Existe uma fantasia sedutora que a indústria de simuladores nos vende com frequência. É a promessa de transformar o caos em ordem, o decrépito em deslumbrante, e o esforço em império. Miami Hotel Simulator chega com essa promessa embrulhada no papel de presente mais brilhante possível: o sol eterno da Flórida, o brilho elétrico do néon e a chance de erguer um refúgio de luxo do zero. Ao fazer o “check-in” neste hotel virtual, confesso que trazia na bagagem uma boa dose de otimismo. A premissa de arregaçar as mangas, renovar quartos e gerenciar um negócio sob as palmeiras parecia o escapismo perfeito.
A questão que me acompanhou durante toda a estadia foi: a dedicação de uma equipe pequena consegue superar as limitações de um modelo que privilegia a quantidade em detrimento da profundidade? O que encontrei foi um lugar de contradições fascinantes: uma estranha satisfação em tarefas banais e a beleza estéril de um mundo que esqueceu de ser vivo.
O Roteiro que Coube num Post-it
A narrativa de Miami Hotel Simulator é apresentada com a eficiência de um telegrama. Uma breve mensagem informa que você comprou um hotel decadente como uma chance de “dar a volta por cima e consertar as coisas”. E é isso. A história inteira, o catalisador para horas de trabalho virtual, cabe em uma única frase. Não me entenda mal, eu não esperava um roteiro digno de um Oscar em um jogo de simulação. O problema não é a simplicidade da premissa, mas sim a sua total e absoluta estagnação. Ela é um ponto de partida que nunca leva a lugar algum.
Essa ausência de desenvolvimento narrativo cria um vácuo que suga o propósito do jogador. O jogo falha em povoar seu mundo com qualquer elemento que dê cor à jornada. Não há um mentor para guiá-lo, um rival para desafiá-lo, ou mesmo funcionários com um pingo de personalidade. Os hóspedes, o suposto coração de um negócio hoteleiro, são autômatos sem rosto que funcionam como meros vetores de dinheiro e sujeira. Eles chegam, pagam, bagunçam e vão embora, sem nunca expressar uma opinião, uma preferência ou uma história que faça você se importar com a qualidade do serviço. O seu próprio avatar, embora possa ser personalizado no início, não passa de um fantasma em seu próprio empreendimento, uma mão invisível que limpa e constrói sem nunca interagir de forma significativa com o mundo.
O que se perde aqui é a motivação. A promessa de “dar a volta por cima” sugere uma progressão, uma jornada de um estado de fracasso para um de sucesso. Contudo, o jogo não oferece marcos, desafios narrativos ou qualquer tipo de reconhecimento que valide essa jornada. Você acumula dinheiro, mas por quê? Para comprar mais camas idênticas e limpar mais banheiros entupidos. A falta de uma estrutura narrativa, por mais simples que fosse, transforma o que deveria ser uma aventura empresarial em uma lista de tarefas sem fim. O jogador deixa de ser o protagonista de uma história de redenção para se tornar um funcionário não remunerado em seu próprio jogo. É por isso que, mesmo que as tarefas individuais possam ter um apelo momentâneo, a experiência geral rapidamente se torna monótona e cansativa, um trabalho sem o benefício de um salário no final do mês.
O Ciclo Vicioso do Pano e da Chave
O ritmo diário da minha vida como gerente de hotel em Miami logo se estabeleceu em um ciclo hipnótico e implacável. O processo é sempre o mesmo: um cliente aparece no balcão, eu entrego a chave de um quarto recém-limpo, espero alguns dias virtuais e, após o check-out, começa o ritual. Entro no quarto para encontrar um cenário de desordem calculada: lixo no chão, lençóis amarrotados na cama e, invariavelmente, um vaso sanitário que precisa de atenção. Recolho o lixo, arranco a roupa de cama, levo-a para a lavanderia no térreo, volto para arrumar a cama com lençóis limpos e, por fim, enfrento o banheiro. Repita. Para cada quarto. Todos os dias.
Confesso que, como alguém com um certo transtorno obsessivo-compulsivo por organização, encontrei uma satisfação primitiva e quase vergonhosa nesse ciclo. Há um prazer inegável em transformar a bagunça em ordem, em restaurar cada quarto a um estado imaculado antes do próximo hóspede. É o apelo do “chore-core”, jogos que transformam tarefas mundanas em meditação digital. No entanto, essa satisfação é frágil e, crucialmente, é algo que eu trouxe para o jogo, não algo que o jogo me proporcionou.
A rota de fuga dessa rotina manual é a progressão para o gerenciamento. Com dinheiro suficiente, você pode finalmente contratar funcionários para cuidar da limpeza, da recepção e até de uma cozinha. Este é o ponto em que o jogo deveria evoluir de um simulador de limpeza para um de gerenciamento estratégico. No entanto, a inteligência artificial dos funcionários é tão instável que essa transição é mais uma fonte de frustração do que de alívio. A fantasia de ter um hotel autônomo e bem administrado é constantemente minada por uma base técnica que não parece estar à altura da tarefa.
A promessa de um mundo aberto para explorar adiciona outra camada de complexidade e decepção. Pegar meu carro para dirigir até a loja de móveis ou a loja de penhores foi, inicialmente, uma novidade bem-vinda. A intenção do desenvolvedor de evitar menus e teletransporte em favor da imersão é louvável. O problema é a execução. A Miami do jogo é uma cidade fantasma. As ruas são largas, os prédios são coloridos, mas não há vida. A praia, um marco icônico da cidade, é uma extensão de areia completamente deserta. Ele transforma a tarefa de comprar uma nova cadeira em uma viagem monótona por um cenário vazio, aumentando o tempo ocioso e quebrando o ritmo do gerenciamento. Em vez de imersão, ele gera atrito, fazendo-me desejar um simples botão de viagem rápida.
As Engrenagens que Rangem no Paraíso
Quando se olha sob o capô de néon de Miami Hotel Simulator, as engrenagens que movem o jogo rangem com a falta de polimento. A física, por exemplo, é um campo minado de inconsistências. A minha experiência de poder correr em velocidade máxima dentro da água, como se a superfície do mar fosse apenas efeito na tela azul, é um sintoma revelador. Em termos técnicos, usando o motor Unity em que o jogo foi construído, isso indica uma falha básica em detectar quando o personagem entra em um “volume” de água e alterar seu estado de movimento. É um pequeno detalhe, mas que expõe uma filosofia de desenvolvimento mais ampla de “bom o suficiente”, onde a funcionalidade básica tem precedência sobre a verossimilhança ou o refinamento.
Essa falta de profundidade se estende às mecânicas centrais de renovação. O catálogo de móveis e decorações é surpreendentemente limitado. Após decorar alguns quartos, percebi que já havia esgotado as opções interessantes. O resultado são andares inteiros de quartos quase idênticos, o que aniquila a criatividade, um dos pilares de qualquer jogo de renovação.
Onde as mecânicas realmente desmoronam, no entanto, é na inteligência artificial. Os hóspedes são pouco mais que manequins programados para seguir um caminho pré-definido: recepção, quarto, talvez uma máquina de venda automática, e depois embora. Eles não reagem à qualidade do quarto, não têm preferências e não interagem com o ambiente de forma crível. São apenas engrenagens no sistema de geração de renda. A IA dos funcionários, como mencionado, é ainda mais problemática. A promessa de automação, onde seu hotel “praticamente se administra sozinho”, é uma miragem. Na prática, passei tanto tempo gerenciando meus funcionários, verificando se não estavam presos em uma parede ou ignorando uma fila de clientes, quanto eu gastava fazendo as tarefas eu mesmo.
Um Néon que Não Consegue Esconder a Poeira
Visualmente, Miami Hotel Simulator tenta capturar a estética vibrante e ensolarada que associamos à cidade. O ciclo de dia e noite é eficaz, e ver as luzes de néon do hotel se acenderem contra o céu do entardecer tem seu charme. A direção de arte tem uma visão clara. O problema, como em tantas outras áreas do jogo, está na execução técnica. A iluminação, por exemplo, é um dos problemas mais gritantes. É comum ver a luz de uma lâmpada de um quarto atravessar paredes e iluminar o corredor, um erro técnico que quebra completamente a imersão e aponta para uma implementação falha de oclusão de luz. Em certos momentos do dia, o brilho é tão intenso e o efeito de bloom tão exagerado que a imagem fica lavada e artificial.
A qualidade dos modelos e texturas também contribui para a sensação de vazio. Embora o jogo tente, as superfícies muitas vezes parecem planas e estéreis. A variedade de assets é baixa, o que se torna evidente quando você percebe que todos os seus hóspedes parecem ser variações de um punhado de modelos básicos.
O design de áudio, ou a falta dele, é talvez o maior culpado pela sensação de que o jogo é “sem vida”. A trilha sonora consiste em músicas ambientes e relaxantes que cumprem seu papel de não incomodar, mas não acrescentam muita personalidade. O verdadeiro problema está nos efeitos sonoros. As tarefas de limpeza, que compõem a maior parte do gameplay inicial, são realizadas em um silêncio funcional. Não há o som satisfatório de um saco de lixo sendo fechado, o “clique” gratificante de uma cama bem-feita ou o som de água esfregando uma superfície. Essa ausência de feedback auditivo rouba das ações qualquer peso ou impacto, transformando-as em interações mecânicas e silenciosas. O mundo exterior também é estranhamente quieto. A praia não tem o som das ondas, as ruas não têm o zumbido do tráfego. O áudio falha em preencher os vastos espaços vazios que os gráficos criam, e essa sinergia de silêncio e esterilidade é o que, em última análise, torna a atmosfera do jogo tão oca.
O Motor que Ronca Suave (Na Garagem Certa)
Chegamos ao departamento técnico, onde a minha experiência pessoal foi, surpreendentemente, um mar de tranquilidade. No meu sistema, equipado com um Ryzen 7 5700X e uma RTX 4060, Miami Hotel Simulator rodou de forma exemplar. Com todas as configurações no máximo em resolução 1080p nativa, a taxa de quadros flutuou consistentemente entre 80 e 120 FPS. Foi uma experiência perfeitamente suave, livre de travamentos, quedas bruscas de quadros ou qualquer tipo de engasgo que pudesse atrapalhar o metódico trabalho de limpeza e gerenciamento.
Um Hotel com Potencial, mas sem Vaga para a Alma
Ao final da minha estadia em Miami Hotel Simulator, a sensação que fica é a de ter visitado um lugar construído sobre uma fundação de contradições. Este é, inegavelmente, um projeto de paixão de uma equipe pequena e dedicada, que se esforça para polir e expandir sua visão. Paradoxalmente, a experiência final muitas vezes parece indistinguível de um produto genérico da linha de montagem da PlayWay, com mecânicas superficiais e um mundo sem profundidade. O jogo oferece um ciclo de tarefas que pode ser estranhamente meditativo e satisfatório para um nicho específico de jogadores que encontram prazer na organização metódica, mas que se revela repetitivo e mecanicamente raso para a grande maioria. Ele se veste com uma fachada de néon vibrante e uma promessa de paraíso tropical, mas essa luz forte mal consegue esconder um interior estéril, silencioso e fundamentalmente sem vida.
Não posso, em sã consciência, dar uma recomendação universal. Este não é um jogo para todos. Mas posso definir com precisão para quem ele pode servir. Miami Hotel Simulator é para o jogador paciente, o entusiasta de simuladores que valoriza o processo lento e gradual acima da emoção ou do desafio. É para aquele que encontra uma alegria genuína em transformar o caos em ordem, em otimizar rotinas e em ver um pequeno império digital crescer, mesmo que esse crescimento seja medido em toalhas lavadas e pisos varridos. É para quem está disposto a perdoar um mundo fantasma e mecânicas rudimentares em troca daquela calma e metódica satisfação de construir algo, tijolo por tijolo.
No fim, a experiência me deixou com uma reflexão sobre a linha tênue que separa uma simulação de trabalho de uma experiência de jogo envolvente. Miami Hotel Simulator simula com sucesso as tarefas de gerenciar um hotel. Ele replica a rotina, o trabalho braçal e a logística básica. O que ele falha, de forma retumbante, em simular é a alma do negócio. Ele nos dá as ferramentas para construir um edifício impressionante, nos deixa acender a placa de néon na fachada e abrir as portas para os clientes. Mas ele se esquece de ligar as luzes nos corredores, de colocar música no lobby, de dar vida às pessoas que o habitam. O resultado é um hotel perfeitamente funcional, mas assustadoramente vazio, um corpo sem espírito, esperando por uma alma que, temo, nunca fará o check-in.
NOTA
CONSIDERAÇÕES
Miami Hotel Simulator é um simulador com uma base promissora e um ciclo de gameplay que pode ser relaxante, mas que sofre com a falta de profundidade em todas as áreas. Suas mecânicas são superficiais, o mundo é vazio e a experiência geral carece da alma necessária para se destacar. É um projeto ambicioso de uma equipe pequena que, no estado atual, parece mais um trabalho do que um jogo.