra para criar suspense, para esconder e revelar horrores, é de uma perícia assombrosa.

Little Nightmares 3

O design de som acompanha a excelência visual. O áudio ambiente te mantém em um estado de alerta constante. O rangido de uma tábua, o zumbido distante de uma máquina, o silêncio pesado que precede um ataque… tudo funciona para construir uma atmosfera de pavor palpável. O problema, e esta é a grande tragédia do jogo, é que essa atmosfera é uma promessa que a jogabilidade raramente cumpre. O palco é magnificamente montado para uma peça de terror que nunca atinge seu clímax. Os artistas de som e imagem construíram um receptáculo perfeito para um pesadelo, mas os designers de jogo esqueceram de colocar o monstro dentro.

Uma Máquina Bem-Azeiteada

Eu joguei Little Nightmares 3 em uma máquina mais do que capaz: um Ryzen 7 5700x, uma RTX 4060 e 32 GB de RAM. E, tecnicamente, a experiência foi irrepreensível. O jogo rodou com todas as configurações no máximo, com uma taxa de quadros altíssima e estável, sem um único bug, travamento ou soluço. Do ponto de vista técnico, é um produto polido, otimizado e finalizado com perfeição.

A Sombra do que Fomos

Little Nightmares 3 não é um jogo ruim. Seria mais fácil se fosse. Um jogo ruim é fácil de descartar. O que temos aqui é algo muito mais melancólico: um jogo profundamente decepcionante. É um fantasma. Uma casca. Ele veste a pele de seus antecessores com uma precisão assustadora, mas por dentro, onde deveria haver um coração pulsante de criatividade e pavor, há apenas um vácuo. É competente, é bonito, mas é seguro, é simples, é inerte.

Little Nightmares 3

Ele é o resultado previsível do que acontece quando uma visão artística singular é transformada em uma propriedade intelectual, uma fórmula a ser replicada. A Supermassive Games provou ser uma excelente estudante; eles copiaram a lição de casa da Tarsier com nota dez. Mas eles não entenderam o poema. Eles construíram a casa mal-assombrada perfeitamente, mas não conseguiram convidar os fantasmas para morar.

E o verdadeiro pesadelo, o pensamento que vai ficar comigo, não é o bebê gigante na areia ou os bonecos maníacos do parque. O verdadeiro pesadelo é a percepção de que este pode ser o futuro da franquia. Uma marca, um modelo que pode ser passado de estúdio para estúdio, cada um produzindo sua própria versão competente e sem alma. E a cada novo capítulo, o grito original que tornou esta série tão especial se tornará apenas um eco, cada vez mais fraco, até que não reste nada além de silêncio. E um nome em uma caixa.

NOTA

7.5
★★★★★★★★★★

CONSIDERAÇÕES

Little Nightmares 3 é uma concha belíssima, mas vazia. Visualmente deslumbrante e tecnicamente impecável, o jogo da Supermassive Games acerta na estética, mas erra na alma. A jogabilidade simplificada drena a tensão, a história curta termina antes de começar, e a ausência inexplicável de um modo cooperativo local trai a essência da série. É um eco competente dos jogos anteriores, mas um que carece da criatividade, do mistério e do terror visceral que tornaram a franquia inesquecível. Uma experiência que se vê, mas não se sente.

Gustavo Feltes
Gustavo Feltes
Eu amo jogar, jogar é uma parte de mim. Cada história, momento, universo e gameplay me encantam. Eu não tenho restrições de jogos, cada célula do meu corpo clama por isso.
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