Existem jogos que não apenas se jogam, se sentem. One-Eyed Likho é desses. Um mergulho sombrio, denso e lento, que não se apressa em nos assustar, mas nos surpreende com a tensão. Joguei com o coração alerta, e mesmo já acostumada com terrores digitais, levei sustos que me tiraram o fôlego. Mas o que mais me prendeu não foram os gritos. Foi o silêncio.
Aqui, o medo é uma presença que anda ao lado. Um sussurro, não um berro. E é justamente isso que torna a experiência tão única. One-Eyed Likho tem uma alma. E mesmo com seus tropeços, é impossível não se deixar envolver por essa atmosfera tão profundamente estilizada quanto sufocante.
HISTÓRIA
A narrativa começa com um personagem silencioso: um ferreiro que carrega nos ombros a simplicidade de uma vida comum e, talvez por isso, não mede as consequências ao ir atrás de algo que deveria ter deixado adormecido. Numa noite qualquer, num bar qualquer, ele ouve de um velho sobre o Likho, entidade maldita do folclore eslavo, símbolo da má sorte, da punição inevitável para quem se atreve a tocar o que é proibido.
O ferreiro não apenas escuta, ele vai atrás. E a partir daí, somos conduzidos floresta adentro, cabana adentro, medo adentro. A história não se estende em palavras, mas nos símbolos. Está nas paredes, nos livros, nas sombras. A construção textual é mínima, mas o jogo narra muito sem dizer quase nada, e essa economia de palavras tem força quando se apoia numa ambientação tão rica.
É como se o personagem não fosse o protagonista, e sim o mundo à sua volta. A floresta, a casa, os sussurros, os sinais. A história pulsa em cada cômodo escuro, em cada ritual inacabado, em cada pedaço de madeira estalando no chão. É um conto sombrio, e como todo bom conto, não se preocupa em explicar tudo. Ele só quer que você sinta.
GAMEPLAY
A jogabilidade segue o padrão dos horrores narrativos: exploração em primeira pessoa, sem combate, com foco total na ambientação e na resolução de puzzles. Aqui, você não luta. Você observa, você foge e você escuta. E esse silêncio, ajuda a criar um elo entre jogador e ambiente.
Um dos elementos mais interessantes é o uso de fósforos. Você os acende para iluminar áreas escuras, revelar segredos, interagir com certos elementos do cenário. E há algo de muito poético nisso: a luz, tão breve e frágil, é sua única proteção contra as trevas densas e persistentes.
Os puzzles não são desafiadores, mas cumprem bem o papel de manter o ritmo. São como pausas no medo. Como se o jogo dissesse: “respire, pense… antes que a escuridão volte”.
MECÂNICAS
A mecânica principal gira em torno da luz. Não apenas no fósforo que se consome rápido demais, mas na forma como o jogo te ensina a ver no escuro. Algumas paredes escondem frases só visíveis com a iluminação certa. Certos caminhos só se abrem se você tiver coragem de olhar mais fundo.
É uma constante observação e paciência. O jogo te obriga a desacelerar, a prestar atenção. E isso, embora possa frustrar os mais apressados, casa lindamente com o tipo de experiência que ele propõe.
A movimentação é simples, sem habilidades extras ou grandes interações com o mundo, e mesmo assim, tudo parece intencional. Como se o jogo dissesse: “você não precisa correr, só escutar e ver”.
VISUAL E ÁUDIO
Se há algo que define One-Eyed Likho com perfeição é a estética. O visual em preto e branco não é apenas um charme estilístico, é uma escolha de demonstrar a narrativa em forma de arte. Tudo ali é desbotado, como se o mundo já estivesse morrendo antes mesmo de começarmos.
Os traços lembram gravuras antigas, e os cenários têm algo de pintura a carvão, sujo, arranhado, vivo. As mudanças na proporção da tela, que às vezes se fecha em quadros menores, causam um desconforto visual proposital. O jogo te aperta, e você sente isso.
O áudio é minimalista, mas poderoso. Os ruídos do vento, da madeira rangendo, dos próprios passos… são pequenos elementos que constroem uma tensão constante. E os sustos, quando acontecem, são merecidos. Não surgem aos montes, mas quando chegam, pegam desprevenido. E foi nesses momentos que soltei alguns gritos, daqueles que até fazem rir depois.
A dublagem em russo dá um ar de autenticidade que respeita o folclore original. E as legendas em português estão bem localizadas, o que ajuda a manter a imersão.
DESEMPENHO
Joguei no PC em uma RTX 4060, Ryzen 7 5700, 32 de ram e uma B550m, e o desempenho foi estável. Porém em áreas de carregamento o jogo dava umas travadas que até me incomodavam um pouco, e dropava um pouco de FPS em alguns momentos. O que não deveria acontecer devido as minhas configurações.
Mesmo com o visual estilizado, os efeitos de luz e sombra são bonitos e bem implementados. Porém como tudo nele gira em torno da ambientação, é importante que não haja travamentos ou interrupções, mas infelizmente isso aconteceu algumas vezes comigo. Mas apesar desses drops de FPS e travamentos, o jogo fluiu lindamente bem.
CONCLUSÃO
One-Eyed Likho é um jogo que não precisa gritar pra te assustar. Ele só precisa te olhar, com aquele único olho. E ele olha. O tempo todo.
É uma experiência curta, é verdade. E por vezes, poderia ter se aprofundado mais nos personagens, nos puzzles ou até na variedade de interações. Mas o que ele entrega, entrega com alma. E é isso que ficou em mim depois que os créditos subiram: a sensação de que vivi um pequeno conto sombrio, desses que você contaria em volta de uma fogueira, com a voz baixa, com medo de que algo do outro lado da mata esteja ouvindo.
Se você gosta de horror introspectivo, de jogos que contam mais com o silêncio do que com o caos, esse título vale muito a pena. Não é perfeito, mas também não tenta ser. Ele só quer te mostrar algo. Algo antigo. Algo que sussurra.
E se você estiver disposta a escutar… vai se surpreender.
NOTA
CONSIDERAÇÕES
One-Eyed Likho é quase um passeio sombrio por dentro de um conto estranho, desses que misturam lenda, tragédia e uns toques de psicodelia. A arte é linda, a música encaixa bem e a atmosfera segura firme, mesmo quando o terror em si não assusta tanto. Não é um jogo pra te dar susto a todo momento, mas pra te deixar desconfortável, como se alguma coisa estivesse errada o tempo todo.