Eu tenho, admito, um fraco por impostores. Não os charlatões da vida real que nos vendem curas milagrosas ou esquemas de pirâmide, mas a fantasia. A ideia de estar onde não se devia, de navegar águas perigosas com nada mais que um blefe e um sorriso torto, é um dos ganchos narrativos mais potentes que existem. E Sanatorium – A Mental Asylum Simulator não apenas me ofereceu essa fantasia; ele a serviu no prato mais sujo e opressor imaginável: um hospício em 1923.
Este jogo, a versão para PC que me coube analisar, é uma criatura de rara dualidade. Nascido de uma tese acadêmica e forjado por uma equipe independente minúscula de quatro pessoas, ele se apresenta como um “simulador de local de trabalho” baseado em cartas. Você é um jornalista que, armado com um diploma falso, se infiltra no Sanatório Castle Woods para investigar o desaparecimento da sua tia. A promessa é um mergulho na história sombria da psiquiatria, onde as linhas entre “cuidado e crueldade” ainda estavam sendo desenhadas com sangue e suposições.

E aqui está a verdade, a minha tese sobre este jogo: Sanatorium é o seu próprio paciente principal. Ele é uma entidade dividida. De um lado, há um cérebro brilhante, um conceito de design que beira a genialidade, denso em atmosfera e perturbadoramente inteligente em suas mecânicas centrais. Do outro, há um corpo que mal se sustenta, um chassi técnico atormentado por espasmos, travamentos e uma instabilidade que mina a própria sanidade do jogador.
Minha experiência jogando Sanatorium foi um espelho perfeito da jornada do meu protagonista. Eu não estava apenas interpretando um impostor; eu estava ativamente fingindo que o jogo que eu jogava funcionava. Eu sorria, assentia e clicava, tudo isso enquanto o mundo ao meu redor ameaçava desmoronar a qualquer segundo.
Procurando a Tia Patty no ninho de vespas
A história começa da forma mais clássica possível, quase um clichê de filme noir. Você é um jornalista falido, afundado em dívidas, quando uma carta enigmática chega. É sobre sua “querida Tia Patty”. Ela foi internada suspeitosamente na temida Ala 4 do Sanatório Castle Woods, o pavilhão dos “criminalmente insanos”.
Serei honesta: a Tia Patty é um MacGuffin. Ela é a desculpa, o motor de arranque que nos joga para dentro dos portões. E, rapidamente, ela se torna a menor das suas preocupações.

A verdadeira narrativa é contada em camadas, através da sua progressão pelas quatro alas do hospital. A Ala 1 é o tutorial, onde você aprende a não matar ninguém por acidente. É na Ala 2, no entanto, que o jogo joga o roteiro pela janela e o tom muda de “mistério” para “horror”. Esta ala lida com “doenças nervosas”. Você encontra veteranos da Grande Guerra destruídos pelo “shell shock” (o termo da época para Transtorno de Estresse Pós-Traumático) e, de repente, um assassinato. Um paciente aparece enforcado. A administração, com uma eficiência assustadora, varre o corpo e o escândalo para debaixo do tapete.
É aí que o jogo te agarra de verdade. A narrativa se divide de forma inteligente. Durante o dia, é a micro-história contada pelos prontuários. Os pacientes deixam de ser nomes e se tornam “rostos reconhecíveis”. As irmãs Brewer, o Sr. Sutton. Alguns são comoventes, outros são aterrorizantes, e muitos fazem você se perguntar se eles deveriam mesmo estar ali.

Durante a noite, o jogo vira um point & click investigativo. Você pode (e deve) bisbilhotar áreas restritas, coletar “restos” de evidências, cartas, documentos confidenciais, segredos mal guardados. Você descobre que não é o único rato no labirinto; há outros “pacientes” disfarçados, cada um com sua própria agenda. O fio da conspiração é leve, mas é tecido com competência. Ele me puxou para a frente, ala por ala, ansiosa para ver qual era o próximo segredo podre que Castle Woods escondia.
O prazer estranho da burocracia
O jogo se autodenomina um “simulador de local de trabalho”. E, meu Deus, eu não sabia o quanto a burocracia podia ser viciante. O loop central do jogo é onde sua genialidade realmente brilha.
Funciona assim: um prontuário de paciente é colocado na sua mesa. Você o abre. É um quebra-cabeça. Você tem uma mão de cartas de “sintomas”, “testes” e “terapias”. Seu trabalho é avaliar os sintomas, arrastá-los para um “cartão de síndrome”, identificar o diagnóstico correto em seu catálogo e, em seguida, prescrever um tratamento.
Há uma satisfação tátil, quase doentia, em “limpar” uma mesa cheia de sintomas caóticos e agrupá-los em um diagnóstico limpo. Um crítico descreveu isso perfeitamente como “organizar uma gaveta caoticamente bagunçada”, e é exatamente essa a sensação. Quando funciona, esse loop é hipnótico.

Mas aqui está o toque de gênio, a faca moral que o jogo enfia em você. Você quer ajudar. Você quer ser o médico bom. Mas você está “limitado às cartas literais que recebe”. Suas opções de tratamento são “arcaicas”, “rudimentares” e, francamente, “bárbaras”. Você não está escolhendo entre o bem e o mal; você está escolhendo entre frenologia (medir o crânio do paciente), hidroterapia (banhos de gelo) e, eventualmente, coisas muito piores.
O verdadeiro jogo, então, não é moral, é gerencial. É uma “tensão de equilíbrio entre dinheiro e prestígio”. Cada tratamento tem um custo e um impacto na sua reputação. Você pode usar o tratamento “gentil” (e caro), que pode ou não funcionar, ou pode usar o tratamento “cruel” (e barato), que agrada à administração e limpa a cama do paciente mais rápido.
O jogo me pegou. Eu me vi, em mais de uma ocasião, não como um médico, mas como um contador. Eu não estava curando pessoas; eu estava otimizando recursos. O jogo não me diz que o sistema é desumano; ele me transforma no burocrata eficiente que perpetua a crueldade, e a pior parte é que eu gostei da sensação de organizar os papéis. Isso, meus amigos, é design de alta qualidade.
Quando o prontuário não fecha
Se o gameplay é o fluxo viciante, as mecânicas são as engrenagens que o movem. E é aqui que algumas começam a ranger, muito antes dos bugs entrarem na equação.
Algumas engrenagens são brilhantes. O sistema de cartas é dividido em quatro áreas do cérebro (Impetus, Ratio, Memoria e Mania), uma forma inteligente e temática de categorizar a loucura.
E eu preciso dedicar um parágrafo inteiro para a assinatura. Esta é, sem dúvida, a melhor mecânica trivial que eu já vi em um jogo. Depois de decidir um tratamento, você deve assinar a ordem. Para isso, você fisicamente arrasta o mouse pela tela, rabiscando seu nome (ou, no meu caso, um borrão ilegível). Eu chamou isso de “estupidamente satisfatório” e “insanamente viciante”. É um momento de “falsa autoridade” que nunca envelhece. A tinta até pinga realisticamente se você parar o mouse no meio do caminho. É um detalhe requintado.
E então, há as engrenagens que quebram.
Minha maior frustração mecânica é uma restrição que, de tão bizarra, só pode ser intencional, embora irritante. Você é forçado a “escolher seus testes e tratamentos no início do dia, ANTES de interagir com os pacientes”. Você não pode ver seus prontuários. Você tem apenas um “estimador” vago do que pode precisar. Intelectualmente, eu entendo: isso deve simular o pânico e o palpite de um impostor que não faz ideia do que está fazendo. Mas, na prática, é apenas frustrante. Parece uma “restrição arbitrária” que me fez reiniciar o dia várias vezes, quebrando o ritmo.
Pior, o jogo perde o fôlego. A mecânica central de tensão, o balanço econômico de “dinheiro vs. prestígio”, que torna as primeiras duas alas tão tensas e fascinantes, “evapora totalmente” na segunda metade do jogo. Na Ala 1 e 2, eu contava centavos, agonizando sobre cada decisão. Na Ala 3, eu estava “ganhando três vezes o que podia gastar”. A tensão desapareceu. O equilíbrio quebrou. A profundidade estratégica, o coração da simulação, simplesmente… parou de bater.
Um jazz fúnebre em Art Déco
Se há uma área onde Sanatorium merece alta, é na sua apresentação. Visual e audivelmente, este jogo é a parte mais impecável e polida de toda a experiência.
O “estilo Art Déco” captura perfeitamente a essência dos “Roaring Twenties”, uma fachada de progresso, opulência e design limpo que mal consegue esconder a podridão e o sofrimento por baixo.
Os detalhes visuais são tematicamente perfeitos. Minha parte favorita são as “transições de cena em mancha de tinta Rorschach”. Elas são “sutis, mas eficazes”, constantemente nos lembrando que este é um jogo sobre psicologia, percepção e a natureza fluida da realidade.
O design de áudio é uma camada de imersão tátil. O som da máquina de escrever (que, felizmente, pode ser desabilitado), os efeitos dos cartões sendo manuseados e, claro, o som da sua caneta-tinteiro na mecânica de assinatura.

Mas a trilha sonora é o verdadeiro destaque. É uma “música jazz quase funky”. E essa é uma escolha genial. O jogo é “opressivamente sombrio”. O tema é a crueldade. No entanto, a música é animada. No seu escritório, você pode ir até o gramofone e “trocar os discos de vinil”. Isso se tornou meu ritual. Antes de começar um dia de trabalho brutal, eu colocava um jazz animado. Era meu pequeno ato de sanidade, uma dissociação deliberada do horror do meu trabalho. A música não é apenas um fundo; ela funciona como o mecanismo de defesa do protagonista.
O paciente na maca ao lado
E agora, chegamos ao colapso. A parte onde a genialidade do jogo é amarrada em uma camisa de força por sua própria execução.
Vamos ser absolutamente claros. Eu joguei isto na seguinte configuração: um Ryzen 7 5700x, uma RTX 4060 e 32 GB de RAM. Os requisitos mínimos do jogo pedem uma GTX 750 Ti, uma placa de uma década atrás. Meu computador deveria mastigar este jogo e nem arrotar.
E, em termos de performance pura, quadros por segundo, telas de carregamento, ele o faz. O problema não é performance. O problema é estabilidade. O jogo não engasga. Ele sofre um aneurisma e morre na sua frente.
Sanatorium “tropeça feio na execução técnica”. Minha experiência, antes um “fluxo viciante”, rapidamente se tornou uma “tarefa frustrante” de “lutar contra bugs”.
Eu tive botões de “Continuar” que, como um paciente catatônico, simplesmente se recusavam a funcionar. Eu tive “prévias de cartas permanentemente presas na tela”, obscurecendo toda a interface e forçando um reinício completo do Steam. E, o pior de todos os pecados em um jogo de simulação: “bloqueadores de progressão”.
O que começa como uma dança tensa de diagnósticos é constantemente assassinado por bugs que “matam o ímpeto”. Eu me vi não com medo do próximo paciente difícil, mas com medo do próximo clique, sem saber se ele registraria ou se enviaria meu jogo para o limbo.
Lobotomia ou alta?
Eu não “joguei” Sanatorium – A Mental Asylum Simulator. Eu lutei com ele. Eu o admirei, o xinguei e, no final, o lamentei.
A tragédia deste jogo é o tamanho do seu potencial. O conceito de “simulador de local de trabalho” como um veículo para uma crítica histórica é brilhante. A atmosfera é perfeita. O loop de quebra-cabeça da burocracia é um dos mais inteligentes e tematicamente densos que joguei em anos. Este deveria ser um dos melhores jogos independentes do ano. Um clássico cult instantâneo.
Mas ele é seu próprio pior paciente. É um jogo sobre um impostor que, ironicamente, mal consegue funcionar. É um jogo sobre precisão e diagnóstico que é, ele mesmo, uma bagunça caótica e instável.
Eu queria desesperadamente amar este jogo. Eu queria me perder nos corredores escuros de Castle Woods. Mas, assim como o protagonista, eu estava apenas fingindo. Fingindo que o botão “Continuar” funcionaria. Fingindo que meu save estaria lá quando eu voltasse. Fingindo que a economia do jogo não havia evaporado, levando junto toda a tensão.
Sanatorium se apresenta como um jogo de “escolhas morais”. No final, a única escolha moral que importa é a que você faz na loja Steam. Comprar este jogo agora é um ato de “cuidado”, um voto de confiança em uma equipe independente com uma visão de gênio. Mas jogá-lo agora é um ato de “crueldade” consigo mesmo.
NOTA
CONSIDERAÇÕES
Sanatorium é a tragédia de um conceito genial assassinado pela execução técnica. O seu loop de diagnóstico é brilhante e viciante, mas a experiência real é uma luta frustrante contra bugs que quebram o jogo e travamentos constantes. É uma obra-prima em potencial, mas que, no momento, está quebrada e internada.
