Tem algo hipnótico em cidades que nunca dormem. Aquelas onde a chuva parece eterna, os letreiros de néon piscam sem parar e o perigo espreita cada esquina. Quando descobri “The Precinct”, entendi que não seria apenas mais um jogo de ação — era um convite para reviver uma época onde tudo parecia saído de uma fita VHS: carros musculosos, trilhas sintetizadas e o bom e velho embate entre o certo e o errado.
Mas aqui, eu não era o fora da lei. Pela primeira vez, era o policial. Com o distintivo no peito e a missão de impor ordem em meio ao caos de Averno City, entrei de cabeça nessa fantasia retrô com mais perguntas do que certezas. E foi exatamente isso que me atraiu: a ideia de um sandbox onde a justiça, mesmo estilizada, é o fio condutor da experiência. A estreia oficial no PS5 veio em maio de 2025, após uma jornada conturbada de desenvolvimento — mas o que importa mesmo é: valeu a pena vestir o uniforme?
O Legado de um Cordell
Em “The Precinct”, assumo o papel de Nick Cordell Jr., um novato recém-saído da academia de polícia que, além de manter a ordem nas ruas, precisa investigar o assassinato do próprio pai — um policial morto em serviço. A premissa não é das mais originais. O clichê do filho seguindo os passos do pai em busca de justiça é puro roteiro hollywoodiano. Mas funciona como um gancho narrativo sólido, e isso basta.
A narrativa, ainda que previsível, se entrelaça bem com a jogabilidade. Meu objetivo é desmantelar gangues como as Serpentes Escarlates e os brutamontes Quebra-Queixos, patrulhando, coletando evidências e subindo na hierarquia do submundo até alcançar os chefes. Não espere profundidade de série policial da HBO aqui — estamos mais para um drama descompromissado, quase caricato, que abraça a estética da época com orgulho. E, dentro da proposta arcade do jogo, isso funciona muito bem.
A ambientação em 1983 é um dos maiores acertos. Nada de celulares, redes sociais ou cibercrimes. A escolha de ambientar a história numa época mais analógica é fundamental para a identidade de “The Precinct”. Essa decisão dá ao jogo um charme retrô que conversa diretamente comigo, alguém que aprecia não só a nostalgia, mas também o esforço em criar um mundo coeso e esteticamente fiel. A construção desse universo é tão bem feita que, para mim, compensa os tropeços da história.
A Rotina do Patrulheiro e o Caos Urbano
A jogabilidade mistura simulação policial com ação intensa. Meus turnos são imprevisíveis: em um momento estou a pé, multando um carro mal estacionado; no outro, envolvido numa perseguição em alta velocidade com sirenes berrando e o trânsito em colapso. A cidade pulsa com crimes variados — de infrações simples a assaltos armados — e o sistema de eventos dinâmicos mantém minhas patrulhas envolventes.
As perseguições de carro são, sem dúvida, o coração do jogo. Elas são emocionantes, e o controle dos veículos é sólido o bastante para me fazer sentir no comando da situação, mesmo nos becos mais apertados. O sistema de suporte policial é outro ponto forte: posso solicitar reforços, bloqueios e até faixas de pregos, tudo em tempo real. Isso me livra da sensação de ser um policial solitário e reforça a ideia de pertencer a um departamento funcional.
No entanto, a repetição é inevitável. Com o passar das horas, percebi que o ciclo de patrulhas e missões começa a se desgastar. O que antes era empolgante, aos poucos vira rotina. A campanha principal dura cerca de 12 horas, mas a falta de surpresas em sua estrutura torna os momentos finais menos impactantes.
Há atividades secundárias para variar o ritmo. Os rachas, por exemplo, me colocam em corridas ilegais disfarçado, o que traz uma mudança de tom interessante — ainda que sem profundidade. Também existem 20 artefatos de museu espalhados pela cidade. Encontrá-los envolve pequenos puzzles e recompensas, adicionando uma camada extra à exploração. São adições modestas, mas bem-vindas.
Um detalhe que me incomodou foi a animação dos mecânicos. Quando levo o carro para reparos, o processo parece inacabado, com uma animação simplória que quebra a imersão. Não é grave, mas é um exemplo de polimento que faltou.
O Manual do Policial
Um dos aspectos mais interessantes do jogo é sua ênfase em procedimentos. Ser um bom policial — lendo os direitos Miranda, usando força proporcional, levando suspeitos detidos até a delegacia — rende mais XP. Atitudes violentas ou incorretas, como agredir civis ou aplicar multas falsas, cortam minha pontuação diária. Esse sistema simples, mas eficiente, me incentivou a jogar corretamente.
A árvore de habilidades cobre quatro áreas principais:
- Físico: aumenta vida e vigor, essenciais em tiroteios.
- Combate: expande minha capacidade de munição.
- Policiamento: desbloqueia novos recursos como bloqueios e armadilhas.
- Veículos: melhora a resistência do carro e libera o uso de outros veículos.
As melhorias não são revolucionárias, mas funcionam. A progressão é clara e recompensadora, o que mantém meu interesse ativo.
O combate a pé, por outro lado, deixa a desejar. A câmera atrapalha a mira, os tiroteios são desajeitados e o sistema de cobertura é básico demais. É funcional, mas sem graça.
Averno Respira Anos 80
Averno City é viva, detalhada e estilizada na medida certa. O ciclo dia/noite, os reflexos nas ruas molhadas, os becos iluminados por néon — tudo contribui para uma atmosfera densa, quase cinematográfica. O mapa não é imenso, mas é denso e cheio de identidade, com elementos como cabines vandalizadas e letreiros decadentes que ajudam a contar a história da cidade.
Apesar disso, há falhas visuais. Notei pop-ins frequentes e texturas carregando tarde demais. Carros surgindo do nada ou meio enterrados no chão também aparecem. Não são problemas que quebram o jogo, mas incomodam.
A trilha sonora, inspirada nos anos 80, é certeira. Os sintetizadores embalam perseguições e tiroteios com estilo. O mesmo não posso dizer da dublagem. As vozes vão do aceitável ao irritante, com alguns personagens soando como robôs lendo roteiro. Pior: em certos momentos, ouvi ruídos e estalos nos áudios, provavelmente causados por má captação. E as falas dos NPCs, repetitivas e sem alma, tiram vida da cidade.
Uma Patrulha Travada
O maior tropeço da versão de PS5 está na performance. O jogo roda travado a 30fps, o que é difícil de aceitar num título focado em ação e velocidade. Em cenas mais intensas, percebi quedas “leves” do fps, o que atrapalha tiroteios e perseguições. Acredito que a engine tenha dificuldades em lidar com a simulação densa de tráfego e pedestres.
Encontrei também bugs menores: veículos presos no cenário, colisões estranhas e animações quebradas.
Entre Sirenes e Sombra
“The Precinct” pode não ser o jogo mais estável, nem o mais refinado. Mas em meio aos bugs e limitações técnicas, ele encontra algo raro: personalidade. A estética retrô é mais que um pano de fundo — é o espírito do jogo. Cada sirene, cada curva em alta velocidade, cada detalhe da cidade contribui para uma fantasia que beira o exagero, mas nunca perde o foco na diversão.
Ser o policial em um mundo que parece sempre à beira do colapso é uma proposta ousada — e aqui, ela funciona. É um título que, apesar de suas falhas, oferece algo que muitos blockbusters esquecem: identidade. E mesmo quando a cidade parece se repetir, a experiência ainda pulsa com energia, estilo e nostalgia.
Se você procura algo diferente, algo que fuja da fórmula dos mundos abertos modernos e te coloque no volante de uma viatura em plena década de 80… ligue as sirenes. Averno City está chamando. E a patrulha, meu amigo, é sua.
NOTA
CONSIDERAÇÕES
Apesar dos tropeços técnicos e da repetição, The Precinct entrega uma experiência única, guiada por estilo, nostalgia e personalidade. Se você curte ação retrô com alma de fita VHS, Averno City te espera com as sirenes ligadas.