Meus caros leitores, preciso começar esta conversa com um desabafo muito sincero, daqueles que a gente faz depois de respirar fundo para não perder a compostura. Existe uma promessa implícita na indústria de videogames hoje em dia, uma espécie de contrato silencioso que nos diz que a tecnologia, por si só, é capaz de nos transportar para outros mundos e nos fazer sentir coisas grandiosas. Vendem para nós a ideia de que motores gráficos como a Unreal Engine 5 são varinhas mágicas capazes de transformar qualquer ideia em ouro. Pois bem, foi com essa expectativa, talvez um pouco ingênuo da minha parte, que eu instalei Outbreak Zero no meu PC. A desenvolvedora Next Generation Gaming nos prometeu um retorno ao horror de sobrevivência clássico, aquela sensação gelada na espinha que sentíamos nos anos 2000, mas agora vestida com a roupagem mais luxuosa que a modernidade pode oferecer. O que eu encontrei, no entanto, não foi o medo, nem a tensão, e muito menos a diversão. O que me aguardava era um abismo de mediocridade tão profundo que chega a ser fascinante, um verdadeiro estudo de caso sobre como ter as melhores ferramentas do mundo não serve de nada se você não tem a menor ideia do que está construindo. É como dar um pincel de mil reais para alguém que não sabe a diferença entre uma tela e uma parede. O resultado é borrão, é confusão, e no caso deste jogo, é uma experiência que drena a nossa vitalidade não pelo susto, mas pelo tédio existencial.

Ao iniciar a campanha, fui imediatamente confrontado com uma dissonância cognitiva. O jogo tenta desesperadamente parecer um título de alto orçamento, mimetizando a estética dos grandes remakes de Resident Evil, mas falha em capturar a essência, o coração, aquilo que faz um jogo pulsar.
Um Roteiro Escrito em Guardanapos Sujos
A premissa narrativa de Outbreak Zero é de uma preguiça que beira o ofensivo. Nós assumimos o controle de Max, um sujeito que tem a profundidade psicológica de um pires e o carisma de uma maçaneta. Tudo começa, vejam só que originalidade, em uma estação de metrô. O vírus se espalha, as pessoas viram monstros, o caos se instala e nós ficamos presos no subsolo. Atéí, tudo bem. Clichês são ferramentas e, se bem usados, funcionam. O problema é que o jogo não tem o menor interesse em desenvolver nada. Quem é o Max? O que ele faz da vida? Por que eu deveria me importar se ele vai virar almoço de zumbi ou não? O jogo não responde. Ele apenas nos joga em corredores escuros e espera que a gente corra. A narrativa é fragmentada, jogada na nossa cara através de bilhetes e documentos espalhados pelo chão de uma maneira tão artificial que quebra qualquer imersão. Você está fugindo de monstros, correndo pela sua vida, mas para entender o que está acontecendo precisa parar e ler um texto burocrático sobre protocolos de segurança que parece ter sido escrito por alguém que odeia literatura.

Mas a verdadeira tragédia, aquilo que faz o meu sangue ferver de indignação, é a dublagem. Meus amigos, nós estamos em 2025. A tecnologia de captura de performance atingiu níveis estratosféricos. E o que Outbreak Zero faz? Ele usa vozes geradas por inteligência artificial. Isso não é apenas uma escolha técnica ruim, é um atestado de falência criativa. A voz humana é um instrumento complexo, cheio de nuances, de falhas, de respirações que denotam medo, cansaço, esperança. Aqui, nós ouvimos robôs. As vozes são limpas demais, as entonações estão erradas, as pausas não fazem sentido. Ouvir o protagonista gritar de “dor” com a mesma emoção de um aplicativo de GPS recalculando a rota é uma experiência surreal e grotesca. Isso destrói qualquer possibilidade de empatia. Eu não consigo ver o Max como um ser humano sofrendo; eu vejo um boneco 3D sendo dublado por uma calculadora.
E o final? Ah, o final. Preparem-se para a frustração. A história não tem um desfecho. Ela simplesmente acaba. É um corte abrupto, seco, sem clímax, sem revelação, sem catarse. A sensação é de que o dinheiro acabou no meio da produção ou o roteirista simplesmente se cansou e foi embora para casa. Você fica olhando para a tela, esperando os créditos rolarem, com aquela pergunta martelando na cabeça sobre se era só aquilo mesmo. É como comer um prato que prometia ser delicioso e descobrir que ele é feito de vento.
A Dança Macabra da Jogabilidade Quebrada
Se a história é um desastre, a jogabilidade é a penitência que precisamos pagar para assisti-la. O jogo se vende como um survival horror em terceira pessoa, focado na tensão e na escassez. Na teoria, a receita é boa. Na prática, o bolo solou. Controlar o Max é uma luta constante contra as leis da física. O personagem não tem peso. Ele não caminha pelo cenário, ele desliza, flutua, como se o chão estivesse coberto de manteiga. Não existe aquela sensação de inércia, de esforço físico que é fundamental para criar tensão. Quando um monstro aparece, você não sente que precisa correr com o peso do seu corpo; você sente que precisa brigar com um controle que responde com atraso e imprecisão. A câmera, posicionada sobre o ombro, é claustrofóbica não por design. Ela se prende nas paredes, entra dentro da cabeça do personagem, esconde os inimigos e transforma a navegação em um pesadelo logístico.

O combate, que deveria ser o momento de adrenalina máxima, é transformado em uma tarefa doméstica enfadonha e repetitiva. As armas não têm impacto. Atirar com uma escopeta deveria ser um evento, um estrondo que ecoa nos ossos. Aqui, soa como estourar plástico bolha. E os inimigos? Eles são o que chamamos carinhosamente de “esponjas de bala”. Você atira, atira e atira, e eles continuam andando na sua direção com a mesma animação travada, sem reagir aos impactos, sem perder pedaços, sem demonstrar dor. É burocrático. Você não está lutando pela sobrevivência, você está preenchendo um formulário. A inteligência artificial é risível. Os zumbis ficam presos em quinas de parede, giram em círculos sem motivo e, muitas vezes, ignoram a sua presença se você estiver um centímetro fora do campo de visão pré-programado deles. Onde está o pavor de ser caçado? O medo aqui não vem da ameaça, vem da possibilidade do jogo quebrar e te obrigar a fazer tudo de novo.
Mecânicas que Insultam a Inteligência
Mergulhando nas engrenagens do jogo, percebemos que Outbreak Zero tenta copiar os clássicos sem entender o que os fazia geniais. Os quebra-cabeças são de uma simplicidade que ofende qualquer ser humano com atividade cerebral funcional. Não existe dedução, não existe lógica, não existe mistério. É tudo baseado na mecânica mais primitiva possível que consiste em encontrar a chave vermelha para abrir a porta vermelha. O jogo te obriga a fazer um vaivém constante pelos mesmos cenários mortos apenas para esticar artificialmente a duração da campanha. Você vai do ponto A ao ponto B não porque a história exige, mas porque o designer colocou uma tranca ali para te atrasar.
O gerenciamento de inventário, que em jogos como Resident Evil é um jogo de xadrez tenso onde cada espaço conta, aqui é apenas uma fonte de irritação. A limitação de espaço parece arbitrária e punitiva, feita apenas para te obrigar a voltar para o baú repetidas vezes. E a interação com o mundo é inexistente. O cenário é estático, morto, feito de adamantium. Nada se move, nada quebra, nada reage. Se você atira em uma garrafa, ela não estilhaça. Se você esbarra em uma cadeira, ela não cai. Em plena era da física avançada nos jogos, encontrar um mundo tão inerte é chocante. Isso quebra a ilusão de realidade de uma forma brutal. Você nunca esquece que está em um videogame, e em um videogame ruim.

Outro ponto que merece destaque pela incompetência é a iluminação. O jogo é escuro. Mas não é aquele escuro atmosférico, artístico, que sugere perigo nas sombras. É um breu técnico, mal calibrado, onde você não enxerga um palmo diante do nariz. A lanterna ilumina de forma errática, criando reflexos estourados e sombras que piscam. Muitas vezes eu me vi obrigado a aumentar o brilho do monitor para níveis absurdos apenas para conseguir achar a porta de saída, o que deixava a imagem lavada e feia. É um design hostil ao usuário, disfarçado de atmosfera.
O Desfile de Bonecos de Cera em Alta Definição
Visualmente, Outbreak Zero é a definição perfeita de beleza superficial. Sim, a Unreal Engine 5 é uma ferramenta poderosa. As texturas têm alta resolução, o chão molhado reflete a luz de forma realista, a poeira flutua no ar. Se você tirar uma foto parada do jogo, ela pode até parecer bonita. Mas videogames são movimento, e em movimento, tudo desmorona. A direção de arte é inexistente. O jogo sofre de uma crise de identidade visual severa. Você percebe claramente que os objetos não conversam entre si. A cadeira parece ter vindo de um pacote de assets futuristas, a parede de um pacote de hospital antigo, e o personagem de um gerador genérico de heróis. Essa falta de coesão cria um ruído visual constante. O nosso cérebro rejeita aquilo como um lugar real porque as peças não se encaixam.
As animações são um capítulo à parte no show de horrores. Ver o Max correr, ou melhor, deslizar, é cômico. As transições de movimento não existem. Ele passa de parado para correndo instantaneamente, sem aceleração. As expressões faciais são rígidas, mortas. Quando o personagem deveria estar expressando terror absoluto ao ver um monstro, ele mantém a mesma cara de paisagem de quem está esperando o ônibus. É o vale da estranheza em sua forma mais pura e assustadora. E o som, ah, o som. Além das vozes robóticas que já mencionei, os efeitos sonoros são genéricos e mal mixados. Não existe espacialidade. Um zumbi gemendo atrás de uma parede de concreto soa tão alto e claro quanto um zumbi que está mordendo o seu pescoço. Isso impede que você use a audição para se localizar, o que em um jogo de terror é um crime capital.
O Suplício Técnico de Uma Máquina Moderna
Agora, vamos falar de performance, porque a minha experiência técnica com este jogo foi um verdadeiro teste de paciência. Eu joguei em uma máquina que considero robusta e muito competente para a realidade atual, equipada com um processador Ryzen 7 5700X, uma placa de vídeo RTX 4060 e 32GB de memória RAM. É um computador que roda a vasta maioria dos lançamentos com dignidade. Mas Outbreak Zero não tem dignidade. A otimização é inexistente. A placa de vídeo RTX 4060, com seus 8GB de VRAM, foi tratada com desdém pelo jogo. A Unreal Engine 5, quando mal configurada, devora memória da GPU como se fosse um buraco negro. O resultado foram travamentos constantes, os malditos “stutters”. Cada vez que eu entrava em uma nova sala ou virava a câmera rápido demais, o jogo engasgava, congelava por frações de segundo, quebrando totalmente o ritmo e a imersão.

O processador Ryzen 7 5700X, que tem poder de sobra, ficou subutilizado. Eu monitorava o uso e via vários núcleos dormindo enquanto um único núcleo estava gritando a cem por cento de uso, criando um gargalo artificial que impedia a placa de vídeo de trabalhar direito.
O Veredito de Quem Esperava Mais
Chegando ao fim desta análise dolorosa, a conclusão é inevitável e amarga. Outbreak Zero é uma oportunidade desperdiçada, um monumento à falta de alma na era digital. Ele tenta se apoiar na nostalgia dos fãs de Resident Evil e na potência bruta da Unreal Engine 5, mas falha em entregar o básico que é a humanidade. É um jogo frio, calculado, feito sem paixão, sem cuidado, sem aquele brilho no olho que diferencia a arte do produto descartável. A história nula, as vozes artificiais que dão vergonha alheia, a jogabilidade travada e o desempenho técnico desastroso formam um pacote que eu não recomendaria nem para o meu pior inimigo.
Se você tem saudade de sentir medo de verdade, de gerenciar recursos com as mãos suando, de se perder em uma história macabra, faça um favor a si mesmo e passe longe deste título. Rejogue os clássicos, busque jogos independentes que tenham coração, mas não gaste seu tempo e seu dinheiro com essa tragédia digital. Outbreak Zero é um jogo que já nasceu morto, um zumbi digital que caminha sem propósito, apenas existindo para nos lembrar de que tecnologia sem talento é apenas barulho e luzes piscando no vazio. É uma experiência insossa, pedante e, acima de tudo, triste.
NOTA
CONSIDERAÇÕES
Outbreak Zero é a definição de "casca bonita, conteúdo podre". O jogo funciona como uma demonstração técnica das capacidades de iluminação da Unreal Engine 5, mas falha miseravelmente como produto de entretenimento. É uma experiência cínica e sem alma, marcada por um roteiro inexistente, dublagem artificial vergonhosa e uma otimização desastrosa que humilha até hardwares competentes. Não é um jogo feito para divertir, mas sim um projeto montado às pressas para capitalizar sobre a nostalgia alheia. Passe longe e poupe seu dinheiro.
