Existe um tipo de nostalgia que não vive em imagens, mas em sensações. É a lembrança de uma época em que os jogos não precisavam ser sombrios ou complexos para serem grandiosos; uma era de mundos vibrantes que se desdobravam como vastos playgrounds, onde a maior recompensa não era um item raro, mas a pura alegria de pular, deslizar e explorar. É uma memória de aventura em sua forma mais pura. Eu me sentei para jogar The Knightling, a nova aventura dos desenvolvedores da Twirlbound, e fui imediatamente transportada para essa época. Não por um gráfico específico ou uma melodia familiar, mas por essa sensação, uma promessa sussurrada de que os jogos de plataforma 3D, com seus mundos coloridos e suas ambições puras, não morreram. Eles apenas hibernavam.

The Knightling se apresenta com uma premissa elegantemente simples e ousada: e se pegássemos a fantasia clássica do herói de espada e escudo e jogássemos a espada fora? O que resta é um jovem escudeiro, um mundo vasto e um escudo lendário que é, ao mesmo tempo, arma, ferramenta e passaporte para a aventura. É uma ideia brilhante, uma restrição criativa que força o jogo a ser diferente. E por um tempo, essa promessa brilha com uma intensidade ofuscante. O problema, como em tantas histórias de aprendizes, é que a armadura do mestre é pesada demais para ombros tão jovens. O jogo é um cabo de guerra constante entre uma ambição que toca o sublime e uma execução que tropeça na própria túnica. Em uma era de mundos abertos inchados e listas de tarefas intermináveis, estúdios independentes como a Twirlbound se tornaram os guardiões de um passado que a indústria AAA parece ter esquecido. The Knightling não é apenas um jogo; é um manifesto, uma tentativa corajosa de provar que a magia daquelas aventuras de outrora ainda tem lugar em nosso tempo. Uma tentativa que, para o bem e para o mal, revela exatamente o quão difícil é conjurar fantasmas.
Um Conto de Elmos e Murmúrios
A narrativa de The Knightling é como um conto de fadas que sua avó leria para você antes de dormir: simples, reconfortante e com um coração do tamanho do mundo. Você é o Knightling, um escudeiro anônimo e devotado do lendário Sir Lionstone. Durante uma missão que dá terrivelmente errado, seu mentor desaparece, deixando para trás apenas seu escudo mágico. Sua jornada, então, se torna uma busca por esse herói perdido, um rito de passagem que o força a crescer e se tornar o protetor que o reino de Clesseia precisa.
Não é a trama que vai te prender, mas a forma como ela é contada. Em um golpe de genialidade nascido, suspeito, de uma limitação de orçamento, quase todos os personagens do jogo usam elmos que cobrem seus rostos. E por causa disso, eles não falam. Eles murmuram. É um balbucio abafado e adorável, uma espécie de “Kenny do South Park” medieval que transforma cada diálogo em uma cena de pura comédia e charme. Essa decisão força o jogo a se comunicar de outras maneiras. A animação corporal se torna a linguagem principal; um encolher de ombros, um aceno de cabeça frenético ou o arregalar de dois grandes olhos expressivos vistos através da viseira de um capacete dizem mais do que mil palavras poderiam.

A exceção a essa regra é sua única companhia constante: Magnustego, o escudo senciente de Sir Lionstone. Com uma voz clara e professoral, ele serve como seu guia, seu confidente e, ocasionalmente, seu comentarista sarcástico. Essa dinâmica cria um laço genuíno. Enquanto o mundo murmura ao seu redor, o escudo fala diretamente com você, tornando-se o verdadeiro coração narrativo da jornada. É uma escolha de design brilhante que transforma uma fraqueza potencial em uma das maiores forças do jogo. A história, que leva cerca de 10 a 15 horas para ser concluída, não reinventa a roda, mas a envolve em tanto carisma que você simplesmente não se importa. Ela quer ser seguida, e o design do mundo, que te guia sutilmente de um ponto a outro, deixa claro que a intenção dos desenvolvedores era que você se entregasse a este conto sincero, sem se desviar demais do caminho.
A Dança Desajeitada do Herói
Aqui, nesta parte, a análise se parte em duas. Porque jogar The Knightling é experimentar dois jogos completamente diferentes, um alojado dentro do outro como um parasita. Um desses jogos é uma obra-prima de fluidez e alegria cinética. O outro é uma das experiências mais frustrantes e desajeitadas que tive o desprazer de enfrentar este ano.
Primeiro, o êxtase. O movimento em The Knightling é, sem exageros, uma das melhores coisas que senti em um controle há muito tempo. É aqui que a ideia de “apenas um escudo” transcende o conceito e se torna pura magia. Você pode pular no seu escudo e deslizar por colinas gramadas como se estivesse surfando em uma onda de esmeralda. A sensação é indescritível. A velocidade, o controle, a maneira como você pode saltar de um deslize para um pulo duplo e depois abrir o escudo como um planador para cruzar um abismo… é perfeito. O mundo é construído em torno dessa mecânica, com rampas naturais, cogumelos que te lançam aos céus e correntes de ar que te carregam por vales. Navegar por Clesseia não é uma tarefa; é uma recompensa. É um balé de movimento livre e expressivo que captura a essência do que torna os jogos de plataforma tão especiais. O simples ato de pular, a base de tudo, foi projetado para ser divertido todas as vezes. E é.

Agora, a agonia. Em algum momento, inevitavelmente, você terá que parar de deslizar e lutar. E é aí que o sonho se transforma em pesadelo. O combate de The Knightling é atroz. Ele se sente rígido, impreciso e fundamentalmente quebrado. O sistema tenta emular a dificuldade dos jogos “souls-like”, focando em aparar (parry) e esquivar, mas falha miseravelmente em entender o que torna esse tipo de combate satisfatório. Os ataques do seu personagem têm um alcance pífio, a câmera se perde em meio a mais de dois inimigos e a ausência de um sistema de trava de mira decente transforma cada encontro em uma bagunça caótica. Aparar os ataques inimigos exige um timing tão preciso que parece mais sorte do que habilidade, e a resposta aos seus comandos é tão lenta que você se sente lutando contra o próprio jogo, não contra os monstros na tela.
Essa dissonância é a falha fatal de The Knightling. O jogo te entrega uma liberdade de movimento sublime e depois a arranca de você, forçando-o a participar de um sistema de combate punitivo e malfeito. É como dar asas a um pássaro e depois amarrar uma bigorna em suas patas toda vez que ele tenta voar. A alegria da exploração é constantemente interrompida pela frustração da batalha, criando um ritmo que nunca se estabelece, um fluxo que é perpetuamente quebrado. A equipe da Twirlbound claramente derramou sua alma para fazer o movimento parecer incrível, mas o combate parece ter sido projetado por outra equipe, em outro prédio, talvez em outro planeta.
A Caixa de Ferramentas do Escudeiro
Para sustentar essa experiência de altos e baixos, The Knightling se apoia em uma estrutura que é, ao mesmo tempo, familiar e um pouco decepcionante. O jogo se autodenomina um “mundo aberto”, mas o termo mais correto seria “semiaberto”. O mapa é composto por grandes áreas interconectadas, não um continente gigantesco e sem costuras. A progressão é frequentemente bloqueada por habilidades que você ainda não adquiriu, um design clássico que guia o jogador de forma mais linear do que o rótulo “mundo aberto” sugere.
A estrutura é uma versão em miniatura e mais amigável das fórmulas que vemos em jogos da Ubisoft. Você escala torres para revelar o mapa, completa missões secundárias para ganhar “Louvor” (a moeda de experiência do jogo) e usa esses pontos para desbloquear novas habilidades em uma árvore de talentos bastante simples. As missões secundárias são abundantes, mas muitas caem na armadilha do “vá até ali, pegue aquilo, traga de volta”, tornando-se repetitivas rapidamente. Os quebra-cabeças espalhados pelo mundo oferecem uma boa mudança de ritmo, embora alguns sejam tão vagos em suas instruções que a solução vem mais por tentativa e erro do que por lógica.

Tudo isso cria uma sensação de conforto. O jogo nunca te sobrecarrega. O mapa é gerenciável, o sistema de progressão é direto e as atividades são fáceis de entender. É uma experiência “aconchegante”, projetada para ser agradável e não estressante. E é exatamente por isso que o combate parece tão deslocado. As mecânicas do jogo te convidam para um passeio relaxante no parque, enquanto o sistema de combate tenta te empurrar de um penhasco. Há uma contradição fundamental na filosofia de design aqui. The Knightling quer ser duas coisas ao mesmo tempo: uma aventura charmosa e relaxante e um desafio de combate exigente. Ao tentar ser ambos, ele não consegue ser nenhum dos dois de forma totalmente bem-sucedida.
Um Reino de Aquarela e Orquestra
Se há uma área em que The Knightling não apenas acerta, mas atinge a perfeição, é em sua apresentação audiovisual. Este jogo é, sem dúvida, uma das coisas mais lindas que joguei este ano. A direção de arte é o seu maior trunfo, um banquete para os olhos que me fez parar inúmeras vezes apenas para admirar a paisagem. O estilo é robusto e cartunesco, com uma paleta de cores vibrantes que faz o mundo de Clesseia saltar da tela. Há ecos de The Legend of Zelda: Breath of the Wild em suas planícies ensolaradas e de Darksiders no design de suas ruínas antigas, mas o resultado final é algo com uma identidade visual única e cativante.
Essa beleza visual é acompanhada por uma trilha sonora que é nada menos que magistral. Composta pelo trio Tumult Kollektiv, a música orquestral de The Knightling é épica, emocionante e perfeitamente sintonizada com a ação. Ela cresce em momentos de descoberta, torna-se tensa durante as batalhas e transmite uma sensação de melancolia e admiração durante a exploração silenciosa. É o tipo de trilha sonora que você vai querer ouvir muito tempo depois de terminar o jogo. O design de som complementa o pacote com perfeição. O barulho do escudo batendo na armadura de um inimigo é satisfatório e brutal, os sons ambientais dão vida ao mundo e, claro, os murmúrios abafados dos personagens são uma fonte constante de charme.

A apresentação de The Knightling é o que vende a fantasia. É o que te faz querer continuar explorando, mesmo quando o combate te frustra. O mundo é tão convidativo, tão bem realizado em sua estética, que muitas vezes consegue mascarar as rachaduras em suas fundações mecânicas. No entanto, essa excelência provavelmente teve um custo. Em um estúdio independente, os recursos são finitos. O investimento pesado necessário para criar uma arte tão polida e uma trilha sonora orquestral completa pode muito bem ser o motivo pelo qual outras áreas, como o combate e a otimização, parecem ter ficado em segundo plano. A beleza do jogo, de certa forma, pode ser a fonte de seus problemas mais profundos.
A Máquina que Engasga
Eu joguei The Knightling em uma configuração de PC que deveria ser mais do que capaz de rodar este jogo sem suar: um processador Ryzen 7 5700X, uma placa de vídeo RTX 4060 e 32 GB de RAM. É uma máquina potente, construída para lidar com os títulos mais exigentes do mercado. E, no entanto, a máquina engasgou.
O desempenho de The Knightling é a sua falha mais inexplicável e frustrante. Mesmo com todo esse poder de fogo, o jogo sofre com quedas de quadros e engasgos, especialmente em áreas densamente povoadas como a cidade principal. A experiência nunca é totalmente fluida. Isso deixa claro que o problema não é o meu hardware, mas sim uma otimização deficiente por parte dos desenvolvedores. Relatos de outros jogadores indicam que o jogo é surpreendentemente pesado para a CPU, provavelmente devido à inteligência artificial dos NPCs e ao streaming do mundo. É o tipo de problema técnico que quebra a imersão de forma abrupta. Ver um jogo com um estilo visual relativamente simples gaguejar em um PC de ponta é desconcertante.
A Sombra da Lenda
No final, The Knightling é como o próprio protagonista: um jovem aprendiz vestindo a armadura de seu mestre lendário. A armadura é linda, com gravuras intrincadas e um brilho que cega os olhos. O coração por baixo dela é puro, cheio de coragem e boas intenções. Mas a armadura é grande demais. O aprendiz tropeça, o andar é desajeitado e o peso da expectativa é quase insuportável.

Este é um jogo de contradições profundas. A alegria sublime de deslizar com o escudo por uma colina é o brilho do elmo polido; o combate desajeitado e frustrante são as grevas mal ajustadas que prendem os tornozelos. A arte deslumbrante e a música comovente são os brasões no peito; os engasgos técnicos são as juntas enferrujadas que rangem a cada passo. É um jogo que você desesperadamente quer amar sem reservas, mas cujas falhas são persistentes demais para serem ignoradas. Ele captura com sucesso o espírito dos clássicos que tenta emular, mas fracassa em igualar a sua execução impecável.
Seria fácil descartá-lo por suas falhas, mas isso seria ignorar sua alma. Há tanto amor, tanto charme e tantos momentos de brilhantismo genuíno em The Knightling que a jornada, apesar dos tropeços, vale a pena. Ele não é a lenda que sonha ser, não ainda. Mas a história deste aprendiz sincero, falho e incrivelmente belo é uma que merece ser vivida. Ele permanece como um testemunho do poder do carisma e da beleza da ambição imperfeita. Não é a lenda em si, mas a sua sombra. E, às vezes, a sombra de uma lenda é mais do que suficiente.
NOTA
CONSIDERAÇÕES
The Knightling é um jogo de extremos, uma obra de arte visual e sonora com um dos sistemas de movimento mais prazerosos dos últimos anos. Deslizar pelo seu mundo vibrante é pura magia. Contudo, essa alegria é constantemente sabotada por um sistema de combate atroz, impreciso e frustrante, além de problemas de desempenho que quebram a imersão. É uma aventura linda, ambiciosa e cheia de coração, mas fundamentalmente falha. Vale a pena pela beleza e pela exploração, mas prepare-se para ranger os dentes sempre que a batalha começar.
