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Review | Neyyah (PC)

Escavando o Passado

Há jogos que jogamos e há jogos que nos assombram. Eles não são necessariamente os melhores ou os mais revolucionários, mas são aqueles que se alojaram em um canto da nossa memória e se recusaram a sair. Para uma geração inteira de jogadores, Myst e, principalmente, sua sequência, Riven, são fantasmas dessa magnitude. Eram experiências que pareciam menos com jogos e mais com lugares, lugares enigmáticos, melancólicos e brutalmente indiferentes à sua presença. Tentar recapturar essa essência, esse relâmpago numa garrafa, não é apenas ambicioso; é um ato de audácia que beira a loucura. E é exatamente isso que Neyyah, o fruto de sete anos de trabalho obsessivo de um desenvolvedor majoritariamente solo, Aaron Gwynaire, se propõe a fazer.

Neyyah

Jogar Neyyah em 2025 é uma experiência anacrônica e profundamente estranha. Não me senti como uma aventureira descobrindo um mundo novo, mas como uma arqueóloga desenterrando um artefato de uma era perdida do design de jogos. O jogo utiliza ferramentas modernas para recriar, com uma fidelidade quase religiosa, não apenas a estética de Riven, mas suas limitações deliberadas. A navegação é feita por telas estáticas, um “slideshow” de belíssimas composições pré-renderizadas. Não há movimento livre, não há física, não há a fluidez que esperamos como um direito básico nos jogos de hoje. Essa não é uma falha técnica; é uma tese. Neyyah argumenta que há valor nesse método antigo, que a restrição força o olhar, que a quietude obriga à contemplação. A questão que pairou sobre minhas dezenas de horas neste mundo não era se o jogo era bom, mas se seu argumento era convincente. Se essa viagem ao passado justifica a teimosa recusa em aceitar o presente.

Sussurros em Telas de Vídeo

A história de Neyyah não é contada, é exumada. Você é jogado em um mundo alienígena com uma missão vaga e a tarefa de juntar os cacos de uma narrativa fragmentada. A trama se revela em pedaços, através de diários esquecidos, logs de vídeo granulados e o próprio ambiente, que sussurra histórias de duas civilizações intrigantes, suas tecnologias e sua queda. A quantidade de texto é colossal, facilmente dez vezes maior que a de Riven, e a qualidade da escrita é, surpreendentemente, um dos pontos mais fortes do jogo. Há passagens genuinamente bonitas aqui, um lore profundo e fascinante que me fez querer preencher cada lacuna, entender cada nome estranho e decifrar cada símbolo.

Neyyah

Mas essa seriedade literária colide frontalmente com a sua apresentação. Neyyah ressuscita com orgulho uma das relíquias mais controversas dos anos 90: o FMV, ou Full Motion Video. Personagens interpretados por atores reais aparecem em pequenas janelas de vídeo, entregando seus diálogos com um entusiasmo que só pode ser descrito como “teatro amador”. A atuação é exagerada, deliciosamente brega e autoconsciente. O próprio desenvolvedor, Aaron Gwynaire, assume um papel, seguindo a tradição de Rand Miller como o icônico Atrus em Myst. No início, essa dissonância me tirou da experiência. Como eu poderia levar a sério o destino de uma civilização antiga quando o mensageiro parece um ator de comercial de TV regional? No entanto, com o tempo, essa estranheza se tornou parte do charme. O jogo não tem vergonha de sua cafonice; ele a abraça como parte de sua identidade. É uma piscadela para o jogador que entende a referência, um pacto de que estamos todos juntos nessa recriação nostálgica. Ainda assim, a imersão é frágil. A escolha de um elenco que parece uniformemente jovem e com uma aparência impecável realmente destoa da sensação de um mundo antigo e vivido que o resto do jogo se esforça tanto para construir.

A Paciência do Explorador

Mover-se por Neyyah é um exercício de paciência. Cada clique te transporta para uma nova “fotografia”, uma cena estática e meticulosamente composta. A ausência de movimento livre transforma a exploração em uma experiência deliberada, quase meditativa. Você não “corre” por uma área; você a absorve, quadro a quadro. Essa abordagem tem seu mérito: ela força a observação. Detalhes que passariam despercebidos em um ambiente 3D dinâmico saltam aos olhos. Um cabo correndo ao longo de uma parede, um símbolo sutil gravado em uma rocha, a direção de um cano enferrujado, tudo se torna uma pista em potencial.

Neyyah

O problema é que o design do mundo de Neyyah parece, por vezes, lutar contra sua própria mecânica de navegação. O jogo se abre de forma não linear, apresentando um vasto arquipélago de ilhas e quebra-cabeças interconectados. Essa liberdade é inicialmente estimulante, mas rapidamente se torna esmagadora. Sem um senso claro de direção, eu me vi andando em círculos, clicando repetidamente através de dezenas de telas para voltar a um local que eu mal lembrava onde ficava. O backtracking, a necessidade de ir e voltar entre pontos distantes, não é apenas presente; é uma característica central e, honestamente, a maior falha do jogo. Em um mundo 3D, revisitar uma área pode ser um prazer. Em Neyyah, é uma tarefa árdua. O jogo oferece uma opção de “Viagem Rápida” que permite pular algumas telas, mas é um remendo, um curativo em uma ferida que precisava de uma cirurgia de design. A experiência exige um caderno de anotações real ao seu lado, uma prática que eu, como fã do gênero, aprecio. Mas a demanda por anotações aqui parece menos sobre decifrar enigmas elegantes e mais sobre criar um mapa desesperado para não se afogar na vastidão confusa do mundo.

A Chave no Bolso

No coração de Neyyah estão seus quebra-cabeças, e é aqui que o jogo trava sua batalha mais interessante com o fantasma de Riven. A essência está lá: a maioria dos desafios são ambientais. Você não resolve um puzzle; você aprende a operar uma máquina. Você precisa entender como um sistema de energia funciona, para onde a água está sendo bombeada, qual o propósito daquela alavanca enferrujada. Quando isso funciona, é sublime. Há momentos de epifania genuína, quando você finalmente entende a lógica interna de uma engenhoca alienígena e o mundo reage à sua compreensão. São esses momentos que buscamos neste gênero.

Neyyah

No entanto, Neyyah comete o que para os puristas de Riven seria uma heresia: ele introduz um sistema de inventário tradicional. Você coleta chaves, fusíveis, placas de metal e outros itens que devem ser usados em locais específicos. Essa decisão, mais do que qualquer outra, define Neyyah. Por um lado, torna o jogo imensamente mais acessível. A lógica de “encontrar item A para usar no slot B” é familiar e oferece pontos de progresso mais claros. Por outro lado, sacrifica a pureza e a elegância do design que tornou Riven uma obra-prima. Em Riven, o mundo inteiro era o quebra-cabeça. Em Neyyah, às vezes, o quebra-cabeça é apenas encontrar a chave que está no seu bolso. Essa troca de elegância por acessibilidade permeia toda a experiência. Os quebra-cabeças são, em sua maioria, satisfatórios e inteligentes, mas raramente alcançam a escala ou a genialidade interconectada de sua inspiração. A dificuldade é alta, e para os masoquistas de plantão, há modos que removem todas as dicas, mas a satisfação muitas vezes vem de superar a confusão, e não de decifrar um design brilhante.

A Partitura do Silêncio

Se há uma área onde Neyyah se aproxima da perfeição, é em sua apresentação audiovisual. O jogo é simplesmente deslumbrante. As imagens pré-renderizadas são quase fotorrealistas, repletas de detalhes e banhadas por uma iluminação evocativa. Cada tela é uma obra de arte, uma composição cuidadosa que justapõe a fria simetria da tecnologia alienígena com a beleza orgânica e selvagem da natureza. Cavernas cintilantes, praias serenas e arquiteturas impossíveis que misturam steampunk com design biomecânico criam um senso de lugar palpável e misterioso. No entanto, a crítica de que os ambientes carecem de variedade é justa. Ao contrário das ilhas distintas de Riven, as áreas de Neyyah tendem a se misturar em uma estética coesa, mas um tanto repetitiva de “ilha tropical com ruínas tecnológicas”. A beleza é inegável, mas a identidade de cada local nem sempre é forte o suficiente para se destacar.

O design de som, por outro lado, é impecável. É rico, atmosférico e faz um trabalho incrível para dar vida a essas imagens estáticas. O som do vento, o gotejar da água em uma caverna, o zumbido de uma máquina antiga, tudo contribui para uma imersão profunda. A trilha sonora é gigantesca, com mais de 80 faixas, e funciona como uma tapeçaria ambiental. Ela raramente se impõe, preferindo criar um clima melancólico e contemplativo que se encaixa perfeitamente no tom do jogo. Não é uma trilha que você vai ouvir no seu dia a dia, mas dentro do contexto do mundo de Neyyah, ela é a pulsação perfeita. E saber que grande parte dela foi composta por um jovem músico, Zaedyn Turner, entre os 10 e 14 anos, apenas adiciona outra camada de admiração a este projeto que é, em todos os sentidos, uma obra de paixão.

O Motor Silencioso

Vou ser breve aqui, porque a performance técnica de Neyyah é exatamente o que deveria ser: invisível. Joguei em uma configuração robusta, um processador Ryzen 7 5700x, uma placa de vídeo RTX 4060 e 32 GB de RAM, e, como esperado, a experiência foi absolutamente impecável. A natureza pré-renderizada do jogo significa que ele não exige muito do hardware. As transições entre as telas são instantâneas, as animações são fluidas e em momento algum encontrei um bug, uma queda de quadros ou um travamento.

A Sombra e o Eco

Ao final da minha jornada por Neyyah, a pergunta que me fiz não era se eu tinha gostado do jogo, mas o que ele realmente era. É uma homenagem? Sem dúvida. É uma imitação? Em muitos aspectos, sim. É um sucessor espiritual? Talvez. Mas, acima de tudo, Neyyah é um eco. Um eco de um tempo em que os jogos podiam ser lentos, silenciosos e exigentes de uma forma que hoje parece quase alienígena. É um feito impressionante de arte, perseverança e paixão de um único homem. Um mundo belo, cheio de mistérios intrigantes e quebra-cabeças inteligentes.

Mas um eco, por mais claro que seja, é definido pelo som original. Neyyah nunca consegue escapar da sombra colossal de Riven. Sua devoção ao seu ídolo é tão completa que ele sacrifica a chance de encontrar sua própria voz. As melhores partes de Neyyah são aquelas que me lembram de Riven. Suas piores partes são aquelas que me fazem desejar estar jogando Riven. O jogo não é um novo marco para o gênero; é um monumento lindamente construído ao marco antigo.

E talvez isso seja o suficiente. Talvez o propósito de Neyyah não seja inovar, mas preservar. Preservar um tipo de experiência que o tempo esqueceu. Ele não me transportou para um lugar novo e desconhecido. Ele me levou para um lugar familiar, um fantasma que eu conhecia bem, e me perguntou se eu ainda acreditava nele. A resposta, eu descobri, é complicada. Porque quando revisitamos os fantasmas do passado, não buscamos apenas o conforto do que conhecemos, mas a emoção de ver algo antigo se transformar em algo novo. Neyyah, em sua fidelidade quase perfeita, nos dá o primeiro, mas nos nega o segundo. E ao fazer isso, ele se torna uma obra fascinante e falha, uma carta de amor que é tão bonita quanto dolorosamente presa ao passado, um eco que ressoa com força, mas que, no final, se desvanece no silêncio.

NOTA

7.5
★★★★★★★★★★

CONSIDERAÇÕES

Neyyah é uma carta de amor visualmente deslumbrante e tecnicamente impecável a Riven, um feito monumental para um desenvolvedor solo. Seu mundo misterioso e quebra-cabeças ambientais inteligentes são um prato cheio para os fãs do gênero. No entanto, a devoção quase religiosa ao seu ídolo resulta em um jogo que, embora lindo, soa mais como um eco perfeito do que uma nova voz, prejudicado por um backtracking implacável que testa mais a paciência do que o intelecto. É um tributo magnífico que nunca consegue escapar da sombra da obra-prima que idolatra.

Gustavo Feltes
Gustavo Feltes
Eu amo jogar, jogar é uma parte de mim. Cada história, momento, universo e gameplay me encantam. Eu não tenho restrições de jogos, cada célula do meu corpo clama por isso.
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