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Review | No, I’m not a Human (PC)

Ao iniciar No, I’m not a Human, a primeira coisa que me atingiu não foi o medo, mas uma melancolia avassaladora. O jogo começa com uma montagem de fotografias, pôr do sol, baloiços, gatos a dormir, acompanhada por uma guitarra suave e uma voz abafada ao telefone a falar sobre voltar para casa. É um início inesperadamente acochegante para um jogo de terror, mas o sentimento dissipa-se rapidamente. A cena corta para a minha nova realidade: um corredor espartano em forma de L, com as paredes cobertas por um papel de parede verde-doentio e desorientador. Este corredor é, para todos os efeitos, o meu mundo inteiro.

O mundo exterior, vislumbrado apenas através de janelas seladas e do olho mágico da porta, está a morrer. Uma erupção solar tornou a luz do dia letal, forçando os sobreviventes a uma existência noturna. As ruas estão repletas de “cadáveres enegrecidos retorcidos em formas de agonia”. Este cenário apocalíptico justifica o meu confinamento e impregna cada momento com uma sensação de desesperança. A única altura segura para existir é a noite, mas a noite, como aprendo rapidamente, pertence aos “Visitantes”.

No I'm not a Human

Então, ouve-se a primeira batida na porta. É o meu vizinho, com notícias terríveis sobre a onda de calor e um aviso firme para permanecer no interior. Ele é a minha introdução ao dilema central do jogo: criaturas misteriosas que se parecem connosco, falam como nós, mas não são humanas. A sua visita serve como um tutorial, estabelecendo as regras deste novo mundo e criando uma falsa sensação de segurança. Ele é familiar, ele é seguro. Os próximos não serão.

A comparação com o teaser de terror P.T. de Hideo Kojima é inevitável, dado o design do corredor em L. No entanto, a intenção aqui é fundamentalmente diferente. P.T. usava o seu corredor em loop para criar uma sensação de progressão através da alteração, onde o horror vinha do que mudava a cada passagem. No, I’m not a Human subverte isto. O corredor nunca muda; ele é estático, uma gaiola. O design de nível não serve para a exploração, mas para o encarceramento. O horror não vem de um monstro que me persegue pelos corredores, mas da minha incapacidade de escapar e da necessidade de confrontar o desconhecido que tenta entrar. É um horror de cerco, não de perseguição, e essa distinção é a base de toda a sua genialidade atmosférica.

O Ciclo da Sobrevivência: Noite, Dia e a Gestão do Medo

O jogo rapidamente se instala num ritmo opressivo, um ciclo de repetição que é sufocante por si só. A jogabilidade está dividida em duas fases distintas: a noite e o dia, cada uma com o seu próprio foco mecânico e fonte de ansiedade.

A noite é para a tomada de decisões. É quando o desfile de estranhos aparece à minha porta: “bêbados, inúteis, teóricos da conspiração, fanáticos religiosos”. Cada batida é um novo dilema. Olhando através do olho mágico, engajo-me em conversas abafadas, tentando extrair a verdade de diálogos intencionalmente ambíguos. O jogo raramente me dá informações concretas. As decisões são tomadas com base em “vibrações”, preconceitos e um medo crescente. Deixar alguém entrar é um risco; mandá-lo embora pode ser uma sentença de morte para um humano inocente.

No I'm not a Human

O dia, em contraste, é para a investigação e gestão de recursos. É aqui que o sistema de “energia” entra em jogo. Acordo com um número limitado de barras de energia, e cada verificação que realizo num dos meus hóspedes consome uma. As pistas sobre como identificar os Visitantes são recolhidas de transmissões de rádio e TV: “dentes perfeitamente brancos”, “olhos vermelhos como sangue” ou unhas sujas são alguns dos sinais que aprendo a procurar. O problema é que estas pistas são vagas e, por vezes, aplicáveis a humanos normais, levando a uma paranoia constante. Tenho energia suficiente para testar duas das três pessoas que deixei entrar. Quem escolho? E o que faço com o terceiro, que permanece um ponto de interrogação?

Esta estrutura é sustentada por mecânicas que parecem deliberadamente frustrantes. O sistema de salvamento, por exemplo, eu estranhei muito no começo, mas no fim entendi que é para não voltar atrás de escolhas que você se arrepende. O progresso só pode ser guardado consumindo um item específico, uma kombucha, que é um recurso limitado. Isto transforma o ato de salvar, uma conveniência na maioria dos jogos, num sacrifício estratégico. Estas frustrações mecânicas, no entanto, não me parecem ser um design fraco, but sim uma ferramenta temática. O jogo parece querer que eu, o jogador, sinta a incerteza e a impotência do protagonista. Um sistema de salvamento tradicional permitiria o “save-scumming”, anulando o peso de cada decisão. Ao tornar os salvamentos preciosos, cada escolha torna-se permanente e angustiante. As pistas vagas forçam-me a agir com base em preconceitos e intuição, espelhando como a propaganda e o medo funcionam no mundo real. A frustração não é um efeito colateral do design; é o objetivo. O jogo usa as suas mecânicas para me atacar psicologicamente, alinhando a minha experiência com a do personagem numa forma brilhante de horror diegético.

Análise de Desempenho e Estabilidade na Minha Configuração

Joguei numa configuração composta por um Ryzen 7 5700X, uma RTX 4060 e 32 GB de RAM. Como esperado de um hardware tão robusto, a experiência foi, na maior parte do tempo, extremamente fluida. Com as configurações gráficas no máximo em 1080p, a taxa de quadros manteve-se consistentemente alta, superando facilmente os 120 FPS na maior parte do tempo. Encontrei alguns bugs, como não conseguir sair de algumas conversas ou simplesmente não conseguir atender a porta.

Apesar das suas falhas técnicas, a maior força de No, I’m not a Human reside na sua narrativa maleável e na sua imensa rejogabilidade. O elemento central que impulsiona isto é a aleatorização dos papéis dos personagens a cada nova partida. Um personagem que foi um aliado humano e compassivo numa jogada pode ser um Visitante hostil e traiçoeiro na seguinte. Esta mecânica é genial porque destrói qualquer tentativa de “metagaming”. Não posso confiar na minha experiência anterior. Cada nova partida força-me a regressar a um estado de suspeita total, reforçando o tema central da paranoia de forma mais eficaz do que qualquer monstro ou susto.

No I'm not a Human

O jogo possui 10 finais diferentes, que dependem das escolhas acumuladas ao longo dos dias: quem eu salvo, quem eu executo, e em quem eu confio. Alguns destes finais podem parecer um pouco arbitrários, como se fossem “poemas bem construídos que se assemelham vagamente aos temas do jogo e foram simplesmente adicionados no final”. No entanto, outros oferecem conclusões poderosas para o arco do protagonista. O final da “FEMA”, por exemplo, é visto por alguns como o melhor resultado, pois finalmente dá ao protagonista solitário um sentido de pertença e família, independentemente da moralidade da organização.

Esta estrutura narrativa deu origem a uma rica tapeçaria de teorias da conspiração na comunidade de jogadores. A mais proeminente e intrigante é a teoria de que o próprio protagonista é, ou pode tornar-se, um Visitante. O jogo alimenta esta ideia de várias formas. Posso verificar os meus próprios sinais de Visitante no espelho do quarto de banho; por vezes, os meus dentes estão demasiado brancos ou os meus olhos vermelhos depois de beber uma bebida energética. Personagens como o “Homem Pálido” tratam-me como se eu fosse “especial” ou “escolhido”, e o facto de dois Visitantes na casa não me atacarem quando estou sozinho com eles é altamente suspeito. Se esta teoria é verdadeira ou apenas mais uma camada de paranoia deliberada, permanece ambiguo, o que é um testemunho da força da escrita do jogo.

É aqui que o jogo se revela como um “espelho social”. Sem informações concretas para tomar decisões na porta, sou forçado a confiar nos meus próprios preconceitos. O desfile de personagens, o teórico da conspiração, o bêbado, a rapariga assustada, são arquétipos sociais. É provável que eu rejeite o “fanático religioso” com base num preconceito pessoal, mesmo que ele seja humano, e aceite a “filha do vizinho” por um sentimento de familiaridade, mesmo que ela seja uma Visitante. A aleatorização garante que estas decisões baseadas em preconceitos serão eventualmente testadas, punidas ou recompensadas ao acaso. O jogo força-me a confrontar a base das minhas próprias decisões, sugerindo que o verdadeiro tema não é encontrar monstros, mas sim perceber como o medo e a desconfiança nos podem transformar em monstros.

Vale a Pena Abrir a Porta?

No, I’m not a Human é uma obra de horror psicológico brilhante, mas profundamente falhada. É um jogo de justaposições gritantes: uma atmosfera magistralmente criada contra um desempenho técnico instável; uma premissa temática profunda contra mecânicas que podem ser repetitivas e frustrantes.

Os seus pontos fortes são inegáveis. A direção de arte, que combina o grotesco com o fotorrealista, cria um vale da estranheza constante. O design de som é sufocante, e a premissa de transformar a paranoia em jogabilidade é executada de forma quase perfeita a um nível temático. É uma experiência que fica connosco muito depois de desligarmos o computador, forçando-nos a questionar a nossa própria capacidade de julgamento.

No entanto, os seus pontos fracos não podem ser ignorados. O desempenho inconsistente, os bugs e certas decisões de design, como o sistema de salvamento punitivo, serão um obstáculo para muitos jogadores. É um jogo que exige paciência e uma vontade de olhar para além das suas arestas técnicas para apreciar o seu núcleo artístico.

No I'm not a Human

No panteão dos jogos de dedução social e horror, No, I’m not a Human ocupa um lugar único. Partilha o ADN burocrático e opressivo de Papers, Please e a tensão de identificação de impostores de That’s Not My Neighbor. No entanto, distingue-se pela sua abordagem implacavelmente sombria e pelo seu foco na psicologia do isolamento, em vez de na mecânica pura da dedução.

Então, vale a pena abrir a porta a No, I’m not a Human? A minha recomendação é um “sim” qualificado. Se é um fã de horror psicológico atmosférico, de narrativas que o fazem pensar e de experiências que valorizam o tema acima de um polimento técnico imaculado, então este jogo é absolutamente essencial. É uma obra-prima imperfeita que o vai assombrar. No entanto, se procura uma experiência de jogo suave, sem frustrações e tecnicamente estável, deve abordar com cautela. Esteja ciente dos seus problemas, mas se conseguir tolerá-los, descobrirá uma das experiências de horror mais inteligentes e perturbadoras dos últimos anos.

NOTA

9.0
★★★★★★★★★★

CONSIDERAÇÕES

No, I'm not a Human é uma obra de horror psicológico brilhante, mas profundamente falhada. A sua genialidade reside na atmosfera sufocante e na forma como transforma a paranoia numa mecânica de jogo, forçando o jogador a confrontar os seus próprios preconceitos. No entanto, esta visão artística é prejudicada por um desempenho técnico inconsistente e bugs que podem quebrar a imersão.

Gustavo Feltes
Gustavo Feltes
Eu amo jogar, jogar é uma parte de mim. Cada história, momento, universo e gameplay me encantam. Eu não tenho restrições de jogos, cada célula do meu corpo clama por isso.
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